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A Lei Maria da Penha completa 18 anos nesta quarta-feira, dia 7. Apesar dos avanços ao longo do tempo, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer no combate à violência doméstica e familiar. Considerada uma das legislações mais avançadas no mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU), a lei trouxe inovações como medidas protetivas de urgência e a criação de equipamentos de proteção às vítimas.

Antes de a Lei Maria da Penha entrar em vigor, esse tipo de violência era tratado como crime de menor potencial ofensivo e enquadrado na Lei n° 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Não havia dispositivo legal para punir com mais rigor os autores de violência, que tinham penas reduzidas a prestações de serviço à comunidade, como pagamento de cestas básicas ou trabalhos comunitários.

Atualmente, a legislação garante uma série de direitos para as vítimas: além de estabelecer a definição do que é a violência doméstica e familiar – caracterizando suas formas, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral –, configura-a como crime, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e cria mecanismos de proteção às vítimas.

Infelizmente a lei ainda não é suficiente para coibir a violência contra a mulher. No ano de 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. Os dados referem-se a oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança (BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ, SP).

Em Avaré, um balanço feito pela DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), a pedido do in Foco, mostra que em 17 meses, foram registrados 297 casos de violência (lesão corporal), o que dá em média 17 casos por mês.

Ano passado houve duas tentativas de feminicídio (que a polícia identifica como homicídio), enquanto este ano, um feminicídio (caso Acássia).  Os números de estupros também assustam: em 2023 foram 15 – mais de um por mês; já o estupro de vulnerável (praticado contra menor de 14 anos) totalizam 31 casos. Juntos, representam em média quase 4 casos por mês.

Só nos cinco primeiros meses de 2024, foram 15 estupros de vulnerável, número que mantém a média do ano passado. Até maio, segundo a DDM, não houve caso de estupro envolvendo mulheres.

As ameaças, injúrias e difamações também estão à frente do ranking (veja abaixo). A DDM não especificou o que seriam  “outros crimes”.

Dados de 2023

Dados de 2024

 

 

Maria da Penha

A Lei Maria da Penha recebeu este nome em homenagem à biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou pela criação de uma legislação que contribuísse para o combate à violência familiar e doméstica após ter sido agredida e sofrido duas tentativas de feminicídio por parte de seu marido, Marco Antonio Heredia Viveros.

Ela conheceu o marido, um colombiano, enquanto cursava um mestrado na Universidade de São Paulo (USP), ainda em 1974. No mesmo ano, começaram a namorar e se casaram pouco tempo depois. Até então, ela afirmava que ele demonstrava ser muito amável, educado e solidário com todos ao seu redor, mas a situação mudou quando ele obteve a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente.

Em 1983, Maria da Penha foi vítima de uma tentativa dupla de feminicídio, quando Marco Antonio disparou um tiro em suas costas enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica. Ele alegou à polícia que o ocorrido foi uma tentativa de assalto — versão que foi desmentida posteriormente pela perícia. Quatro meses depois, Maria da Penha voltou para casa, mas foi mantida em cárcere privado por 15 dias e sofreu uma tentativa de eletrocussão durante o banho.

Ela conseguiu sair de casa com a ajuda de familiares e amigos, mas a punição de Marco Antonio só veio após 19 anos, após dois julgamentos e duas sentenças. Ao todo, Marco Antonio deveria cumprir quase 25 anos de pena, mas permaneceu apenas dois anos em regime fechado.

Diante da falta de medidas legais e ações efetivas para proteção e garantia de direitos das vítimas de violência doméstica e familiar, foi formado, em 2002, um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei que pudesse abordar esses casos. Após muitos debates, o Projeto de Lei nº 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara nº 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. Finalmente, em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei nº 11.340/2006.

 

Legislação

A Lei Maria da Penha é referência e, hoje, é considerada uma das mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica e familiar, ao lado de legislações da Espanha e da Mongólia.

De acordo com dados do Banco Mundial, dos 188 países registrados na instituição, apenas 25 não contam com leis de proteção às vítimas de violência doméstica e familiar. A maioria deles está localizada na África (Camarões, República Democrática do Congo, Eritreia, Guiné, Guiné Equatorial, Líbia, Mali, Mauritânia, Níger, Somália, Sudão, Sudão do Sul e Tanzânia) e na Ásia (Afeganistão, Irã, Iraque, Myanmar, Omã, Catar, Rússia, Síria, Iémen, Cisjordânia e Gaza), com ainda um na Europa (Estônia) e um no Caribe (Haiti).

Considerada um elemento importante para a desnaturalização da violência como parte das relações familiares, a Lei modifica o Código Penal, possibilitando que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada, sem chance de serem punidos com penas alternativas. Ela também aumenta o tempo de detenção e prevê medidas protetivas, que incluem a saída do agressor do domicílio e a proibição de aproximação da vítima ou dos filhos, além de estabelecer que o agressor deve frequentar centro de educação e reabilitação para passar por tratamento psicossocial.

O Estado é obrigado a garantir às mulheres em situação de violência doméstica ou familiar proteção policial, comunicar o Ministério Público e o Poder Judiciário, e encaminhar a vítima ao hospital, posto de saúde ou instituto médico legal, além de fornecer transporte para a agredida e seus filhos até um local seguro sempre que houver risco de morte.

Cumprindo a função de proteger mulheres em situação de violência e salvar vidas, a Lei também estabelece a criação de políticas públicas de prevenção, assistência e proteção às vítimas; prevê a instituição de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; institui medidas protetivas de urgência; e promove programas educacionais com perspectiva de gênero, raça e etnia, entre outras propostas.