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Bastou o bilionário Elon Musk anunciar a compra do Twitter por US$ 44 bilhões (cerca de R$ 215 bilhões) para que o assunto da desigualdade social viesse à tona. Isso é normal quando uma transação global e vultosa como essa ocorre, afinal, nós, meros mortais, provavelmente fazemos parte dos 99% que não detém maior concentração de renda. Assim, é compreensível que uma notícia que envolva tantas cifras cause espanto e até inveja (branca ou não rs).

De fato, o 1% mais rico do mundo tem mais do que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada, de acordo com a Oxfam, organização não-governamental britânica. Num relatório, a instituição disse que os impostos cobrados de indivíduos ricos e empresas estão muito aquém do necessário, com recursos abaixo do esperado para serviços públicos. O relatório da Oxfam também destacou as desigualdades econômicas de gênero. Mulheres são sobrecarregadas com uma responsabilidade desproporcional pelo trabalho de cuidados, com menos oportunidades econômicas.

O assunto é delicado, pois normalmente é tratado como uma pauta de esquerda – daí, o viés ideológico, que não é objeto desta capa. Claro que questionar a existência dos ricos não é a solução. Pode não ser fácil de aceitar, mas grande parte deles merece ou construiu suas fortunas, aproveitando oportunidades. Você mesmo deve estar contribuindo com a fortuna de alguns deles, já que a maioria das pessoas fica em média, cerca de 7 horas por dia nas redes sociais. Musk e Mark Zuckerberg agradecem. E quem não usa a Amazon, seja para comprar qualquer coisa ou assistir filmes?

Oportunidade é uma palavra-chave neste assunto, pois é exatamente isso que a maioria das pessoas não tem. Portanto, antes de elevar impostos como solução (o que dependendo de cada país, pode e deve ser discutido), é preciso olhar mais profundamente a questão.

Muitos dirão que a pobreza, a riqueza e portanto, a desigualdade sempre existiram. É verdade. Também é verdade que é interesse político que elas se mantenham exatamente assim – independente do regime político-ideológico. É chover no molhado, mas a raiz do problema é a velha conhecida má distribuição de renda e da falta de investimento na área social, como educação e saúde.

Na prática, pessoas com nível superior de escolaridade e com qualidade de vida tendem a ascender na pirâmide social, buscando oportunidades. O Brasil é um celeiro de exemplos disso. Não por acaso possui tantos empreendedores, grande parte da classe baixa ou média.

Assim, na verdade, não é bom negócio para ninguém que o mundo tenha tanta pobreza em pleno século 21, numa era em que Musk quer colonizar Marte. Na prática, o mundo parece um ‘Monopoly’ com poucos jogadores e muitos perdedores que sequer entram no jogo. Já é hora de entender esse tabuleiro!

 

Entendendo a desigualdade

“A grande riqueza e a grande pobreza são igualmente patológicas para a sociedade. A pobreza porque é eticamente e economicamente prejudicial para toda a sociedade. E a riqueza porque os muito ricos não sabem parar, transformam poder econômico em poder político, corroem a democracia. O combate à desigualdade é uma necessidade ética. Não é concebível que no século XXI tenhamos manifestações trágicas de pobreza e miséria. O básico, numa sociedade civilizada, não pode faltar a ninguém, e muito menos às crianças que não têm nenhuma responsabilidade pelo caos em que são jogadas. Não é uma questão de esquerda e direita, e sim de elementar decência humana”, diz o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP e consultor de várias agências da Organização das Nações Unidas. E complementa: “nossos problemas não resultam da falta de recursos e sim da sua má alocação. O mundo produz anualmente 80 trilhões de dólares de bens e serviços. Divididos por 7,6 bilhões de pessoas, isso representa 3.500 dólares por mês por família de quatro pessoas. Uma distribuição mais justa asseguraria 11 mil reais por mês por família de 4 pessoas. Daria para todos viverem de maneira digna e confortável. Reduzir a desigualdade é o principal caminho para uma sociedade mais decente e mais produtiva. Nosso problema não é econômico, é político”.

De fato, a desigualdade social é um processo existente dentro das relações da sociedade, presente em todos os países do mundo. Faz parte das relações sociais, pois determina um lugar aos desiguais, seja por questões econômicas, de gênero, de cor, de crença, de círculo ou grupo social. Essa forma de desigualdade prejudica e limita o status social dessas pessoas, além de seu acesso a direitos básicos, como: acesso à educação e saúde de qualidade, direito à propriedade, direito ao trabalho, direito à moradia, ter boas condições de transporte e locomoção, entre outros.

Acaba sendo um ciclo vicioso, no qual grupos se mantêm com privilégios e num círculo restrito, relacionando-se social e economicamente por gerações a fio. O mesmo ocorre com grupos sem quaisquer privilégios; quem é de uma família pobre tem menos probabilidade de ter uma excelente educação e instrução; assim, com baixo nível de escolaridade, terão destinados a si certos empregos sem grande prestígio social e com uma remuneração modesta, mantendo seu status social intacto.

Por essa razão, a meritocracia, para muitos estudiosos, é um mito: não há como clamar que uma classe social alcança bons feitos por mérito, frente a outra que sequer consegue acessar as mesmas oportunidades. Um princípio do direito prega em tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, com o intuito de reconhecer como a força das vivências, dos locais de origens e da vida social tendem a se manter os mesmos por décadas.

Como surge a desigualdade? Vários teóricos e pensadores buscam entender esse fenômeno, que assola boa parte dos países do mundo até hoje. Muitos, em suas teorias, culpam a existência da desigualdade social num vértice em comum: a concentração do dinheiro, ou seja, a má distribuição de renda. Sendo a desigualdade social o fruto da concentração de dinheiro e poder a uma parte muito pequena da população, o que resta à grande parcela da sociedade é dividir o restante. Algumas das causas da desigualdade social

  • Má distribuição de renda – e concentração do poder;
  • Má administração de recursos – principalmente públicos;
  • Falta de investimento nas áreas sociais, em cultura, em assistência a populações mais carentes, em saúde, educação;
  • Falta de oportunidade de trabalho.

Existem diversas formas de desigualdade quando se fala em desigualdade social. Ora, o que é social permeia todos os âmbitos da vida de uma pessoa. Entenda alguns deles:

Desigualdade de gênero – Uma pauta muito discutida desde o início do século XXI. Ela se manifesta na discriminação de oportunidades, de tratamento, de direitos, de liberdade. Por vezes, no sistema patriarcal, mulheres recebem salários mais baixos que um homem, mesmo fazendo o mesmo trabalho, com o mesmo grau de ensino e cumprindo os mesmos horários – na esfera pública, também é discutida a representatividade da mulher em cargos de poder e na política.

Desigualdade racial- O Brasil, ao contrário do mito, não é uma democracia racial. A desigualdade começa já na discussão de oportunidades: onde as pessoas negras moram e crescem hoje? Como herança da escravidão, 72% dos moradores de favela são negros. Sete em cada dez casas que recebem o benefício do Bolsa Família são chefiadas por negros, segundo dados do estudo Retrato das desigualdades de gênero e raça, do Ipea. Além disso, o analfabetismo é duas vezes maior entre negros do que entre brancos. Em segundo lugar, há preconceito e discriminação racial em diversos âmbitos ainda: diz-se que racismo é estrutural e reproduzido pela sociedade a fim de excluí-los dos círculos sociais. Os jornais, a televisão e os filmes, por exemplo, também reproduzem e ajudam a perpetuar essa lógica.

Desigualdade de classes – Dependendo do autor, a explicação desse tipo de desigualdade será diferente. Mas, basicamente, sempre levará em conta a ocupação profissional, a escolaridade, a riqueza, os bens, a renda das pessoas. O sociólogo Max Weber acredita que as classes sociais estão ligadas aos privilégios e prestígios, sendo uma forma de estratificação social. Acredita que essas classes tendem a se manter estáveis ao longo de gerações, reproduzindo a desigualdade com as classes inferiores. Já Karl Marx, entende que existem duas grandes classes: a trabalhadora (proletariado) e os capitalistas (burguesia). Enquanto os trabalhadores se importam em sobreviver, os capitalistas se preocupam com o lucro. E, assim, criam as desigualdades e os conflitos sociais, como a opressão e a exploração.

 

A desigualdade no Brasil

De acordo com o estudo liberado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a concentração de renda aumenta a cada ano no país. Os dados mostram que o rendimento mensal dos 1% mais ricos do país é quase 34 vezes maior do que o rendimento da metade mais pobre da população.

Ainda, o estudo mostrou que a renda dos 5% mais pobres caiu em 3%, enquanto a renda dos 1% mais ricos aumentou em 8%. Assim, o Índice de Gini – instrumento utilizado para medir a desigualdade no Brasil – voltou a subir. Em 2018, alcançou o número de 0,509. Vale lembrar que o índice varia de zero a um. Quanto mais próximo de um, pior é a distribuição de renda no país. Um estudo recente realizado pela Consultoria Tendências apontou que mais da metade dos domicílios brasileiros está abaixo da linha da pobreza. Segundo ele, 50,7% recebem renda mensal domiciliar de até R$ 2,9 mil, pertencentes às classes D e E. Enquanto 33,3% têm rendimentos entre R$ 2,9 mil e R$ 7,1 mil. A classe B, com renda entre R$ 7,1 mil e R$ 22 mil, representa 13,2% e a classe A, com rendimento superior a R$ 22 mil, equivale a 2,8%.

90% ganham menos de R$ 3.500

A renda mensal média de quem está entre os 5% mais ricos no Brasil é de R$ 10.313,00, conforme os dados da Pnad Contínua – Rendimento de todas as fontes 2019, do IBGE. O corte para estar no 1%, ou seja, com renda média superior à de 99% da população brasileira adulta, é de R$ 28.659,00. A base da pirâmide é relativamente homogênea — 90% dos brasileiros têm renda inferior a R$ 3,5 mil por mês (R$ 3.422,00) e 70% ganham até dois salários mínimos (R$ 1.871,00, para um salário mínimo de R$ 998,00 em 2019), ainda segundo o levantamento. Dentro do grupo dos mais ricos, contudo, o espectro é bem diversificado. Tomando a faixa da pesquisa do IBGE, de R$ 28 mil, o grupo dos 1% mais ricos inclui desde alguns profissionais liberais como advogados e engenheiros e a elite do funcionalismo público — promotores, procuradores, auditores da Receita —, a empresários, artistas e, finalmente, os milionários e bilionários que aparecem nas listas dos mais ricos do país.

Síndrome da classe média

Uma pesquisa (Nós e As Desigualdades), realizada pela Oxfam em parceria com o Instituto Datafolha, pergunta desde 2017 aos brasileiros, em uma escala de 0 a 100, se eles se acham “muito pobres ou muito ricos”. As três edições do levantamento realizadas até agora apontam na mesma direção: quem está no topo pode ter uma visão bastante distorcida da realidade. A pesquisa de dezembro de 2020 apontou que, entre aqueles com renda superior a 5 salários mínimos, 75% disseram achar fazer parte da metade mais pobre do país.

Para se estar entre os 10% mais ricos do país, contudo, a renda média parte de três salários mínimos, de acordo com os parâmetros da pesquisa.  Isso porque o Brasil é um país em que muita gente vive com muito pouco. Para estar entre os “mais ricos”, do ponto de vista da distribuição de renda, não é preciso tanto. Esse descolamento entre percepção e realidade, entretanto, não é exclusividade do Brasil. “Os estudos sobre percepção mostram que as pessoas tendem a se classificar no meio, como classe média. Pouca gente se classifica como pobre ou como rica”, diz o professor de Princeton e pesquisador da desigualdade Marcelo Medeiros.

Mas por quê?  Estudiosa do tema, Asli Cansunar, professora do departamento de Ciência Política na Universidade de Washington, nos EUA, ressalta que esses resultados são observados pelo menos desde os anos 1970.  A explicação é relativamente simples. A grande maioria das pessoas não consome informações sobre estatísticas econômicas no dia a dia. Na falta de dados técnicos, a maneira de colocar sentido no mundo é por meio de comparações — é olhar em volta e se comparar aos amigos, familiares, às celebridades na TV ou, mais recentemente, aos influencers do Instagram. O problema, nesse caso, é que a amostra é enviesada, já que o cotidiano está, de maneira geral, dominado por imagens que nos levam a associar o topo da pirâmide à ostentação: alguém que dirige um carro importado, que faz viagens internacionais, que consome produtos de luxo.

“E quando você se compara a essas pessoas, claro, vai dizer: ‘Imagina, eu não sou rico, sou classe média! Sou apenas alguém que está se esforçando para comprar um carro novo e conseguir viajar nas férias’. Na vida real, entretanto, se você olhar as estatísticas, vai ver que está ganhando muito mais do que muita gente no seu entorno”, destaca a pesquisadora.

Mas então quem está no ‘topo’ é rico? – Para além das percepções individuais, a própria noção de riqueza é subjetiva. Não há um consenso acadêmico sobre o que seria uma “linha de riqueza”, por exemplo. Ser rico é ter dinheiro suficiente para poder parar de trabalhar? É morar em um determinado bairro da cidade? É ter um carro importado?  “A definição do que é ser rico é uma ferramenta, depende do que se quer fazer com ela”, pontua Medeiros.

Cansunar também ressalta que a noção de riqueza é relativa – e pode variar inclusive dentro de um mesmo país. No Reino Unido, ela exemplifica, ganhar mais do que as 80 mil libras por ano (R$ 590 mil), que coloca alguém entre o 1% no topo da pirâmide, não necessariamente significa uma vida confortável em Londres para quem tem de pagar aluguel.

A própria pirâmide de rendimentos — que, aliás, não contabiliza a riqueza estocada em patrimônio, a recebida em herança — pode variar, a depender da metodologia. O IBGE usa suas pesquisas domiciliares, que, tradicionalmente, acabam subestimando a renda de quem está no topo.

Seja por uma questão ligada à segurança, por constrangimento ou porque realmente não sabem quanto ganham na ponta do lápis, os mais ricos acabam informando valores menores aos recenseadores do instituto.

“O IBGE faz um trabalho fantástico, mas esse é um fenômeno que acontece no mundo inteiro. Então as pesquisas do IBGE captam muito bem, vamos dizer, os 90% mais pobres da população”, pontua o sociólogo e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Pedro Ferreira de Souza. “Nos 10% mais ricos, quanto mais para cima, maior a subestimação”, afirma o especialista, que é autor do livro “Uma História da Desigualdade”, vencedor do prêmio Jabuti em 2019.

Por isso, pesquisadores como Souza utilizam também os dados da Receita Federal do Imposto de Renda, que captam melhor a renda que vem de investimento e aplicações financeiras, por exemplo.

Entre os 5% mais ricos, conforme os cálculos que ele fez com dados de 2015, a renda média apontada pelo levantamento do IBGE era 25% menor do que usando o IRPF. Para o 1% mais rico, a linha de corte nos dados do IBGE era 45% menor do que no IRPF —pouco menos da metade.

Ainda que a linha de corte, na prática, seja provavelmente superior aos R$ 28 mil apontados pela Pnad Contínua, o topo da pirâmide ainda é formado pelo grupo heterogêneo que inclui dos “super ricos” a profissionais liberais e parte do funcionalismo público. O teto para o salário dos servidores federais é hoje de R$ 39 mil. Muitos, contudo, recebem valores superiores com a inclusão de benefícios como auxílio alimentação e moradia.

“Se você ganha um salário muito alto, e em alguns casos muito acima do teto — principalmente no poder judiciário, a gente vê que é comum — com o tempo vai acumular renda e isso vai virar rendimento de capital”, acrescenta o sociólogo.  “O público leigo às vezes acha que todo funcionário público, ou pelo menos todo funcionário público federal, está no 1%. Tem um exagero grande aí, mas também não é de todo falso, certamente tem muita gente da elite do funcionalismo e, vamos ser sinceros, da elite política [no 1%].” Como estudioso da desigualdade, encontrada no Brasil em nível “extremo”, o pesquisador acredita que esse possa ser um bom parâmetro para se definir riqueza no Brasil.

“Onde está a concentração de renda que torna o Brasil muito diferente da Europa? Bom, está no topo. É ali o 1%, os 5% mais ricos, talvez em algum grau você possa falar que são os 10% mais ricos, alguma coisa assim. Mas a concentração grande mesmo é bem no topo, então fazer esse recorte — falar em 1% da população, 5% da população, acho que não tem como dizer que não é rico, né? Isso exigiria umas cambalhotas retóricas que não são muito fáceis”, avalia Souza.

Por que isso importa? – Chamar atenção para o topo, na avaliação do sociólogo, é importante especialmente por dois motivos. Primeiro, por uma questão política. Quando uma fração pequena da população concentra um percentual grande dos recursos, ela tende a “usar todos os meios possíveis para converter o poder econômico em influência política e, assim, conseguir enriquecer ainda mais”. “Isso não é uma questão necessariamente de caráter individual, mas uma dinâmica social que a gente vê em diversos países — e atrapalha o funcionamento da democracia”.  Segundo, ele acrescenta, porque entender quem tem mais abre caminho para o desenvolvimento de políticas voltadas para melhorar o bem-estar dos mais pobres, como o financiamento de serviços públicos de transporte e saúde para atender essa população. “O jeito mais eficiente de fazer isso é pegar de quem tem mais, de onde o dinheiro tá em tese sobrando — pelo menos em algum grau, ninguém está falando em confisco, mas do padrão de Estados Unidos e Europa —, tributar onde tem mais dinheiro concentrado e gastar onde tem mais necessidades”, avalia.

 

 

As grandes fortunas

As cinco famílias mais ricas do mundo têm uma fortuna acumulada de US$ 621 bilhões (cerca de R$ 3,5 trilhões, pouco mais que o dobro do PIB do Brasil em 2019), segundo indicou um estudo elaborado pela companhia Buy Shares.  Com dados referentes a outubro de 2020, a análise colocou a família Walton, dona da Walmart — a maior rede de supermercados dos Estados Unidos —, no primeiro lugar da lista, com uma fortuna de US$ 215 bilhões (R$ 1,2 trilhões).

Na sequência aparecem os Mars, que acumulam US$ 120 bilhões (R$ 677,8 bilhões), graças a um império de empresas do ramo alimentício; e os Koch, das indústrias que levam o sobrenome da família, com US$ 109,7 bilhões (R$ 619,6 bilhões). Na quarta posição está a família Al Saud, donos e governantes da Arábia Saudita, cujas grandes reservas de petróleo geraram fortuna de US$ 95 bilhões (R$ 536,6 bilhões); e a Ambani, proveniente da Índia e donos do conglomerado Reliance, com US$ 81,3 bilhões (R$ 459,2 bilhões).

De acordo com a Buy Shares, empresa sediada na Nova Zelândia, a observação sobre os mais ricos do planeta aponta para as crescentes distorções que existem na economia global. “De acordo com alguns críticos, as desigualdades existem porque há regimes que permitem o domínio do mercado e uma baixa fiscalização sobre os capitais, principalmente, nos Estados Unidos”, indica comunicado da companhia.

As três pessoas mais ricas do mundo acumularam um total de US$ 231 bilhões na última década, segundo dados compilados pela Bloomberg. O presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, a quinta pessoa mais rica do mundo, registrou o maior aumento da fortuna no ano passado, com ganho líquido de cerca de US$ 6 bilhões. O CEO da Amazon.com, Jeff Bezos, ainda ostenta o primeiro lugar com patrimônio líquido de US$ 116 bilhões. O patrimônio total dos 20 maiores bilionários do mundo dobrou de US$ 672 bilhões para cerca de US$ 1,4 trilhão desde 2012, segundo a Bloomberg Wealth.

 

Os 10 homens mais ricos do mundo – Eles são identificados pela lista anual criada pela revista Forbes. Segundo a publicação, em 2021, o número de bilionários aumentou 86% em comparação com o ano passado. Ao todo, há no mundo 2.755 pessoas com mais de US $1 bilhão em patrimônio, o que representa 86% a mais do que no levantamento anterior.  Jeff Bezos, dono da Amazon, o único da lista com fortuna na casa das centenas de bilhões de dólares, segue na frente no ranking dos homens mais ricos do mundo.

O super empresário é seguido pelo Elon Musk, e pelo francês Bernard Arnault, que, junto da sua família, construiu patrimônio suficiente para tomar o posto que até o ano anterior era ocupado por Bill Gates, o fundador da Microsoft.  Os Estados Unidos lideram o ranking dos países com mais bilionários. Dentre os colocados, 724 são norte-americano, 698 são chineses e 16 são brasileiros. A lista, no entanto, tem espaço para todos os tipos de pessoas e o perfil de ricos tem mudado nos últimos dez anos.  A Forbes elabora o ranking com base no patrimônio líquido, isto é, considerando os ativos e as dívidas, em dólares. A soma de todas as fortunas chega a US $13,1 trilhões.

Confira agora a lista das pessoas mais ricos do mundo em 2021: Jeff Bezos (US $113 bilhões); Elon Musk (US $185 bilhões) ; Bernard Arnault (US $ 150 bilhões); Bill Gates (US $ 124 bilhões) ; Mark Zuckerberg (US$ 97 bilhões) ; Warren Buffett (US$ 96 bilhões); Larry Ellison (US $93 bilhões); Larry Page (US $91,5 bilhões) ; Sergey Brin (US $89 bilhões) e Mukesh Ambani  (US$ 84,5 bilhões).

 

Como reduzir as desigualdades?

Entre as formas de combater desigualdades sociais estão geração de empregos, investimento em serviços públicos, promoção de programas sociais e tributação progressiva de renda. No Brasil, programas de repasse direito de renda comprovam que a medida é capaz de diminuir o abismo entre ricos e pobres. Para enfrentar a concentração de renda, a principal estratégia adotada com sucesso em países desenvolvidos é a efetivação de um sistema tributário progressivo, modelo que escalona a arrecadação de impostos, taxando mais os contribuintes com maior renda e patrimônio. A medida permite dinamizar os recursos concentrados no topo da pirâmide econômica, aumentando consumo, emprego, renda e lucro nas demais camadas sociais.

Tal progressividade está prevista na Constituição brasileira, mas o que se vê hoje no país é o contrário: uma tributação regressiva que poupa os ricos e sobrecarrega os mais pobres. Mesmo ocupando o segundo lugar entre os países com maior concentração de renda, o Brasil não implementa as reformas necessárias para aplacar o quadro. Uma das alegações contra as mudanças é que o aumento de tributos sobre grupos privilegiados pode afastar grandes investidores para países com menores encargos, ocasionado a chamada fuga de capital. Mas raros são os países desenvolvidos que cobram tão poucos impostos dos multimilionários quanto o Brasil. Apenas paraísos fiscais proporcionam regalias semelhantes. Economistas referem-se ao sistema tributário brasileiro como “Robin Hood invertido” e “refúgio para os ricos”.

Quem tem menos, paga mais – Estudo publicado em 2020 pela Receita Federal mostra que a tributação brasileira é menor do que a média praticada pelos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2017, os encargos no país equivaleram a 32,3% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a média dos países da OCDE foi de 34,2%. O problema é que o Brasil enfatiza principalmente os impostos indiretos (sobre bens e serviços), que representam mais de 44,79% da carga tributária bruta total, em detrimento a impostos diretos (sobre renda e propriedade). Isso resulta num sistema regressivo em que famílias de menor renda financiam proporcionalmente uma fatia maior do Estado.

A pesquisa revela que, diferentemente do Brasil, nos países mais ricos a tributação progressiva incide principalmente sobre renda e patrimônio, e não sobre o consumo. Em 2017, enquanto a média da OCDE para encargos sobre renda, lucro e ganhos de capital foi de 11,4% do PIB, a taxa brasileira ficou em apenas 7%. Por outro lado, a média da tributação sobre bens e serviços na OCDE foi de 11,1% do PIB; já no Brasil o percentual foi de 14,3%. Os que mais arcam, proporcionalmente, com a arrecadação via consumo são os 10% mais pobres, com 87% de sua renda destinada a esse tipo de gasto – deve-se considerar que despesas como alimentação, moradia e transporte comprometem quase a totalidade de seus ganhos. Do outro lado, o 1% mais rico destina apenas 24% da renda para consumo, como aponta Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (POF/IBGE) de 2017-2018.

“O Brasil poderia ser descrito como um ‘refúgio’ para os ricos. As maiores alíquotas de impostos são muito baixas do ponto de vista internacional e histórico; e quase nulas para as maiores rendas. Isso reverte a progressividade do imposto, uma vez que os grupos de menor renda acabam pagando uma parcela maior de sua receita em comparação com os grupos de maior renda”, afirma o economista irlandês Marc Morgan Milá, integrante do World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais, em tradução livre). Uma das principais queixas de Morgan Milá à tributação brasileira é voltada ao Imposto de Renda (IR). Para ele, embora o tributo nacional isente a parcela mais pobre (quem recebe, atualmente, menos de R$ 1.904 mensais), o princípio da progressividade é quebrado ao taxar os mais ricos de forma insuficiente. A maior alíquota marginal do IR no Brasil é de 27,5% para rendas acima de R$ 55 mil por ano, aproximadamente menos de um terço do rendimento médio dos 10% mais ricos.

O teto da alíquota brasileira está abaixo da média dos países da OCDE, que gira em torno de 41%. Mesmo baixa em comparação aos países desenvolvidos, a cota dificilmente chega a ser paga pelos mais ricos, já que o sistema tributário promove uma série de isenções, a exemplo de gastos com saúde e educação privada. Além de o Estado fornecer educação e saúde pública, ele ainda subsidia serviços particulares usufruídos pela parcela da população com mais recursos. Também isenta impostos sobre lucros e dividendos e permite dedução dos juros sobre capital próprio, pagos a sócios e acionistas.

Morgan Milá destaca que a tributação brasileira de riquezas e de heranças é insuficiente, o que contribui para a perpetuação de privilégios e iniquidades. A transmissão de fortunas é taxada pela alíquota marginal máxima que fica em torno de 3% e 4% no Brasil, chegando a 8% em alguns estados. “Pouco, em comparação aos 25% no Chile, cerca de 35-40% nos países da Europa Ocidental, 40% nos Estados Unidos e 55% no Japão”, aponta o britânico. Além dos problemas com a regressividade do sistema tributário, o Brasil deixa de arrecadar mais de R$ 417 bilhões por ano devido à sonegação de impostos das empresas, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). O órgão estima o faturamento não declarado pelas empresas em cerca de R$ 2,33 trilhões por ano, em função de uma fiscalização ainda fraca, apesar de avanços.

 

Desigualdades socioespaciais – Levantamento de 2020 do Ipea revelou que 1,6 milhão de brasileiros vive longe de centros de saúde equipados. O fato é, por si só, grave. Coordenador da pesquisa, Rafael Pereira avalia que a distribuição espacial da população é uma face das desigualdades negligenciada no debate público. “Se por um lado os grupos mais vulneráveis são levados a morar em bairros pobres porque são mais baratos, por outro, o fato de morarem nesses bairros reforça a condição de pobreza e desigualdade que acabam vivendo, já que nestes locais há menor acesso a serviços de transporte, saúde, educação, oportunidade de emprego, além de pior infraestrutura urbana”, analisa Rafael Pereira, que é doutor em geografia de transportes pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e sociólogo pela UnB. O pesquisador alerta que falta planejamento urbano integrado. “Isso significa, em termos práticos, fazer com que a secretarias de educação, de saúde, de desenvolvimento urbano, e de transporte sentem à mesma mesa para discutir os planos”, resume. Para ele é possível combater as desigualdades socioespaciais expandindo a infraestrutura nos bairros pobres, que se beneficiariam com mais serviços essenciais e oferta trabalho. “É preciso levar os serviços públicos para essas regiões, construir escolas, hospitais, pensar para além de uma política de transporte para os grandes centros urbanos.”

 

 Transferência direta de renda – Aumentar a tributação sobre o 1% mais rico pode financiar a transferência de R$ 125 por mês para os 30% mais pobres. O repasse direto teria um impacto positivo de 2,4% no PIB, contribuindo para a recuperação da atividade econômica e reduzindo a desigualdade de renda. Essa foi a conclusão de recente estudo publicado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).

Desde 2004, o Brasil conta com um importante programa de transferência de renda, o Bolsa Família. Dados de 2019 do Ipea mostram que o Bolsa Família eliminou 15% da pobreza e 25% da extrema pobreza entre os beneficiados e reduziu em 10% a desigualdade de renda no país. Além disso, o programa exige que os filhos das famílias beneficiadas frequentem a escola, o que ajudou a diminuir a desigualdade de educação no Brasil. Durante a pandemia de covid-19, outro programa de transferência direta de renda, o auxílio emergencial, fez com que a desigualdade e a pobreza caíssem para patamar histórico em apenas seis meses. O efeito de curto prazo não eliminou os problemas estruturais, mas garantiu a sobrevivência de parte da população e aumentou a circulação do consumo na economia. Estudo deste ano do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) mostrou que o auxílio segurou uma iminente queda do PIB de 2020 em pelo menos 4%.

 

(Fontes G1, Forbes, BBC, Darcy, Unicamp, Politize, CNN, UOL, Reuters e Oxfam)