Enquanto o Brasil segue polarizado e políticos estão mais preocupados em manter seus privilégios, o país enfrenta outra pandemia: a da miséria e contra essa não há vacinação. Embora essa ‘pandemia’ já exista e tenha sido agravada pela pandemia em si, a situação de 14,5 milhões de famílias brasileiras vivendo em extrema pobreza é recorde – assim como as mortes por coronavírus. Antes da pandemia, em fevereiro de 2020, havia 1 milhão a menos: 13,4 milhões.

Esse número representa 40 milhões de brasileiros vivendo com até R$ 89 por mês – o pior patamar já vivido no país e algo inimaginável. Segundo o Governo Federal, é considerada família vivendo em extrema pobreza aquela com renda per capita de até R$ 89 mensais. No geral, são pessoas que vivem nas ruas ou em barracos de favelas. Além desse expressivo grupo, 2,8 milhões de famílias vivem em pobreza, com renda entre R$ 90 e 178 per capita mensais.

Para o professor de economia popular da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Cícero Péricles de Carvalho, o aumento do número de famílias na extrema pobreza pode ser explicado pela recessão e baixo crescimento da economia, além dos limites das políticas sociais do governo. “A situação atual do mercado de trabalho explica parte desse crescimento: são 14 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados (trabalhadores que desistiram de procurar emprego) e mais 7 milhões de subocupados, num total de 27 milhões de brasileiros sem renda ou com renda parcial do trabalho”, comenta Péricles de Carvalho.

Segundo professor, o aumento da extrema pobreza também amplia a desigualdade social do Brasil. “Temos ainda mais 2,8 milhões de famílias pobres, ou seja, mais 8,5 milhões de brasileiros com uma renda entre R$ 89 e R$ 178. Parece algo incompreensível, no sentido econômico, para um país que é a oitava economia mundial”, diz. “Espera-se que, na economia da pós-pandemia, ocorra um período de crescimento das atividades que sejam grandes empregadoras, como a construção civil, agricultura familiar, comércio, serviços e indústrias intensivas de mão de obra. E espera-se também o crescimento dos negócios das micro e pequenas empresas, geradores da maioria dos empregos no Brasil, e não apenas os microempreendedores, na sua ampla maioria trabalhadores penalizados pelo desemprego”, avalia.

Em meio à pandemia que já matou mais de 550 mil brasileiros, o aumento da pobreza é agravado pelo desemprego recorde e pela inflação que não dá trégua e encolhe o poder de compra da população do Brasil — que, para piorar, está de volta ao mapa da fome. No ano passado, o auxílio emergencial de R$ 600 por mês aos mais vulneráveis e de R$ 1,2 mil para as famílias chefiadas por mulheres acabou mascarando essa realidade e reduzindo, temporariamente, o número de pobres no país — que já voltou a crescer neste ano.

Estudo publicado em abril pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP), denominado “Gênero e raça em evidência durante a pandemia no Brasil: o impacto do auxílio emergencial na pobreza e na extrema pobreza”, estima aumento de 9 milhões de pessoas em situação de pobreza e insegurança alimentar um ano após o início da pandemia.

A pesquisa mostra que, em 2020, a taxa de brasileiros na pobreza caiu de 25%, antes da pandemia, para 20% com o auxílio emergencial de R$ 600. Sem o benefício, em 2021, a taxa de pobreza teria chegado a mais de 30%. Uma das autoras do estudo do Made/USP, a economista Luísa Cardoso Guedes de Souza, doutora em demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta para o aumento da pobreza entre mulheres e negros. “Calculamos que, em 2019, antes da pandemia, a taxa de extrema pobreza no país era de 6,6%, o que representa 13,9 milhões de pessoas. Já a taxa de pobreza era de 24,8%, afetando 51,9 milhões de brasileiros. Considerando o valor médio de R$ 250 estabelecido para o auxílio emergencial em 2021, vemos que a taxa de extrema pobreza esse ano deverá ser de 9,1% (19,3 milhões de pessoas) e a de pobreza de 28,9% (61,1 milhões de pessoas). Assim, após um ano de pandemia, teremos um acréscimo de aproximadamente 9 milhões de brasileiros em situação de pobreza e insegurança alimentar”, afirma.

De acordo com a demógrafa, os beneficiários do auxílio emergencial são as pessoas de baixa renda, em maior situação de vulnerabilidade. “Apesar do aumento do PIB no primeiro trimestre de 2021, o consumo das famílias não acompanhou esse crescimento. A escalada recente da inflação e, especialmente, o aumento os preços dos alimentos impactam, sobretudo, as famílias mais pobres”, destaca. Segundo ela, os resultados mostram que “o auxílio emergencial de 2021 é insuficiente para conter a perda de renda da população” em função da pandemia. “Considerando que não sabemos se o auxílio será estendido por um período maior de tempo nem como será o ritmo da vacinação até o final do ano, é muito provável que a pobreza não seja mitigada em 2021”, acrescenta.

O desemprego recorde também é outro desafio do Brasil pós-pandemia. Diante da perspectiva de gradual volta à normalidade, espera-se que a taxa de desemprego – que se manteve no trimestre encerrado em abril no nível recorde de 14,7% – possa voltar a cair, e parte dos 14,8 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados (pessoas que desistiram de procurar emprego) consigam se recolocar no mercado de trabalho.

No entanto, mesmo quando a crise passar e a economia voltar à normalidade, o Brasil não deve registrar uma taxa de desemprego inferior a cerca de 10%, avaliam analistas, o que significa que aproximadamente 10 milhões de pessoas seguirão desocupadas. Isso porque essa seria a chamada taxa de desemprego de equilíbrio do país, pelas contas dos economistas.

Nosso desemprego “natural” é mais alto do que o de países desenvolvidos, em grande medida devido ao baixo nível de formação da mão de obra, alto índice de rotatividade e informalidade, e elevado custo de contratação dos trabalhadores, dizem os especialistas.

E enquanto não se sabe o futuro do Bolsa Família, Renda Cidadã ou Auxílio Emergencial (cujos valores são miseráveis), os brasileiros terão que pagar até 4 bilhões de fundão para financiar campanhas de políticos (eram 2 bilhões, passou pra 8, pode cair para 4, mas deveria cair para 800 milhões – embora essa conta não seja nossa!).

 

Valor do Bolsa Família em 2021

Os valores do Bolsa Família variam de acordo com o perfil do beneficiário, confira:

Benefício Básico: Famílias em situação de extrema pobreza – R$ 89,00 mensais

Benefício Variável: Famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza que tenham em sua composição gestantes, nutrizes (mães que amamentam), crianças e adolescentes de 0 a 15 anos – R$ 41,00 e cada família pode acumular até 5 benefícios por mês, chegando a R$ 205,00

Benefício Variável Jovem: Famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição adolescentes entre 16 e 17 anos – R$ 48,00 por mês e cada família pode acumular até dois benefícios, ou seja, R$ 96,00

Benefício para Superação da Extrema Pobreza: famílias em situação de extrema pobreza. Cada família pode receber um benefício por mês – o valor é calculado a partir da renda da família.

(Fontes Caixa, Uol e Reuters)