Para se tornar uma escritora, a faxineira Adriana Gomes literalmente tirou “o sonho da gaveta”. A moradora de Piratininga, no interior de SP, havia escrito há mais de 20 anos a história da personagem Aghata em um caderno, que ficou guardado todos esses anos até se transformar em um livro, publicado no final do ano passado.

Quando escreveu a história do livro, Adriana, que trabalha como faxineira há 25 anos, não tinha concluído nem o ensino fundamental, mas isso não a impediu de ser uma leitora assídua. Foi através da leitura que ela teve inspiração para escrever sua própria história.

“A Agatha foi escrita em um caderno e guardada. Em meio à pandemia, uma das minhas patroas se tornou autora e isso fez com que os meus olhos brilhassem e veio a vontade de publicar esse livro. No ano passado, fui apresentada a uma revisora e foi um divisor de águas para mim, porque ela caminhou comigo todo o processo”, conta.

A faxineira conta ainda que quando escreveu a história estava em um momento muito complicado da vida e que a intenção não era publicar.

“A princípio foi uma história escrita para mim, sem o intuito ou a pretensão de publicá-lo. Eu simplesmente escrevi. Eu estava em um momento da minha vida que eu estava me separando e com quatro filhos pequenos. A escrita, quando a gente está escrevendo, a gente se desconecta um pouco da realidade. E eu acho que foi isso. Eu escrevia para me desligar um pouco do que estava vivendo no momento. Eu simplesmente peguei um caderno, uma caneta e comecei a escrever”, lembra.

Para transformar o livro em uma realidade, Adriana se dividiu entre a rotina das faxinas, de segunda a quinta-feira, o trabalho em salão de beleza aos fins de semana e os cuidados com o caçula dos seus cinco filhos.

“Tenho cinco filhos, sendo quatro adultos e um pequeno com 7 anos agora, não foi fácil publicar esse livro com uma criança pequena e todas essas outras atividades, mas graças a Deus consegui fazer e está aí lançado e publicado.”

“Por isso que eu falo para as pessoas que tem sonhos guardados no fundo de uma gaveta, que “desengavete”. Eu tirei meu sonho da gaveta. Se Deus nos deu a capacidade de sonhar, é porque somos capazes de realizar os nossos sonhos. Basta que a gente não desista deles. A Aghata tá aí para provar que isso é verdade.”

Foi preciso superar vários obstáculos e, nesse sentido, a autora afirma que a personagem tem um pouco dela, além da história se passar em Piratininga, com referência a locais que fazem parte da infância e adolescência de Adriana.

“Esse livro fala também de superação. A Agatha, ela se supera muito dentro da história, porque ela sofre muitas decepções, ela comete um erro que deixa ela mal, isolada do mundo. O livro mostra como é importante você ter pessoas ao seu redor, pessoas que te ajudam, pessoas que não te deixam sozinha, quando você está em um momento triste da sua vida, mostra como que uma pessoa que se sente culpada age se isolando de tudo, de todos, e o quanto isso pode ser prejudicial para ela.”

Adriana concluiu o ensino médio em fevereiro do ano passado e atualmente está fazendo graduação em estética e cosmetologia, porém, a sua maior renda vem das faxinas. Foi com esse dinheiro que conseguiu transformar a história do caderno em um livro.

“Hoje, a minha maior renda vem das minhas faxinas. Eu sustento a minha casa com o dinheiro das minhas faxinas. Inclusive, para lançar o primeiro livro, para publicar o primeiro livro, foi com o dinheiro da faxina que eu fiz. Já recuperei o investimento, mas foi necessário investir”.

O livro “Aghata – a origem” foi lançado em novembro de 2023 em formato físico, porque era um sonho de Adriana. Inicialmente ele seria um e-book, mas a própria autora investiu na pré-venda da obra para conseguir lançá-la em formato físico também.

“Eu sou uma leitora de livros físicos, eu leio e-book, mas não é o meu jeito favorito de ler. Eu gosto muito de pegar o caderno, de pegar o papel na mão. Eu gosto do contato com o livro físico. Eu fiquei uns dois meses trabalhando na pré-venda. Durante essa pré-venda, eu vendi 100 exemplares e mandei imprimir 150 cópias. Foram todas vendidas e com o lucro dos 50 exemplares a mais eu estou investindo no segundo livro.”

Adriana fez um lançamento do livro com direito a noite de autógrafos em um clube da cidade no dia 24 de novembro de 2023.

 

Futuro profissional

Aos 47 anos, Adriana está na produção do segundo livro sobre a trajetória da Aghata e também foi convidada para escrever, com outro autor, uma terceira história com a presença da sua personagem principal. Além disso, a faxineira está investindo em curso com o objetivo de tornar a escrita uma profissão.

“É muito gostoso escrever. Tenho me dedicado, comecei um curso para escrever melhor, para fazer melhor uso de verbos, advérbios, pronomes, porque eu não tenho muito conhecimento disso. Terminei o meu ensino médio no ano passado. Falo razoavelmente bem e escrevo bem por conta da leitura. Ler aumenta o nosso vocabulário, aumenta o nosso conhecimento. O meu intuito é me capacitar mais para me tornar uma escritora melhor e quem sabe viver disso”, afirma.

 

 

Dia Mundial do Livro

A história da faxineira é um exemplo de como a leitura pode mudar vidas e nesta terça-feira (23) é comemorado o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor.

A data foi escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como incentivo à leitura e celebrar o livro, além de promover uma reflexão sobre os direitos legais dos autores.

A escolha pelo dia 23 de abril é um tributo aos escritores Miguel de Cervantes, Inca Garcilaso de la Vega e William Shakespeare, que morreram em 23 de abril de 1616. Uma data importante para colocar em prática o conselho da Adriana.

 

(matéria veiculada pelo G1 Bauru)