Se você tem menos de 30 anos vamos atualizar. Para entender o contexto do Dragão da Inflação é preciso lembrar que ela (a inflação) “queima” o poder de compra da população, pois um mesmo valor compra cada vez menos um bem ou serviço. Por conta dessa característica, a inflação ganhou a figura do Dragão para representá-la.
Por décadas, os brasileiros conviveram com um dos mais agressivos e catastróficos dragões: o da inflação – uma figura assustadora que corroía os salários e fazia com que um produto custasse hoje duas vezes mais caro do que custava ontem. Não é à toa que essa fera preocupa quando volta a frequentar o noticiário econômico do País. Quase sempre associada a um problema, inflação significa um aumento corrosivo de preços. Mexe, portanto, com a parte mais sensível do corpo humano: o bolso.
Mas seria estupidez atribuir sua volta à pandemia, ao desastroso contexto econômico e o destemperado governo do país. Ela veio com mais força, mas já há anos tem rondado o país. O segredo é manter sob controle, explica o economista Márcio Holland, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).
Uma taxa de inflação alta significa que os preços estão subindo mais rapidamente e, portanto, as pessoas tendem a gastar menos. Por outro lado, uma taxa de inflação baixa estimula o consumo, uma vez que os preços estão variando pouco. No Brasil, o desempenho da inflação é monitorado de perto pelo Banco Central (BC), que persegue metas anuais para a variação dos preços em equilíbrio com a atividade econômica no País. O BC tem instrumentos para adotar diversas medidas a fim de segurar ou estimular a economia e, dessa forma, modificar o comportamento da inflação. Esse conjunto de instrumentos compõe a política monetária. Basicamente, incluem elevar ou reduzir a taxa de juros ─ cobrada sobre compras a prazo mensalmente e usada para capitalizar investimentos ─, e regular a oferta de dinheiro na economia, com impacto na oferta de crédito pelos bancos e na decisão das pessoas de consumir ou poupar. E é aí que também mora o perigo.
O dragão que assombra
Mas qual é a origem do medo que os brasileiros têm da inflação? A resposta vem das décadas de 1980 e 1990, quando o País viveu uma hiperinflação – uma inflação elevadíssima e fora de controle, que corrói quase que instantaneamente o poder de compra dos consumidores ao provocar uma alta generalizada e contínua dos preços. O resultado disso é uma profunda crise econômica e uma desvalorização acentuada da moeda.
Durante esse período, a taxa de inflação chegou a superar 80% ao mês, ou seja, o preço de um mesmo produto praticamente dobrava de um mês para o outro e era reajustado diariamente ─ se não mais de uma vez no mesmo dia. Entre 1980 e 1989, a inflação média no Brasil foi de 233,5% ao ano, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Nos dez anos seguintes, a variação anual subiu para 499,2%. “Com uma inflação que batia 80% ao mês, a empresa não conseguia calcular quanto iria receber. O tempo gasto para calcular e monitorar preço era maior do que o tempo gasto para tentar produzir. Era uma perda de produtividade gigantesca na economia”, diz o economista-chefe da gestora de recursos Western Asset, Adauto Lima. Foram vários planos econômicos (13 precisamente) para derrotar o dragão, finalmente controlado apenas em 1994 pelo Plano Real, liderado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.
Os governos Sarney e Collor tentaram, sem sucesso, acabar com a inflação herdada dos militares. Ao assumir a Presidência, após a queda de Collor, Itamar Franco convidou Fernando Henrique Cardoso para ministro da Fazenda, com a missão de reorganizar a economia. Reuniram um grupo de economistas, coordenado por Pedro Malan, do Banco Central. O plano de ação econômica que eles escreveram foi publicado no final de 1993. Na época, a inflação batia recordes, prejudicando principalmente os mais pobres.
No inicio de 1994, a inflação estava em 40% ao mês, ou três mil por cento ao ano. Os preços subiam sem parar – gasolina, alimentos, prestações… A cada hora o cruzeiro valia menos em relação ao dólar. Era o caos da hiperinflação. O truque dos economistas foi criar em fevereiro uma espécie de dólar virtual, a URV, Unidade Real de Valor. A roda-viva dos preços continuava corroendo o cruzeiro, mas não atingia a URV. Em julho, a URV perdeu as letras U e V, permanecendo o R, de real. A nova moeda nascia sem a doença da hiperinflação.
Finalmente tínhamos uma moeda forte: um real valia o mesmo que um dólar. Aos poucos, sem congelamento de preços, chegaríamos a uma inflação de país desenvolvido: apenas 1,5 por cento em 1998. Mas os juros continuavam de terceiro mundo: o Banco Central jogou a taxa básica nas alturas, desestimulando o consumo e atraindo investidores para equilibrar as contas externas.
Inflação baixa e juro alto resultaram em pouco crescimento econômico, sustentado em boa parte pelas exportações. O Produto Interno Bruto, que mede a riqueza produzida no país, crescia quase seis por cento no lançamento do real. Quatro anos depois, em 1998, a economia brasileira praticamente parou de crescer. A estagnação coincidiu com as crises externas da Ásia e da Rússia, entre 97 e 98.
Com a queda nas exportações e o fantasma da recessão, o governo desvalorizou fortemente o real no inicio de 1999. O dólar, que custava um real, passou a custar mais de dois reais, voltando depois para R$ 1,75. O Banco Central adotou o cambio flutuante e o sistema de metas para a inflação. Até hoje a retomada do crescimento econômico, de maneira sustentada, ainda está por acontecer.
Cinco anos após o Plano Real, o Banco Central consolidou a política de metas para a inflação brasileira, e, posteriormente, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede o governo de gastar mais do que arrecada.
Em 2015, veio um dos alertas; o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do Brasil, fechou aquele ano em 10,67%, superando —em muito— o teto da meta inflacionária estabelecida pela equipe econômica do então Governo Dilma Rousseff, que era de 6,5%. Era até então, a taxa acumulada mais elevada desde 2002 (12,53%), conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2014, a inflação oficial ficou em 6,41%.
Na época, o brasileiro passou a pagar mais caro por todos os grupos de produtos e serviços que compõem o custo de vida, principalmente habitação, alimentação e bebida e transporte.
Era a primeira vez desde 2003, primeiro ano do Governo do ex-presidente Lula, que a inflação oficial superava a meta estabelecida Conselho Monetário Nacional.
A alta no preço dos alimentos foi generalizada, mas alguns itens básicos que compõem o prato do brasileiro diariamente tiveram um aumento bastante expressivo como alho, tomate, batata e feijão, além do frango, do pãozinho e do café. Naquele período, também pesaram no bolso do consumidor o aumento das tarifas domésticas, como a conta de energia elétrica (51% a média nacional). O botijão de gás também teve um aumento médio de 22,55%, tornando ainda mais pesado o impacto da alta dos alimentos, já que ambos estão diretamente relacionados. Já em relação aos transportes, a variação do preço dos combustíveis foi 21,43%, sendo que o litro da gasolina subiu 20,10% em média, enquanto o etanol teve um aumento médio de 29,63%, ambos variando mais ou menos dependendo da região do país. E como a história é cíclica, vai se repetindo…
Em 2020, pressionado pelos preços dos alimentos, o IPCA ficou em 4,52%, acima do centro da meta para o ano, que era de 4%, mas dentro do intervalo de tolerância. Foi a maior inflação anual desde 2016. Para 2022, o mercado financeiro subiu de 3,81% para 3,84% a estimativa de inflação. Foi a terceira alta seguida no indicador. No ano que vem, a meta central de inflação é de 3,50% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar de 2% a 5%.
Contexto Brasil
A inflação é um imenso entrave a qualquer expectativa de crescimento ou investimento. Grosso modo, imagine uma situação: você tem dinheiro, é empreendedor e quer investir em determinado segmento num país. Mas se este país não tem estabilidade e segurança financeira, tem economia atrelada aos humores da política, tem um custo elevadíssimo de impostos, um ambiente de incertezas motivado por intrigas entre Executivo e Judiciário, entraves jurídicos e burocráticos e (ufa!!!) uma das maiores cargas tributárias e juros do planeta, fala sério: você investiria? Não! Nem para socializar. Infelizmente.
Este é o contexto Brasil, o mesmo que pode passar o teto de gastos ano que vem e já entrou em racionamento energético, mas cuja arrecadação federal bateu recorde no mês de julho – a arrecadação de impostos e contribuições federais no mês somou R$ 171,270 bilhões, um avanço de 35,47% em relação ao mesmo mês do ano anterior, já descontada a inflação. Tá bom pra você?
É um exercício tremendo entender como batemos recordes em impostos para bancar uma máquina pública obesa que só engessa o país (e nossa vida) , se na vida real, quando vamos ao supermercado com 50 reais, voltamos com quase nada e provavelmente sem muitos produtos básicos, como carne.
A volta da inflação no Brasil tem, entre suas causas, fatores de ordem interna e externa, que vão desde os efeitos da pandemia até a alta do dólar, incluindo a crise hídrica, a instabilidade política e a variação dos preços do petróleo.
No fim de 2019 e, principalmente, ao longo de 2020, o problema ficou mais visível a partir de sucessivos reajustes em itens que compõem a mesa dos brasileiros. Esses aumentos, explica a economista Maria Andreia Lameiras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foram decorrentes, em grande medida, do impacto do coronavírus.
“O mundo todo foi para casa, e a demanda por alimentos nos domicílios cresceu. Só que esse é um bem cuja oferta não se consegue aumentar de uma hora para outra. No caso do Brasil, os preços subiram ainda mais por influência do câmbio. Com a elevação do dólar, ficou mais atrativo para o nosso produtor vender lá fora. O resultado foi a redução da oferta doméstica, frente a uma grande procura. Isso se refletiu nos preços”, resume Maria.
Com a chegada de 2021, havia a expectativa de que a situação se estabilizasse. Só que outros dois componentes passaram a exercer pressão e a difundir a inflação para praticamente todos os setores. Os principais responsáveis pelo efeito dominó foram a energia elétrica e os combustíveis.
No caso dos derivados do petróleo, a política de precificação da Petrobras acompanha o mercado internacional. A partir da retomada da economia global, a busca pelo produto se acelerou, e o valor cobrado pelo barril, em dólar, subiu. Com o real desvalorizado, isso acabou pesando no bolso dos consumidores, que passaram a pagar mais pelo gás de cozinha e também para abastecer seus veículos — só a gasolina, por exemplo, acumula alta de 42,21% em 12 meses, até junho, segundo o IBGE.
Para completar o cenário, a falta de chuvas contribuiu para alavancar as contas de luz, o que encarece tudo o que depende de energia, da indústria aos serviços. Com os reservatórios das principais hidrelétricas ameaçados, veio à tona o risco de racionamento e a necessidade de acionar as usinas térmicas. Isso encareceu a produção e levou a tarifa ao patamar mais alto, com reajuste de 52% na bandeira tarifária vermelha nível 2, a mais elevada de todas.
O que vem pela frente
A tendência, até o final de 2021, é de que a inflação fique acima do limite definido pelo Conselho Monetário Nacional, batendo na casa de 6,79% no ano, conforme o último Boletim Focus, documento que reúne estimativas de mais de cem instituições do mercado financeiro. O teto foi estipulado em 5,25%. A perspectiva de avançar o sinal provoca calafrios em quem viveu o terror das remarcações de preços na década de 1980, mas analistas descartam a possibilidade de uma reprise daqueles anos insólitos. A avaliação é de que, ao elevar o juro básico (taxa Selic, que em agosto subiu para 5,25%), o Banco Central está agindo para recuperar o controle.
“Não acredito no risco de um retorno do que tínhamos nos anos 80, até porque a economia hoje tem outra estrutura, outro nível de concorrência. Agora, é claro que temos de ficar sempre de olho. Mesmo nos Estados Unidos a inflação preocupa. Não é algo restrito ao Brasil. Existe uma pressão global por aumento de preços devido à desorganização das cadeias produtivas na pandemia “, diz o economista Denilson Alencastro.
A perspectiva até dezembro, segundo Matheus Peçanha, pesquisador e economista do FGV Ibre, é de que o IPCA, índice oficial de inflação no país, fique mais estável. “Nos últimos dois meses, já tivemos uma ligeira estabilização. É um princípio de otimismo. Só não dá para cravar, porque ainda há muita incerteza no ar, envolvendo tanto a pandemia quanto a política. Esperamos ter taxas menores até o fim do ano, ainda que isso ocorra em um patamar alto”, argumenta.
O que está por trás disso tudo?
O país enfrenta a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, que respondem por 70% da geração de energia do país, estão com 23% da capacidade de armazenamento, nível menor que o registrado em agosto de 2001, quando o país enfrentou racionamento de energia. Isso inclui a represa Jurumirim em Avaré.
Por isso, o governo federal já decretou que os órgãos públicos federais deverão reduzir o consumo de energia de 10% a 20% entre setembro de 2021 e abril de 2022. Segundo o Ministério de Minas e Energia, o governo federal tem mais de 22 mil edificações próprias e cerca de 1,4 mil imóveis alugados, como escritórios, escolas, hospitais e universidades.
O decreto estabelece uma série de medidas que os órgãos federais deverão adotar para reduzir o consumo de energia nos prédios públicos, entre as quais:
- Desligar o aparelho de ar-condicionado quando o ambiente estiver desocupado;
- Limitar o resfriamento dos ambientes 24°C e o aquecimento a 20°C;
- Optar pela ventilação natural nos dias com temperaturas amenas;
- Desligar a iluminação quando os ambientes estiverem desocupados;
- Utilizar sensores de presença em ambientes como banheiros, corredores e garagens;
- Desligar o monitor, a impressora, o estabilizador, a caixa de som, o microfone e outros acessórios sempre que não estiverem em uso;
- Utilizar, sempre que possível, escadas para acesso aos primeiros pavimentos e para subir ou descer poucos andares.
Provavelmente a conta também virá de outra forma para o consumidor (que já paga mais caro pela energia há meses), com meta de consumo. Os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, que respondem por 70% da geração de energia do país, estão com 23% da capacidade de armazenamento, nível menor que o registrado em agosto de 2001, quando o país enfrentou racionamento de energia.
Em novembro, quando começa o período chuvoso, o ONS prevê que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste vão chegar a 10% da capacidade. Para preservar água nos reservatórios das hidrelétricas, o governo vem acionando as usinas termelétricas, que são mais caras e poluentes. Não é preciso dizer que isso também é uma conta a mais para o brasileiro…
Ah, e tem claro, os combustíveis! No início de agosto, o preço da gasolina sofreu novo aumento nas refinarias e pesou ainda mais no bolso do motorista. Somente em 2021, esse foi o nono aumento anunciado pela Petrobras, acumulando uma alta no preço da gasolina de 51% às distribuidoras de combustível.
Estes são os principais ‘vilões’ que fazem a inflação disparar, já que impactam diretamente no aumento de alimentos, produtos e serviços, pois tudo depende tanto de transportes (combustíveis) e energia.
Em janeiro deste ano, o mercado nacional comercializava a gasolina por R$ 4,62 o litro, em média, sendo R$ 3,77 cobrados pelo diesel e R$ 3,22 pelo etanol. Isso significa que, de lá para cá, o aumento real nos preços dos três combustíveis já chegou a 19,5% (gasolina), 18% (diesel) e impressionantes 32,6% (etanol).
Se a diferença em um litro parece pouca, veja como fica quando abastecemos um tanque de 50 litros:
- 50 litros em janeiro: gasolina, R$ 231 / diesel, R$ 188,50 / etanol, R$ 161
- 50 litros em julho: gasolina, R$ 287 / diesel, R$ 230 / etanol, R$ 213,50
Por causa do fechamento da edição, não conseguimos atualizar os valores já que houve novo aumento, mas já havia estados em que o litro da gasolina passava de 7 reais (já se falava em 9 reais, mas para não enfartarmos, vamos passar pano, ok?…)
Comparações inevitáveis
Já que as eleições começaram (sim, 2022 é logo aqui!), as comparações tem sido inevitáveis, entre os governos de esquerda e o atual, de direita. Especialistas afirmam que é difícil comparar governos, pois são épocas diferentes. O professor de economia do Ibmec-SP, Paulo José de Azevedo, afirma que a situação nos últimos 10 anos mudou e que o ex-presidente Lula da Silva não deve responsabilizar seus sucessores para a crise atual, referindo-se a recentes críticas que ele fez. “Nos governos Lula a economia mundial era muito favorável e ele aproveitou esse momento. Nos últimos 10 anos a economia mundial estava pior e a Dilma estava no comando. Não dá para atribuir a culpa no Temer e no Bolsonaro somente”, afirma.
Azevedo explica que a crise foi provocada por erro na política econômica durante o governo Dilma Rousseff. No entanto, acredita que Bolsonaro também pode ser responsabilizado pelos problemas econômicos atuais. “O Bolsonaro tem uma parcela de culpa nisso. Ele tem um discurso que não tem certeza, ele muda muito de opinião. Ele diz ter visão liberal, mas intervém em diversos pontos, nos ministérios e estatais”, ressalta.
Sobre a questão da dolarização do preço nos combustíveis, ou seja, o aumento nos valores que depende dos reajustes no barril do petróleo no mercado internacional, o economista diz que não é possível permitir que o preço do combustível brasileiro tenha que seguir o preço internacional.
O especialista em agronegócio, José Carlos de Lima Júnior, afirma que a mudança nessa política neste momento poderá causar prejuízos econômicos ao país. Lima Júnior remeteu as atitudes de Dilma Rousseff nas contas de energia para comparar as interferências nos preços.
“Desde 90, os países se comprometeram em não intervir nas empresas para modificação de preços. As interferências fazem que os países não vejam com bons olhos essas mexidas. Os investidores precisam de previsibilidade para colocar dinheiro. Isso acaba gerando um posto de vista negativo e poderá trazer prejuízos financeiros”, disse o especialista. “A interferência nas contas de energia em 2012 fora muito danosa para a economia do país. Naquele momento o custo estava alto por falta de água”.
Sobre a produção do petróleo, o especialista em agronegócio lembra que o país precisa aumentar a produção e valorizar o produto internacionalmente. “Há uma ausência de política energética. O setor que puxa a economia é o agronegócio. Esse problema se desdobra na parte de energia elétrica. Hoje o Brasil produz muito mais óleo do que produz há 10 anos. Isso é porque para aumentar a extração de óleo cru e não a refinação”, ressaltou.
“A gasolina ainda está 3% atrás para atingir a paridade internacional. Todo mundo culpa a Petrobras, mas ela não tem nada com isso. A culpa é da defasagem do real perante o dólar”, explica Lima Júnior. Enquanto em 2009 o PIB do Brasil fechou em estabilidade, com recuo de 0,3% e faturamento de 3,2 trilhões, dez anos mais tarde a economia do país encerrou com alta de 1,1% e arrecadação de 7,3 trilhões. Embora tenha diferenças entre os números, o professor de economia do Ibmec-SP afirma que não podemos nos iludir e comparar as épocas entre os dois mandatos. “O Lula encontrou uma política economia mais estável que o Bolsonaro. No primeiro governo, a economia mundial era mais estabilizada. Em 2008, a economia do governo conseguiu segurar o baque da crise nos EUA. No entanto, comparar os dois governos é uma situação muito complicada. Não trocou apenas o presidente, houve várias mudanças mundiais”, afirma.
Embora o consumidor sinta o aumento nos preços nos alimentos e queda no poder de compra, os dois mandatos apresentaram índices parecidos no indicador de inflação em 2009 e 2019. No último ano de Lula no Planalto, o ICPA encerrou o ano em 4,5% e no primeiro ano de Bolsonaro o índice fechou em 4,31%.
Quais são os efeitos da inflação e o que fazer
Por fazer o dinheiro perder valor no tempo, a inflação leva a uma perda de poder de compra. Assim, se a sua remuneração não acompanhar ou superar a inflação, a sua capacidade financeira ficará menor.
Uma inflação baixa ou moderada pode estimular a economia, na medida em que uma demanda ligeiramente mais aquecida que a oferta pode incentivar a produção, gerando crescimento. Porém, a inflação alta pode ter um efeito bastante negativo, sobretudo para quem tem menos renda.
Afinal, elas tendem a viver com o orçamento apertado e gastam a maior parte do que ganha em alimentos e outros itens básicos. Para elas, a inflação leva a uma forte queda no padrão de vida e, até mesmo, restrições no dia a dia. A inflação muito alta também é mais difícil de prever, o que aumenta o risco da economia do país, desestimulando o investimento e a produção. Ademais, os produtos de uma nação que sofre com altas taxas de inflação podem ficar menos competitivos que os importados.
Infelizmente não há manual de instruções, mas algumas dicas podem ajudar:
Controle seus gastos – Fazer uma planilha mensal de gastos da sua família, fixando uma meta para cada um, ajudará a economizar. Existem gastos que variam anualmente, como aluguel e mensalidade escolar. Mas outros podem ter variação diária. É o caso do grupo alimentação, justamente o que tem maior peso no IPCA e nos gastos das famílias.
Fique de olho na lista de compras – Quanto menor a renda da família, maior o peso dos gastos de alimentação e produtos de higiene e limpeza. Preparar uma lista de compras antes de ir ao supermercado faz grande diferença, pois ajuda na pesquisa de preços e evita a compra de itens desnecessários. Para frutas e legumes, vale dar preferência aos produtos da safra, que têm mais qualidade e são mais baratos.
Atenção à conta de luz – Preços controlados pelo governo, como combustível e tarifas de energia elétrica, também fazem parte do IPCA. E estes dois itens são os que mais pressionaram a inflação de maio. Neste caso, não há como fazer pesquisa de preços, mas sim controlar o consumo. Como o país passa por uma crise hídrica, entramos na chamada “bandeira vermelha”, o que significa que a conta de luz sofre acréscimo de R$ 4,169 a cada 100 quilowatt-hora consumido. Ou seja: não deixar as luzes acesas sem necessidade e racionar o uso dos eletrodomésticos são atitudes que farão diferença.
Renegocie reajustes – Embora o IPCA seja o índice oficial do governo, existem outros, que indexam alguns contratos e que têm metodologia de cálculo diferente. O Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) é o principal deles e serve como referência para muitos contratos de aluguel. Se for o seu caso, entre em contato com o locador e peça renegociação do reajuste, pois o IGP-M acumulado nos últimos 12 meses já alcançou 37,04%. Se o Índice for o IPCA, renegocie também, procurando saber por quanto os alugueres de imóveis próximos estão sendo negociados atualmente.
Entenda o que é o índice
O IPCA é o índice usado pelo governo para fixar a meta anual de inflação. Todo mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pesquisa os preços de uma cesta de produtos e serviços mais consumidos pelas famílias com renda mensal entre 1 e 40 salários mínimos que residem em regiões metropolitanas. Isto quer dizer que a inflação da sua família pode ser ainda maior do que a oficial, dependendo do peso de cada item em seu orçamento.
Uma piada chamada salário mínimo
Pelo país, não faltam exemplos de brasileiros que estão com dificuldade para fechar a conta todo mês. Neste ano, de cada R$ 100 do orçamento das famílias brasileiras, sobram apenas R$ 41,22 para consumir, pagar dívidas e investir, mostra um levantamento da consultoria Tendências. Mas se a situação está difícil para quem está empregado, imagine para os quase 15 milhões de desempregados? Além disso, a pobreza no Brasil triplicou. O número de pobres saltou de 9,5 milhões em agosto de 2020 para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021. E muitos não conseguem sequer o auxílio de míseros 375 reais. O salário mínimo deveria ser irrisório, pois aumentará apenas 77 reais em 2022. Defasado? Não! Hilário. Uma pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que o salário mínimo do brasileiro deveria ser equivalente à R$ 5.421,84. O valor é quase cinco vezes maior da base vigente no país (R$ 1.100,00)
O que o governo pode fazer
O controle da inflação passa por medidas de aperto fiscal e monetário. Ou seja, gastos públicos mais baixos, impostos mais elevados e juros mais altos. Ou seja, uma utopia (desculpe a franqueza…). No curto prazo, essas decisões ajudam a conter a demanda por bens e serviços – e uma demanda mais baixa para uma dada oferta no curto prazo faz com que o ritmo de aumento dos preços seja menor. Isso quase sempre tem um impacto recessivo na economia.
O governo do presidente Jair Bolsonaro terá o desafio de conviver com uma inflação mais alta daqui para frente, especialmente, em um ano eleitoral. Mas infelizmente não parecer ter talento para gerir crises e sim para criá-las. Enquanto isso, os brasileiros vão continuar ficando mais pobres com a alta generalizada de preços. O crédito deverá ficar mais caro e escasso diante do endividamento elevado das famílias em um cenário de desemprego crescente, apesar das estimativas otimistas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estarem acima de 5%.
Analistas reconhecem o problema da inflação e seus riscos para a economia e lembram que o Brasil não está sozinho com esse dilema. Há uma alta nos preços no mundo que está sendo alimentada pela retomada do crescimento global — após a recessão de 2020 provocada pela pandemia da covid-19 — e pelos estímulos fiscais dos governos, e que vem sendo agravada no país por conta da crise hídrica. Além disso, há uma forte alta dos preços das commodities que vem influenciando a carestia dos alimentos desde o ano passado e que também persiste.Apesar da escalada dos preços, Bolsonaro poderá ser beneficiado, com uma correção maior no teto de gastos — o que vai permitir a ele gastar mais em 2022 (que pode ter um efeito reverso)— em um cenário fiscal relativamente melhor do que o de 2020, porque o PIB deste ano deverá crescer mais, a arrecadação será maior e o deficit primário, menor.
“A inflação não é um jogo de soma zero, o prejuízo é generalizado, principalmente, para a população mais pobre. Não é possível ver lado positivo para um cenário com inflação em alta, apesar de ter um efeito sobre o PIB nominal, ou sobre o teto de gastos, porque essa inflação está crescendo sobre uma economia com bases historicamente ruins e muito baixas, e com um quadro de desigualdade social pior, pois a renda do brasileiro está encolhendo”, alerta a economista e professora do Insper, Juliana Inhasz.
“A inflação vem com efeitos colaterais, que são mais juros e menos crescimento econômico. Logo, se tem um ambiente para o governo gastar mais fora do teto de gastos e ele for mantido, uma preocupação com o fiscal precisa continuar sendo relevante”, acrescenta a economista Silvia Matos, coordenadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Outro grande desafio será lidar com o cenário de empobrecimento da população e o aumento do desemprego, que já atingiu patamares recordes e deverá continuar crescendo. Se Deus é brasileiro está na hora de provar! (rs) A população agradece!
(Capa edição 241 – Fontes GZH Economia, Google News, IG, BBC, Reuters, Senado Federal, Uol Economia, G1, Brasil Econômico, Correio Braziliense e Exame – Charges cartunista Jorge Braga e imagens Shuterstock)