Dois antigos prédios considerados patrimônios históricos, que já abrigaram fóruns judiciais, continuam a ser negligenciados pelo Governo e ‘jazem’ em pleno centro de Avaré; um deles, localizado na rua Pará, está virando um matagal tendo suas instalações degradadas pelo tempo e pelo descaso – o que tem causado preocupação entre os moradores das proximidades.
Construído em 1969, o edifício foi gradualmente desocupado após a inauguração do novo Fórum, em 2014. Desde então, seu destino permanece incerto, e as condições do local pioraram significativamente. Até 2023, o prédio ainda abrigava atividades como a Central de Penas, mas, com a transferência desse serviço para a Casa do Cidadão, o imóvel perdeu sua função.
Leiloado sem sucesso, o prédio não pertence mais ao Poder Judiciário, mas sim à Fazenda do Estado de São Paulo e hoje se transformou num criadouro de animais peçonhentos e venenosos.
Em sua primeira coletiva de imprensa, o prefeito Roberto Araújo disse ao in Foco que está fazendo tratativas com a iniciativa privada para tentar salvar o prédio, que poderia abrigar um complexo cultural, por exemplo. A matéria será encaminhada ao Ministério Público, que possui promotoria de patrimônio histórico.
Em setembro do ano passado, na coluna “HISTÓRIA COM PAI E FILHO”, o pesquisador Gesiel Junior e o filho Gesiel Neto já haviam abordado o assunto. Veja a matéria completa abaixo:
Avaré e seus dois antigos fóruns: negligenciados, injustiçados…
Duas impressionantes construções projetadas por dois nomes célebres da arquitetura internacional estão com marcas de abandono em Avaré. Em fases distintas e sucessivas, por mais de 120 anos, ambos os prédios sediaram o Poder Judiciário.
Enquanto o pesquisador Gesiel Júnior narra a saga do mais antigo prédio público que foi fórum e cadeia, delegacia de ensino e museu, e hoje está ruindo por ter sido completamente abandonado pelo governo estadual, o historiador Gesiel Neto descreve arquitetonicamente a obra bruta instalada numa praça, onde o Juízo de Direito funcionou por 45 anos, mas hoje, infelizmente, também vem sendo desprezado pelo Estado, seu proprietário.
O sonho é recuperar as duas construções e adaptá-las para fins culturais.
A quem reclamar dessa injustiça histórica? Ao governador ou ao desembargador? Quem, afinal, se importa com essa causa?
O edifício brutalista de Paulo Mendes da Rocha
Gesiel Neto
Iniciou-se, em 1962, a construção do segundo fórum de Avaré, edifício erguido na Praça Dr. Paulo Gomes de Oliveira, bem perto da Penitenciária I. A obra, necessária, foi feita porque a antiga sede da Comarca não atendia mais a demanda da região.
Do arquiteto Paulo Mendes da Rocha veio o projeto premiado com linhas do brutalismo, um dos mais belos do gênero. Imponente e de grande porte, esse prédio brutalista tem desenhos arrojados, caracterizados por ângulos, módulos e formas geométricas executadas com uso de “béton brut” (concreto bruto).
O projeto para a segunda casa da justiça de Avaré apresentava estruturas suspensas com recortes inusitados, muitas vigas, fachada tomada pelo concreto e algumas aberturas cobertas por vidros. As obras, entretanto, demoraram mais do que o previsto. Tanto que a prefeitura apelou para evitar vandalismo no local e só assim o governo estadual inaugurou o prédio em setembro de 1969, com o nome de Dr. Phidias Monteiro de Barros, homenagem ao antigo magistrado.
A obra toda ocupou uma praça onde antes havia um bosque em frente da velha Estação Ferroviária. Como se vê nas imagens do projeto, os cartórios e os cômodos especiais no superior (sala secreta, réu e secretário, cartórios, contador, sala da promotoria, do juiz, testemunhas e advogados) abriam-se para duas galerias elevadas com ruas internas. O espaço assim organizado criou um clima interior bastante adequado, com luz natural controlada e uma atmosfera acolhedora.
Com efeito, Mendes da Rocha utilizou o térreo única e exclusivamente para o tribunal do júri, sendo o restante da área coberto pelo extenso programa do andar superior, ou seja, uma grande laje para proteger e abrigar as pessoas do sol e do calor na espera de audiências, julgamentos e outros compromissos.
A expressão plástica desse projeto desponta na estrutura em concreto que organiza o seu conjunto formal de maneira equilibrada e racional. Infelizmente, ao longo dos anos o imóvel sofreu indevidas intervenções que feriram o seu tom solene, inusitado e majestoso, até o mesmo deixar de sediar a Comarca, em junho de 2014, ficando relegado ao abandono nesta última década.
Sobre o projetista – Capixaba de Vitória (ES), onde nasceu em 25 de outubro de 1928, Paulo Archias Mendes da Rocha formou-se em São Paulo em 1954 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É autor de diversos projetos importantes, públicos e privados, no Brasil e no exterior. Ganhou o Leão de Ouro na Bienal de Veneza 2016, cujo júri viu como principal mérito de sua arquitetura o fato e a mesma ser atemporal. Morreu em 23 de maio de 2021, deixando um legado inestimável para a arquitetura paulista, brasileira e mundial.
O castelinho neogótico de Victor Dubugras
Gesiel Júnior
Com aparência de um pequeno castelo medieval, o mais antigo prédio público de Avaré mantém o ecletismo da concepção inovadora do seu projetista, o arquiteto francês Victor Dubugras. Construção iniciada em 1893, o imóvel apresenta elementos arquitetônicos em que predominam traços neogóticos na estrutura vertical de suas paredes externas, as quais dão sustentação ao seu equilíbrio dinâmico.
Erguida pelos construtores italianos Germano Mariutti e Napoleão D’Avoglio, a edificação foi usada como cadeia, no primeiro pavimento até 1955, e fórum, no pavimento superior, até 1969. Nela predominam características neogóticas e nela foram empregados diversos materiais importados, como era costume na época. Na festa inaugural, em 1896, os seus pedreiros embriagaram-se e foram os primeiros encarcerados, conforme relatou o memorialista Jango Pires.
Depois, o imóvel serviu de sede da Delegacia de Ensino até 1994. Entre 2005 e 2015 o Museu Municipal nele funcionou. Hoje, completamente abandonado, o irônico é que foi o primeiro a ser, em Avaré, tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), em 1980.
Há muito tempo o prédio carece de investimentos para sua conservação por meio de obras especializadas de restauro em razão do desgaste causado pela ação do tempo. Das suas paredes trincadas pela infiltração de águas pluviais saem longos braços que suportam os quebra-luzes. Já o teto – que é de um trabalho artístico, simples, todo de madeira – corre risco de desabamento. E as janelas e o sótão ainda fixam a majestade desse valioso patrimônio histórico, que está a deteriorar-se.
Como esse imóvel é do patrimônio paulista, compete ao Ministério Público acionar e exigir do proprietário, o governo do Estado, medidas urgentes no sentido de firmar parcerias para o necessário restauro, a fim de que esse valioso edifício público possa ser novamente utilizado como bem cultural.
Houve, nos últimos anos, malogradas tentativas de restaurá-lo. Porém, se nada logo for feito, a Estância Turística de Avaré perderá vergonhosamente uma peça única de sua arquitetura primordial.
Sobre o projetista – Francês, nascido em Sarthe, em 1868, foi criado na Argentina, onde iniciou seus estudos no escritório de Francesco Tamburini, renomado arquiteto italiano. Mudou-se de Buenos Aires para São Paulo em 1891, tendo trabalhado na equipe de Ramos de Azevedo. Convidado, passou a lecionar arquitetura na Escola Politécnica de São Paulo. É hoje considerado por muitos um dos precursores da arquitetura moderna na América Latina, onde executou obras transitando pelos gêneros ecletismo, art nouveau, neocolonial e modernismo. Faleceu em Teresópolis, em 1933.
*Fotos enviadas por leitores