Guerra na Ucrânia, pandemia, inflação, tensão, profissão, família, dinheiro, enfim, não faltam motivos para tensão infelizmente e muita gente, desconta na comida como diz o jargão. E este apelo é totalmente emocional. A comida, além de nos alimentar de fato, nos faz relembrar momentos – como o cheiro do frango da sua avó, do café ou algo específico – nos conectando com lembranças e também tem um efeito quase anestésico sobre a realidade para muitos. Por isso é tão importante saber como é exatamente nossa relação com ela.
A maneira como nos relacionamos com a comida diz muito sobre nossa própria vida, nossas crenças, tabus, hábitos, modos de viver, expectativas. Você diria que a comida é amiga ou inimiga? O relacionamento é ruim, tem compulsão, transtorno, distúrbio, vive de dietas, briga com a obesidade, perda de peso. Muitos veem a comida como outros relacionamentos; seja um atleta de elite ou uma mãe trabalhadora, uma chave importante para um relacionamento saudável com a comida é descobrir exatamente o tipo de relacionamento você tem com ela.
Este relacionamento acaba sendo semelhante aos paradoxos de amor e ódio encontrados em algumas relações pessoais complexas. E, assim como alguém só percebe que está pronto para mudar um relacionamento pessoal prejudicial ou abusivo quando ele tem um propósito mais profundo para mudar, nossa mudança em relação ao relacionamento que temos com a comida se dá da mesma forma.
A influência dos alimentos nas emoções e nos comportamentos (e vice e versa) tem sido alvo de pesquisas crescentes em todo o mundo, com valiosa contribuição para o desenvolvimento de produtos pelas indústrias alimentícias. O sabor tem uma influência poderosa nas emoções. Afinal, quem consegue esquecer o sabor do doce preferido do seu tempo de criança? Ou, então, das receitas irresistíveis preparadas por sua avó para o almoço de domingo? São sabores que acionam automaticamente a memória afetiva e revelam a complexidade dos sentidos envolvidos no ato da alimentação.
A interligação entre os sabores e as emoções pode encontrar explicação na ciência. Segundo o neurologista e psiquiatra Giuseppe Ierace, ex-professor da Universidade de Messina, na Itália, existe uma conexão direta entre o centro das emoções no cérebro e o córtex gustatório e olfatório, regiões onde os sabores e odores são processados. Assim como o sabor tem o poder de despertar emoções, o alimento também possui uma forte conexão com o humor, uma vez que ambos refletem estados emocionais.
Conexão – Muitas vezes, sem nem ao menos perceber, o que escolhemos para comer em determinadas situações pode representar muito das nossas emoções. Historicamente, as pessoas se alimentam pelas mais diversas razões, que não apenas necessidades biológicas. Por ser um sinônimo de prazer e diversas outras sensações, comer guarda uma profunda relação com a forma de se expressar. E, a partir dessa relação, o alimentar-se não se restringe apenas a necessidades energéticas e nutricionais, mas abrange ainda as necessidades afetivas que utilizam a comida como fonte de compensação.
Quando comemos, isso nos gera prazer. E o cérebro faz o registro desta sensação. Por isso, ele irá ansiar e buscar por outras experiências como esta. No caso, este registro de experiências prazerosas com a comida é um dos mais identificados fatores emocionais que nos levam a ter relações fortes e duradouras com a comida.
Todo alimento tem um impacto no nosso corpo. Algumas comidas têm um forte efeito benéfico em nosso cérebro. As refeições diárias têm uma relação direta com a nossa saúde mental e desenvolvimento cognitivo. Os alimentos inclusive podem melhorar nossas capacidades cerebrais e corporais. A parte do corpo humano que controla essa sensação de necessidade de comer é o hipotálamo, localizada no cérebro. Quando não sabemos lidar com as nossas emoções e descontamos nossos sentimentos na comida, ocorre o excesso de estímulo do hipotálamo.
E mais: quando nosso estômago está vazio, produz um hormônio chamado grelina, o “hormônio da fome”, que interage com um neurotransmissor no cérebro chamado NPY, que então é ativado para que você saiba que tem que comer. Quando o estômago está cheio, produz outra substância, chamada leptina.
Este imenso universo de conexões, percepções e sentimentos ainda é pouco explorado, mas na última década, principalmente, o estudo das emoções e do humor associadas aos alimentos vem ganhando força no campo da ciência sensorial. As pesquisas têm procurado entender e desvendar, com maior profundidade, a influência das emoções evocadas pelos alimentos como motivadoras para a escolha de alimentos.
Mood food – Quem nunca buscou o conforto do chocolate, o estímulo do café ou o poder relaxante de um chá de camomila? Estes comportamentos sintonizam-se com o conceito mood food ou alimentos de humor, que vem ganhando destaque entre os consumidores em busca de compensações na alimentação para um estilo de vida agitado.
Mas por que um alimento pode provocar uma reação tão significativa no estado de humor de uma pessoa? A explicação vem da ciência: ao ingerir um alimento, os nutrientes nele contidos atuam na produção e liberação de neurotransmissores, substâncias que levam impulsos nervosos ao cérebro, órgão considerado responsável pelo estado de humor.
Segundo a nutricionista Juliana Schmitt os três principais neurotransmissores relacionados ao humor são a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. A serotonina — responsável pela sensação de bem-estar — age como sedativo e calmante. A dopamina e a noradrenalina dão mais energia e disposição, ajudam a aumentar o foco. Estes neurotransmissores são elaborados a partir de determinados ingredientes que atuam no bom humor, como o aminoácido triptofano, carboidratos, ácido fólico, potássio, vitamina C, cálcio, vitaminas do complexo B, magnésio, selênio e os ácidos graxos.
Algumas comidas trazem benefícios para nossa vida que jamais imaginaríamos. Veja alguns exemplos:
- Melancia, abacate, limão, mamão e mexerica: possuem o precursor da serotonina, o triptofano, que regula o humor.
- Iogurte: é uma fonte de cálcio, que ajuda a diminuir a irritabilidade.
- Maçã e laranja: as duas frutas são ricas em ácido fólico, sendo importante para controle da depressão. Além disso, a laranja é fonte de vitamina C, responsável por melhorar o funcionamento do sistema nervoso, diminuindo a fadiga e o estresse.
- Banana e abacate: têm carboidrato, magnésio, potássio e vitamina B6, que produzem energia e diminuem a ansiedade.
- Ovo: é fonte de tiamina e a niacina (do complexo B), responsáveis por aumentar o bom humor.
- Castanha-do-Pará, nozes e amêndoas: são fontes de selênio, um antioxidante, que colabora na redução dos sintomas da depressão.
- Aveia: é um alimento fibroso, que combate a ansiedade e depressão.
Alimentos e personalidade
A título de curiosidade, vale registrar que alguns fatores emocionais nos levam a ter relações fortes e duradouras com a comida:
Comida apimentada – Buscar por alimentos apimentados, reflete o desejo de intensidade e emoção. É comum em pessoas que buscam aventuras, se interessam pelo novo.
Doces – Quem nunca recorreu a um doce como forma de compensação? Pois é. Quem consome muito esses itens, costuma buscar neles uma alegria ou energia. Alimentos doces provocam uma sensação de euforia momentânea.
Salgados – Você é do tipo que sempre precisa acrescentar um pouco mais de sal para sentir que o prato está saboroso? Esse hábito está ligado a pessoas agitadas e ansiosas. Isso porque, o sal ativa a circulação da água no corpo.
Alimentos crocantes – Alimentos crocantes tem muito mais a ver com o som que esses itens produzem durante a mastigação, do que pelo sabor. Sentir a textura desses produtos é uma forma de expressar emoções e, até mesmo, chamar a atenção de alguém.
Carboidratos – Alimentos macios, como massas, pão e arroz, conferem uma sensação de suavidade e conforto. Por isso, são buscados por pessoas que desejam algum tipo de consolo, proteção ou carinho. É como se esses produtos “abraçassem” a pessoa.
Alimentos afrodisíacos, o que podem nos proporcionar?
Os alimentos afrodisíacos, como chocolate, pimenta ou canela, possuem nutrientes com propriedades estimulantes e que, por isso, aumentam a produção de hormônios sexuais e melhoram a libido. Além disso, este tipo de alimento também pode trazer a sensação de bem-estar, fazendo com que o apetite sexual seja estimulado tanto em homens como em mulheres.
Alimentos afrodisíacos podem ser ingeridos individualmente ou adicionados nas refeições habituais, pois passam facilmente despercebidos, além de acrescentar também sabor e valor nutritivo às refeições. Por fim, a ciência defende que os alimentos podem nos trazer uma série de sensações, conectando momentos, sentimentos e culturas. Por esse motivo a alimentação está totalmente ligada a compartilhar momentos, comemorar, relaxar, criar conexões e relacionamentos.
Fome emocional
Uma barra de chocolate, um pedaço de pizza, um hambúrguer, uma taça de sorvete. Para muitas pessoas, situações de estresse e ansiedade transformam, em um passe de mágica, comidas altamente calóricas em necessidade básica de sobrevivência. Os mecanismos por trás desse movimento ainda não foram completamente compreendidos pela ciência. Mas já se sabe que, do desejo à primeira mordida, há uma cascata de reações químicas, lembranças da infância e um apreço cultural pelo que está no prato – mais do que saciar a fome, ela serve também como carinho.
Na área médica, há um termo específico para o hábito: “comer emocional” ou “fome emocional”, quando recorremos a alimentos, em geral altamente calóricos (com muito açúcar, sal e carboidrato), para suplantar frustrações e cansaço – que é diferente de compulsão alimentar.
O termo comfort food tem sido usado como definição (comida de conforto) para aquela refeição que, normalmente, é consumida apenas em ocasiões especiais, mas que acaba sendo desfrutada quando há algo de errado na rotina. Normalmente, o prato é caseiro ou relembra memórias da infância com a família ou amigos. Não à toa, comerciais na televisão se esforçam em vender produtos artificiais com “o gostinho da vovó”, com cenas de uma família feliz na cozinha.
Profissionais da saúde afirmam que está tudo bem em desfrutar de um chocolate, uma pizza ou uma taça de vinho com prazer. Em idosos, muitas vezes esse tipo de comida é oferecido justamente para casos em que o paciente não se alimenta o bastante, sobretudo em vítimas de depressão. Pesquisa com 277 voluntários nos EUA e no Canadá mostrou que, entre as mulheres, os catalisadores eram solidão, tristeza e culpa. Os homens reagiam ao desgaste após um dia produtivo de trabalho, mas estressante.
Mas é preciso prestar atenção se o hábito vira uma rotina e, todos os dias ao chegar em casa, você recorre a isso para lidar com tristeza, raiva, tédio ou solidão. A longo prazo, pode-se entrar em um ciclo vicioso e sempre buscá-la em situações complicadas. Surgem, por consequência, os riscos de uma dieta desregrada decorrentes do sobrepeso: diabetes, doenças no coração e acidente vascular cerebral (AVC).
Acesso ao passado – Quando nascemos, a angústia inicial é a fome. Essa sensação passa com a amamentação, que também acolhe e tranquiliza. Mas essa memória fica armazenada e é resgatada em outras etapas da vida. Mesmo sendo demanda emocional, e não alimentar, o sujeito busca a comida como remédio.
A comida se torna refúgio, em primeiro lugar, porque damos a ela significados relacionados a prazer e alegria. Comer é, em suma, um ato cultural. Para muitas pessoas, refeições estão associadas a experiências positivas – frequentemente, comemoramos boas notícias com pessoas queridas ao redor da mesa. Essa ligação é fortalecida se, ao longo da vida, criamos memórias agradáveis com a família na cozinha ou no bar. A consequência é a tendência a recorrer à comida para acessar os mesmos sentimentos do passado.
As comidas gordurosas também podem servir como consolo – o estresse daria carta branca para recorrer a um “pecado” cometido apenas em ocasiões especiais. Aqui, o alimento preenche um vazio – em outras palavras, a felicidade de comer substitui a infelicidade. “O indivíduo desconta na comida porque não tem um espaço interno emocional para absorver uma experiência difícil. Precisa descarregá-la em ato, e come. Uma pessoa saudável, por ter desenvolvido relações positivas, acolhe dentro de si as emoções, sejam positivas ou negativas”, analisa o psicanalista César Brito, membro da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA) e professor na psiquiatria da PUCRS.
Turbilhão hormonal e neuronal –Há também uma reação química desencadeada por situações de estresse que culmina na vontade de comer comidas gordas. O processo ainda não é bem compreendido pela medicina, mas há algumas teorias. Uma delas é de que a pressão no trabalho, a discussão com o parceiro ou o problema do filho na escola são situações desconfortáveis que, no cérebro, são interpretadas como ameaça. Sobem os níveis de cortisol, um hormônio útil em situações de fuga ou de luta por aumentar os batimentos cardíacos, para o oxigênio chegar mais rápido aos músculos. Só que outra consequência é tornar o corpo resistente à insulina, um hormônio que funciona como “porteiro” ao regular a entrada de glicose (alimento) para dentro das células. Uma vez que as células estão resistentes à insulina, o corpo fabrica mais desse hormônio para compensar. E, quando há muita insulina no sangue, há fome.
“Há o estresse que você pode resolver. Daí crescem os níveis de noradrenalina e cortisol, meu foco aumenta e como mais porque minhas necessidades calóricas subiram. Mas, se preciso aguardar outra pessoa fazer algo, entram a fome emocional e neurotransmissores como dopamina e serotonina. A pessoa usa a comida como forma de se defender contra uma pressão externa”, diz o endócrinologista Rogério Friedman. O estresse também ativa áreas do cérebro relacionadas à recompensa por comer, mostrou um estudo da Universidade de Deakin, na Austrália. Bruno Halpern, médico da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), acrescenta: pessoas que descontam emoções na cozinha, ao verem comida, ativam no cérebro o sistema límbico, ligado às emoções, e o hipotálamo, relacionado a funções básicas como fome e sede.
“O indivíduo vê a o alimento e tem uma vontade muito grande de comer. Pessoas obesas demoram mais para desativar essas áreas, então precisam comer mais para atingir prazer. Mas é difícil dizer especificamente qual neurotransmissor é ativado porque não é possível abrir a cabeça da pessoa e medir a quantidade presente”, afirma.
Há estudos relatando que a dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de recompensa, costuma ser liberada quando ingerimos comidas com altos teores de açúcar, sal e gordura. Esse efeito seria ainda mais acentuado se, por experiências passadas, você registrou no cérebro que, quando come chocolate, fica feliz. Há até estudos apontando que, em algumas pessoas, o cérebro libera dopamina só de pensar em tranqueiras.