A notícia da recolocação do quadro “Orixás” no Salão Nobre do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), foi recebida com alegria pelos moradores de Avaré, município a 267 quilômetros de São Paulo, onde a pintora Djanira da Motta e Silva (1914-1979) nasceu.

A pintura, que retrata três divindades africanas, havia sido removida da sede do Poder Executivo Federal durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022). O episódio foi considerado por muitos como um ataque às religiões afrodescendente.

A informação da recolocação foi divulgada pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, durante a posse da ministra da Cultura, Margareth Menezes.

Para Gesiel Júnior, que já escreveu quatro biografias e administra um memorial com itens pessoais de Djanira, o retorno da obra “Orixás” em lugar de destaque no prédio público representa a promoção da “tolerância religiosa”, pauta defendida pela artista .

“Djanira representa a força da arte brasileira, a tolerância religiosa e o nacionalismo. Ela é o retrato da mulher, que independente das dificuldades, foi à luta e conquistou lugar de destaque. Nós, que somos do interior, estamos muito contentes em sermos representados. O retorno da obra no Palácio é sinônimo de respeito e liberdade religiosa”, afirmou o biógrafo.

Medindo 3,61 metros de largura por 1,12 metro de altura, “Orixás” foi pintado por Djanira em 1966 e teria valor estimado atualmente entre R$ 1 milhão e R$ 4 milhões. O quadro retrata três orixás, sendo que ao lado das divindades há duas filhas de santo.

Segundo Gesiel, apesar da obra retratar a religião afrodescendente, Djanira era tão cristã que ingressou na Ordem das Carmelitas, a Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro. Inclusive, foi sepultada vestindo um hábito, em 31 de maio de 1979.

Figura importante do modernismo brasileiro, além de pintora, foi desenhista, cartazista e gravadora. Atualmente, as obras da artista estão espalhadas pelo mundo, sendo que a maior parte se concentra no Museu Nacional de Belas Artes.

Já em Avaré, um memorial foi criado com fotos, pinturas e materiais utilizados pela pintora. O espaço fica no Museu Municipal, localizado na Rua Minas Gerais, no centro da cidade.

Retirada

As circunstâncias em que “Orixás” foi retirada do Salão Nobre do Palácio do Planalto ainda não são totalmente conhecidas. No seu lugar, foi colocado outro trabalho de Djanira, “Pescadores”, que antes ficava no Gabinete Presidencial.

A remoção aconteceu em dezembro de 2019 e foi revelada pela revista Piauí em reportagem publicada em agosto do ano seguinte. Na época, a Secretaria-Geral da Presidência (SG) negou que o motivo da retirada tivesse sido religioso.

No fim de 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo afirmou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que é evangélica, havia mandado retirar obras de arte e imagens com simbologia católica do Palácio da Alvorada, onde o casal iria morar.

A previsão era que “Orixás”, por sua vez, “escondido” durante o governo militar de Ernesto Geisel (1974-1979), que era luterano, seria retirado e cedido ao Museu de Arte de São Paulo (MASP) para uma exposição, viajando pelo país posteriormente, o que não ocorreu.

Na época, Bolsonaro desmentiu a informação de que mexeria nas obras do Alvorada, mas nada mencionou sobre “Orixás”.

‘Absurda’

Em entrevista ao portal de notícias UOL em agosto de 2020, o arquiteto Rogério Carvalho descreveu como “absurda” a explicação sobre o rodízio e disse que um palácio de governo não é um “museu”.

Carvalho foi curador da Comissão de Curadoria para as obras de arte, a arte decorativa e o mobiliário do Palácio da Alvorada e do Palácio do Planalto em 2009, durante o segundo mandato de Lula e servidor por 13 anos no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Distrito Federal.

Foi dele e de sua equipe a decisão de exibir “Orixás” no Salão Nobre a partir de 2010, após ampla reforma do Palácio do Planalto, a mais completa desde sua inauguração, em 1960, entre 2009 e 2010, durante o segundo mandato do presidente Lula. Antes, a obra já estava exposta no local, mas no terceiro andar.

 

(Matéria reproduzida do G1)