Dá até medo de fazer a matéria e vir um novo aumento. Só este ano foram 11 consecutivos até o final de outubro – período de fechamento da edição 243. Estamos falando de um pesadelo chamado combustíveis , ou gasolina para ser mais específica, que acumula alta de 73% no ano e o diesel em 65,3%. Segundo a Petrobras, os reajustes nos preços garantem que o mercado continue sendo atendido e sem riscos de desabastecimento.
O problema é que estes aumentos atingem uma cadeia já contaminada pela inflação e afeta diretamente ou indiretamente a vida de todos nós. Como diz a gíria, “é eita atrás de eita” e é quase uma missão impossível entender e-xa-ta-men-te os motivos de tantos aumentos. Pandemia, valor do petróleo, alta do dólar, crise política são fatores, segundo especialistas, que explicam os reajustes sem fim dos combustíveis.
A realidade é das mais assustadoras para o consumidor, que precisa encaixar no orçamento produtos cada vez mais caros com uma renda cada vez menor. Enquanto abastecem o carro, motoristas olham fixamente para o valor do litro no painel e relembram os tempos em que o valor era muito mais baixo. Especialistas tentam explicar, mas na prática a pergunta continua sem uma resposta convincente: por que os preços dos combustíveis estão tão altos?
Prova disso, é que pela primeira vez desde 2015, a palavra gasolina foi a mais buscada juntamente com a palavra preço, de janeiro a agosto, segundo dados do Google. Após o último reajuste, a pesquisa usando o termo “por que a gasolina está tão cara” aumentou em 300%. É o maior interesse pelo preço dos combustíveis em 17 anos. O Brasil é o sexto país que mais fez buscas relacionadas ao tema nos últimos dias. O primeiro foi a Índia.
Mas, vamos tentar encontrar as respostas. Analistas são unânimes em dizer que o fator que mais influência no atual preço da gasolina é a variação cambial. O real é uma das moedas que mais têm se desvalorizado no mundo no último ano e meio. E mesmo tendo uma petrolífera nacional e estatal, a Petrobras, o Brasil nos últimos anos vem atrelando o preço básico da gasolina vendida no país ao mercado internacional, ou seja, ao dólar. Com isso, o valor do combustível depende muito mais da estabilidade de nossa moeda do que antes. Antes da pandemia, um dólar estava valendo cerca de R$ 4. Agora, bate R$ 5,40. Ao mesmo tempo, enquanto um barril de petróleo era comercializado por US$ 20 ou R$ 80 no início de 2020, agora custa US$ 80 ou R$ 440.
O professor de economia Paulo Feldmann explica que internacionalmente há poucas empresas, estatais ou privadas, que controlam o setor de petróleo, e elas são muito bem organizadas na hora de determinar preços que jamais as deixem no prejuízo. “O petróleo é um setor da economia mundial onde se existe um ‘cartel’. Isso quer dizer que os produtores combinam o preço. Eles definem o preço e aumentam o valor como querem”, frisa. Isso significa que, além de seguirem a lei de oferta e procura, as petrolíferas são capazes de promover reajustes coordenadamente. Lembrando que os maiores produtores de petróleo são os países árabes e a Rússia.
O economista também explica que a retomada de atividades pós-pandemia foi uma das motivadoras do aumento. Afinal, alguns setores que estavam quase todos paralisados, como o de transporte terrestre e viário, voltaram a ganhar força e aumentaram a demanda por combustíveis. No ano passado, por causa do coronavírus, o valor do petróleo desabou, atingindo um dos patamares mais baixos de todos os tempos. Chegou 2021 com uma expectativa de melhora. Chegou a vacina. O consumo mudou. As pessoas voltaram a viajar. Muitos retornaram ao trabalho presencial. E foi aí que os produtores de petróleo perceberam que era o momento de recuperar o prejuízo, afirma Feldmann. “Quanto maior a procura, mais eles vão aumentar o preço. E é isso que já estão fazendo, pois acreditam que o mundo já está caminhando para um crescimento econômico novamente”, afirma o professor.
Mas, e os impostos? O brasileiro paga uma carga tributária alta em cima dos combustíveis. Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), os impostos representam 44% do preço da gasolina no Brasil: 28,3% são impostos estaduais, o conhecido ICMS, e 15,5% correspondem a taxas federais. Além disso, há o lucro dos revendedores e postos, que chega a 10%. O valor do transporte das distribuidoras representa quase 4%. Sendo assim, 58% do valor da gasolina é justificado pelo exposto acima. Porém, o consumidor já pagava essas alíquotas há muito tempo, mesmo quando os preços estavam mais baixos.
Portanto, quanto maior o valor do petróleo e do dólar, maior o preço básico dos combustíveis e maior o impacto absoluto dos tributos ao final da conta. É o que explica a pesquisadora Louise Nakagawa, que ressalta: apesar de altos, os impostos não são responsáveis pela atual escalada dos preços da gasolina. “Reduzir o [percentual de] ICMS, por exemplo, não faria grande diferença ao final da conta. Precisamos notar que a alta da gasolina não está ocorrendo apenas no Brasil, mas em outros países também”, ressalta a doutora.
Feldmann concorda com a pesquisadora e reforça que não houve nenhum tipo de redução tributária no preço da gasolina nos últimos tempos, nem mesmo de impostos federais. “O presidente Jair Bolsonaro disse que iria diminuir os impostos, mas não diminuiu. Inclusive, os caminhoneiros estão bravos com isso”, relembra.
Questionado sobre uma possível redução ou isenção do ICMS, o economista explica que, por causa da pandemia, os Estados fecharam 2020 com as contas no vermelho e grande parte deles não tem como abrir mão dele. “Isso causaria um problema sério para os Estados. E o Governo Federal sequer tem poder para interferir nesse imposto”.
Agora que já entendemos por que o valor da gasolina aumentou tanto, o que todo consumidor quer saber é: o valor continuará subindo ou irá recuar? Neste ponto a doutora em energia e o professor em economia têm opiniões diferentes.
Louise Nakagawa acredita que nos próximos meses o valor da gasolina irá cair. “Ao que tudo indica, a expectativa é de que com a redução do preço do dólar, a gasolina também tenha o seu valor reduzido”, aposta.A pesquisadora pondera que fatores externos, os desdobramentos da pandemia e conflitos geopolíticos internos ou externos podem interferir muito no desdobramento desse cenário.
Já Paulo Feldmann tem uma opinião menos otimista e prevê que os valores devem subir ainda mais nos próximos anos. O economista cita a eletrificação dos automóveis como um dos fatores para isso. “O mundo está passando por um processo chamado descarbonização. A Europa, principalmente, tem traçado metas para acabar com o carro a combustão. Os produtores de petróleo estão cientes desse cenário e querem ganhar tudo que puderem enquanto os carros a combustão ainda são em maioria no nosso planeta”, argumenta.
E aposta: “O aumento atual é consequência da pandemia, que valorizou o petróleo, e no Brasil tem o agravante que é a alta do dólar. Mas futuramente o aumento será causado pela chegada dos carros elétricos”.
Por fim, Paulo Feldmann afirma que, conforme novas fontes energéticas forem surgindo e a procura pelo petróleo caia, o valor deve ser derrubado novamente. Já a doutora em energia acredita que ainda vai demorar mais alguns anos até que a eletrificação dos carros influencie em alguma medida o mercado internacional do petróleo. Mas alerta que o Brasil, ao mesmo tempo em que vem sendo tão afetado pelos preços da gasolina, não está se preparando adequadamente para quando esse dia chegar e encerra com outra pergunta: “A grande questão é: o quão distantes estamos de termos uma política de incentivo e acesso à carros elétricos no Brasil?”. E assim, o que nos resta é aceitar que continuaremos com a gasolina que está entre as 100 mais caras do mundo.
Tributação
Uma das principais acusações correntes sobre a alta de preços está relacionada ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – o ICMS. O imposto estadual, de fato, tem grande peso sobre o valor na bomba. A alíquota varia entre os estados: no caso da gasolina, chega a 30% em alguns locais.
O valor nominal do ICMS pago por litro de combustível cresceu porque seu custo, usado como base para o cálculo, está maior. As alíquotas, no entanto, são as mesmas cobradas antes da atual crise: tanto em maio do ano passado, quando a gasolina custava, em média, R$ 4, quanto em setembro, com o preço a R$ 6. O percentual cobrado em São Paulo, por exemplo, continua em 25%.
(Fonte Mobiauto, Exame, G1 e Dinheiro)