“É fato sabido que o Supremo Tribunal Federal, pelo comportamento pessoal de parte de seus membros, se transformou há tempos no principal causador da instabilidade jurídica no Brasil. É uma aberração. O STF é justamente o órgão que deveria garantir o principal atributo da aplicação da justiça numa sociedade civilizada — a previsibilidade das decisões judiciais, elemento indispensável para dar aos cidadãos a segurança de saber que os magistrados vão proceder sempre da mesma forma na aplicação das leis. Sem isso não há justiça de verdade; há apenas os caprichos, as neuroses e os interesses materiais de quem está com o martelinho de juiz na mão”. Essa afirmação é do jornalista J.R. Guzzo e ao contrário do que possa parecer não é recente; foi publicada em abril de 2019 pela revista Exame.

“Alexandre de Moraes soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei (…)Ele é hoje, ao mesmo tempo, condutor do Supremo Tribunal Federal, governador-geral do Brasil e único brasileiro que tem o poder de revogar, mudar ou escrever leis por conta própria, sem necessidade alguma de aprovação do Congresso Nacional (…) Mas o fato é que ele manda e todo mundo obedece, a começar pelo presidente da República — e se mandar mais vão obedecer mais”, escreveu mais recentemente o jornalista na revista Oeste. “ Alexandre Moraes, hoje, decide mais que o Congresso Nacional inteiro”, acrescenta.

Guzzo é um crítico ferrenho do STF há tempos e não está sozinho. Basta ir às redes sociais e constatar a imensidade de críticas aos juízes supremos, incluindo o infeliz ex-presidente Jair Bolsonaro. Como tudo está politizado no Brasil, claro que uma crítica ao Supremo é relacionada a movimentos de direita ou bolsonarismo, lamentavelmente, por falta de informações. Contudo, é preciso tocar neste assunto, sem medo, pois cada vez mais o STF vem criando um ambiente de instabilidade jurídica no qual chefões do PCC são beneficiados e corruptos são descondenados  (de quebra, ainda são homenageados por escola de samba apesar de 400 anos de condenação).

Numa pesquisa de 2018 da Confederação Nacional do Transporte (CNT) já mostrava que para 90% da população, a justiça brasileira é parcial, pouco confiável e ruim. Já uma pesquisa de março deste ano realizada pelo Instituto Ranking Brasil Inteligência, apontou que apenas 5,5% dos entrevistados veem credibilidade no Judiciário.

Não precisaria, mas é bom frisar que críticas, respeitando os limites da lei, podem e devem ser feitas num ambiente democrático; já agressões devem ser punidas seguindo o que já determina a legislação. Apenas em países com ditaduras como Venezuela, Uganda, Siria, Rússia, Ruanda, Nicaraguá, Irã, Ruanda, Cuba, Líbia e Coréia do Norte – só para citar alguns – quem critica governo ou judiciário são punidos.

Porém, o Brasil já deu o primeiro passo para entrar nesse ranking, com a aprovação de projeto de lei (ou aberração) que tipifica crimes de discriminação a pessoas politicamente expostas, como parlamentares, ministros de Estado e de tribunais superiores, governadores e outras autoridades. O PL 2.720/2023 foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 14 de junho e estava no Senado até o fechamento desta edição. O texto foi aprovado por 252 votos a favor e 163 contrários. Em números absolutos, os cinco partidos que mais votaram em favor da proposta foram PT (43 votos), PL (37), União Brasil (35), Republicanos (27) e MDB (24). Os cinco partidos com mais votos contra foram: PL (44), União Brasil (16), PP (13), PT (11) e PSD (11).

O presidente do Congresso, Arthur Lira, afirmou que se o projeto não fosse votado, a Câmara iria “continuar permitindo que parlamentares sejam agredidos em aviões, nos hotéis, nas festas”. A proposta, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e relatada pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA), fixa penas para crimes resultantes da “discriminação” contra pessoas em razão de sua condição de “politicamente exposta”, além de prever punições para discriminação de: pessoa que esteja respondendo a investigação preliminar, termo circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa e pessoa que figure na posição de parte ré de processo judicial da qual ainda caiba recursos.

Só para relembrar, o pai da deputada, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, foi condenado em 2017 por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Em 2020, Cunha recebeu uma segunda condenação no âmbito da operação Lava Jato, em primeira instância, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. “O preconceito, que se origina da prévia criação de conclusões negativas e intolerâncias injustificáveis quanto a certo conjunto de indivíduos, possui significativo potencial lesivo, na medida em que tem o condão de acarretar, em última análise, a violação de direitos humanos”, justificou absurdamente e convenientemente o relator.

 

Pessoas consideradas politicamente expostas

O texto define um rol extenso de pessoas consideradas politicamente expostas em virtude do cargo e do trabalho que desempenham. Entre outros, estão listados no projeto:

  • ministros de Estado;
  • presidentes, vices e diretores de autarquias da administração pública indireta;
  • indicados para cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), que são cargos comissionados, de nível 6 ou equivalente;
  • ministros do Supremo Tribunal Federal e de outros tribunais superiores;
  • o procurador-geral da República;
  • integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU);
  • presidentes e tesoureiros de partidos políticos;
  • governadores e vice-governadores;
  • prefeitos, vice-prefeitos e vereadores;

Para confirmar se uma pessoa se enquadra ou não nas hipóteses do projeto, o texto diz que deverá ser consultado o Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP), disponibilizado pelo portal da transparência (???) Segundo o texto, a condição de pessoa politicamente exposta perdurará por cinco anos, contados da data em que a pessoa deixou de figurar nos cargos.

O projeto também alcança familiares e “estreitos colaboradores”. Pelo texto, os familiares são “os parentes, na linha direta, até o segundo grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada”

São considerados colaboradores estreitos: pessoas conhecidas por terem sociedade ou propriedade conjunta ou que possuam qualquer outro tipo de estreita relação com uma pessoa exposta politicamente e pessoas que têm o controle de empresas ou estejam em arranjos sem personalidade jurídica, conhecidos por terem sido criados para o benefício de uma pessoa exposta politicamente.

 

 

Lei de discriminações contra políticos

De acordo com o projeto de lei, discriminações contra políticos podem ser classificadas em casos de:

  • Acusar políticos por condutas que viraram caso de Justiça, mas que ainda não transitaram em julgado;
  • Impedir o acesso a cargos de administração;
  • Impossibilitar a promoção dentro do trabalho ou outro benefício profissional por motivos de relação política;
  • Negar emprego em empresa privada por associação política;
  • Negar abertura de contas bancárias apenas porque alguém é político, autoridade ou a eles associados.

Como se vê, aqui a impunidade e a corrupção não dão trégua.

 

(Fontes Senado, Congresso em Foco, JC Online, G1, Revista Exame e Oeste – JR Guzzo)