Sem sombra de dúvida, o mercado de trabalho foi uma das maiores conquistas das mulheres. Hoje, de fato, elas podem ocupar cargos e vagas que eram até então consideradas masculinas, desde a gerência de uma empresa até servente de pedreiro. Atualmente não há um lugar que não possa ser ocupado por uma mulher. Entretanto, isso não significa que ela o ocupe.
Além de serem maioria da população – 51% – as mulheres também são maioria no mercado de trabalho; a taxa de inserção das brasileiras está em 51,5%. O número aponta para uma tendência de queda. Em 2019, a taxa de participação era 54,3%. Na comparação com os homens, cuja participação atual é de pouco mais de 71%, as mulheres têm presença 20% inferior no mercado de trabalho.
Outro levantamento, realizado pela Grant Thornton, revela que a presença feminina em postos de liderança no Brasil sofreu uma pequena queda, de 39% para 38%. Embora a redução seja tímida, havia uma tendência de alta nos últimos anos. Em 2019, mulheres em cargos de gestão correspondiam a 25% dos profissionais.
Outros indicadores podem contribuir para melhor compreensão em torno das dificuldades que elas enfrentam para inserção no mercado de trabalho. Na faixa etária entre 25 e 49 anos, a presença de crianças com até 3 anos de idade vivendo no domicílio se mostra como fator relevante. O nível de ocupação entre as mulheres que têm filhos dessa idade é de 54,6%, abaixo dos 67,2% daquelas que não têm.
A situação é exatamente oposta entre os homens. Aqueles que vivem com crianças até 3 anos registraram nível de ocupação de 89,2%, superior aos 83,4% dos que não têm filhos nessa idade. Uma dificuldade adicional para inserção no mercado pode ser observada no recorte racial dos dados. As mulheres pretas ou pardas com crianças de até 3 anos apresentaram os menores níveis de ocupação, inferiores a 50%, enquanto as brancas registraram um percentual de 62,6%.
O levantamento apurou ainda o impacto dos afazeres domésticos. “No Brasil, as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas semanais contra 11,0 horas). Embora na Região Sudeste as mulheres dedicassem mais horas a essas atividades (22,1 horas), a maior desigualdade se encontrava na Região Nordeste”, mostrou o estudo.
A renda causa impacto significativo no período dedicado aos afazeres domésticos. Entre as mulheres que integram o grupo de 20% da população com os menores rendimentos, mais de 24 horas semanais foram consumidas por atividades voltadas para a casa. Entre aquelas que integram a fatia de 20% dos brasileiros com os maiores rendimentos, esse tempo se reduz para pouco mais de 18 horas semanais.
“Elas têm mais possibilidade de terceirizar o trabalho. Podem recorrer ao trabalho doméstico remunerado ou contratar uma babá. E também podem colocar as crianças em creches particulares, o que acaba por reduzir a média de horas semanais destinadas às tarefas voltadas para a casa. As mulheres que não têm condições financeiras de arcar com esses custos ficam sujeitas à prestação de serviço público que nem sempre ele está disponível. Temos necessidade de avançar em políticas públicas de creches”, analisa André Simões, um dos pesquisadores que participou do levantamento.
Além de dificultar a inserção no mercado de trabalho, os afazeres domésticos trazem limitações mesmo para as mulheres que conseguem se inserir. A pesquisa mostra que a conciliação da dupla jornada fez com que, em 2019 (os dados não estão atualizados), cerca de um terço delas trabalhasse em tempo parcial, isto é, até 30 horas semanais. Esse tipo de situação se verificou em apenas 15,6% entre os homens empregados.
Diferença $ – A diferença de salários e rendimentos também foi apurada no levantamento. Em 2019, as mulheres receberam, em média, 77,7% do montante auferido pelos homens. A desigualdade atinge proporções maiores nas funções e nos cargos que asseguram os maiores ganhos. Entre diretores e gerentes, as mulheres receberam 61,9% do rendimento dos homens. O percentual também foi alto no grupo dos profissionais da ciência e intelectuais: 63,6%.
“A responsabilidade quase duas vezes maior por afazeres domésticos e cuidados ainda é fator limitador importante para maior e melhor participação no mercado de trabalho, pois tende a reduzir a ocupação das mulheres ou a direcioná-las para ocupações menos remuneradas”, diz o estudo.
Educação – O levantamento aponta que não há influência educacional na desigualdade. “As menores remunerações e maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho não podem ser atribuídas à educação. Pelo contrário, os dados disponíveis indicam que as mulheres brasileiras são, em média, mais instruídas que os homens”, registra a pesquisa. Entre a população com 25 anos ou mais, 37,1% das mulheres não tinham instrução ou possuíam apenas fundamental incompleto. Entre os homens, esse percentual alcança 40,4%. “Evidentemente precisamos pontuar as desigualdades entre as mulheres. A taxa ajustada de frequência escolar líquida das mulheres brancas é 40,9% e das mulheres pretas ou pardas, de 22,3%”, diz o pesquisador do IBGE Bruno Perez.
Elas levam vantagem também quando se compara a proporção de pessoas com nível superior completo. Entre os homens, esse índice é 15,1%, e entre as mulheres, de 19,4%. Os dados revelam uma mudança do cenário nas últimas décadas, já que entre a população de 65 anos ou mais observa-se situação inversa. Nessa faixa etária, as mulheres registram nível de instrução ligeiramente inferior ao dos homens.
Evolução tímida – Avanços na área da saúde e dos direitos humanos são relatados no estudo, como o aumento da expectativa de vida e a redução do casamento de menores de idade. Por outro lado, o IBGE chama a atenção para dificuldades do país na produção dos indicadores sobre violência contra a mulher. Outra observação da pesquisa diz respeito à sub-representação. Na política, a evolução da participação feminina é bem tímida. “Apesar de um aumento no número de deputadas federais entre 2017 e 2020, temos atualmente apenas 14,8% de mulheres em exercício na Câmara dos Deputados. Com esse dado, o Brasil tem a menor proporção entre os países da América do Sul e fica na posição de número 142 em um ranking de 190 países”, observa a pesquisadora Luanda Botelho.
De acordo com a pesquisa, apesar de as mulheres serem maioria na população brasileira e mais escolarizadas, somente 16% dos vereadores eleitos no país em 2020 foram mulheres. Comparado com 2016, houve aumento de menos de 3 pontos percentuais. As candidaturas femininas bateram recorde ano passado, com 33,3% dos registros nas esferas federal, estadual e distrital. Contudo, embora as mulheres representem 53% do eleitorado do país (82 milhões de votantes), elas ocupam apenas 17,28% das cadeiras no Senado, por exemplo e apenas 1 7,7% das pessoas eleitas para a Câmara são do gênero feminino.
Sobrecarga
A participação das mulheres no mercado de trabalho cresce a cada ano, mostrando que as empresas estão passando por uma mudança positiva de mentalidade. Porém, ainda há muitos problemas relacionados a salários, jornadas duplas e falta de representação feminina em cargos de liderança. A luta das mulheres no mercado de trabalho tem sido árdua e longa. Com os anos, muitos direitos foram conquistados, mas ainda estamos longe de alcançar um cenário igualitário e justo.
Com as duas Grandes Guerras — de 1914 a 1918 e 1939 a 1945, respectivamente —, a atuação das mulheres no mercado de trabalho voltou a ser expressiva. Com os homens recrutados pelos exércitos, elas foram encorajadas a assumir atividades bélicas, nas fábricas de armamento, atuando na produção de armas e bombas.
Não podemos deixar de mencionar a participação crucial das mulheres, muitas vezes voluntária, nos postos de saúde e enfermarias nos campos de batalha e hospitais de campanha. Com o fim dos confrontos e a recuperação gradual dos países, houve um significativo desenvolvimento social e econômico, que levou ao crescimento da educação pública, da indústria e do comércio. Agora, os empregadores viam na figura feminina o perfil ideal para ocupar cargos em escritórios e no ensino básico, em troca de salários baixos, sem planos de crescimento e pouco competitivos. A razão para a diferença salarial se dava, principalmente, pela posição de provedor da família que os homens ainda ocupavam. Como eles tinham que sustentar a casa, a remuneração precisava ser necessariamente maior.
Além disso, a maior parte das mulheres que trabalhavam à época eram solteiras, ou seja, não tinham dependentes para dar suporte. Essa foi a lógica usada para fomentar a falta de equiparação salarial.
Na década de 70, quando a mulher entrou de forma mais definitiva no mercado, ela ainda carregava o estigma de ser responsável pela casa e pela educação dos filhos e isso ainda não mudou, embora haja um maior equilíbrio nas relações. Essa sobrecarga da chamada dupla jornada traz consequências facilmente percebidas, como a exaustão e mesmo o retorno dessas mulheres aos lares.
A sobrecarga de trabalho e o período de afastamento devido à maternidade são alguns pontos que contribuem para que a jornada das mulheres rumo aos cargos de liderança seja ainda mais longa. Pesquisas mostraram que a conciliação da dupla jornada faz com que cerca de um terço das mulheres trabalhe em tempo parcial, ou seja, até 30 horas semanais. Esse tipo de situação acontece em apenas 15,6% entre os homens empregados. Por estarem habituadas a múltiplas e simultâneas atividades, elas se mostram capazes de gerenciar times grandes e darem conta de muitas demandas com qualidade e cautela. Além disso, características culturalmente atribuídas aos homens, como confiança, determinação e ambição, por exemplo, podem ser observadas nas lideranças femininas de sucesso.
Não é mimimi – Os homens podem achar que a reclamação das mulheres, no sentido de jornadas duplas ou triplas, é vitimismo, mas não é. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as mulheres trabalham cerca de 7,5 horas a mais do que eles na semana. Isso se deve ao fato de sua dupla jornada de trabalho, entre emprego e atividades em seu próprio lar. Fica claro, então, que o trabalho feminino na atualidade é muito maior do que o masculino.
É costume cultural, na maioria dos lares brasileiros, a dupla jornada da mulher. Não obstante a desigualdade no mercado de trabalho feminino, as mulheres precisam trabalhar em casa, de forma não remunerada, em que elas terão que cumprir todas as atividades antes de poder descansar para o dia seguinte. Aliás, alguns homens apontaram na pesquisa que auxiliam as suas esposas, mas com tarefas mais simples, menos pesadas e que demandam menos tempo. Porém, a postura ainda é de “auxiliar e ajudar” – não dividir. O trabalho feminino, então, é mais duro e longo. Infelizmente, muitos acreditam que este é um costume normal e não enxergam nenhum problema.
Porém, se analisarmos a condição feminina depois da inserção da mulher no mercado de trabalho, e o seu desenvolvimento físico e mental durante a vida, notaremos que a maioria das mulheres apresenta estresse, desgaste físico, depressão e uma baixíssima autoestima. E muitos desses problemas estão ligados à dupla jornada.
A jornada dupla pode diminuir a autoestima da mulher. De acordo com a pesquisa do Ipea, a maioria das entrevistadas se queixam de não ter tempo para cuidar delas próprias e de suas aparências. Aliás, muitas tem receio de serem abandonadas por seus parceiros por não terem mais a mesma vaidade. Além do esgotamento físico, a dupla jornada de trabalho feminina pode também causar transtornos psicológicos, depressão, estresse e Burnout.
Como evitar que isso aconteça? Primeiro, a condição feminina na sociedade brasileira precisa ser revisitada. É necessária a quebra de barreiras e padrões culturais para poder lidar com a situação. A mulher conseguiu ganhar um pouco de atenção no mercado de trabalho. Com isso, conseguiu contribuir com a renda familiar e ganhar mais independência. Contudo, os conceitos dentro do lar também precisam mudar, não somente para o parceiro como, também, para a própria mulher. O trabalho masculino e feminino deve ser feito de forma igualitária (principalmente quando o casal já tem filhos). Ademais, a comunicação será forte aliada na diminuição da desigualdade no trabalho feminino.
Maternidade é ainda um obstáculo
Embora haja leis respaldando a mulher, a maternidade e a condição feminina são, na prática, um empecilho em algumas empresas. Uma mulher precisa lidar com muitas questões quando decide ser mãe. Uma delas é a carreira. Nem todo mundo tem noção de que os desafios são enormes e afetam não apenas a mãe mas, em alguns casos, até o próprio bebê.
A pesquisa “Maternidade e Mercado de Trabalho”, apontou que 52% das mães que ficaram grávidas ou saíram em licença-maternidade no último emprego, passaram por alguma situação ruim na organização em que trabalhavam. O preconceito ainda existe e muitas empresas insistem em fazer perguntas como: “Você tem filhos?” ou “Pretende ter filhos?” quando estão realizando uma entrevista de emprego com uma mulher (o mesmo não acontece com o homem). Isso acontece porque muitas pessoas ainda cultivam a ideia de que mulheres que são mães não irão se dedicar tanto quanto aquelas que não lidam com as preocupações da maternidade.
Além disso, uma grávida tem direito à licença-maternidade, que dura de 4 a 6 meses, e ao salário-maternidade, que é o valor pago que garante auxílio financeiro às mães durante o período de licença. Por mais equivocado que seja cultivar esse tipo de pensamento, algumas empresas ainda não enxergam este cenário com bons olhos e consideram desvantajoso contar com mulheres grávidas no quadro de funcionários da empresa.
O preconceito, portanto, existe, e não é somente no momento da contratação. Quando o assunto é maternidade e trabalho, a lei está ao lado da mulher e diz que a partir do momento em que se é descoberta a gravidez ela adquire estabilidade. Tal estabilidade tem duração de até cinco meses depois do nascimento do bebê.
Mesmo assim, algumas empresas demitem mulheres grávidas sem justa causa durante esse período. Nesses casos, a organização recebe uma notificação para readmitir a funcionária e, caso a readmissão não seja possível, deve pagar uma indenização à mulher, de tal forma que se mantém seu direito à licença-maternidade e direitos trabalhistas.
Em alguns casos, a mulher não é demitida, mas a partir do momento em que está grávida ou quando volta da licença-maternidade, tem a sua carga horária de trabalho ou até mesmo suas responsabilidades reduzidas. Isso não é nem um pouco agradável para a mulher que está no início da gravidez e deseja continuar trabalhando normalmente. E igualmente desagradável para a profissional que volta depois da licença-maternidade e se depara com uma realidade muito diferente do esperado.
A crença de que as mulheres não se dedicarão ao trabalho devido à gravidez ainda faz com quem muitas empresas optem por reduzir a participação das grávidas/mães nos projetos e tarefas. Algumas mães optam por abrir mão temporariamente da carreira para se dedicarem aos filhos. Um tempo depois, quando já conseguiram criar uma rotina e se adaptar às mudanças, querem voltar ao mercado de trabalho, mas enfrentam muitas dificuldades.
Uma pesquisa da Catho apontou que depois da chegada dos filhos, as mulheres deixam o mercado de trabalho cinco vezes mais do que os homens. Além disso, outros estudos apontam que costuma existir um intervalo forçado de dois a três anos ente o nascimento da criança e a volta da mãe ao mercado. E quando elas retornam, os dados apontam que 2/3 das vezes é para uma vaga ou salário inferiores ao que tinham antes da gravidez.
Com tantas adversidades em relação à maternidade e trabalho, as mulheres que optam por ter filhos acabam sofrendo profundos efeitos colaterais principalmente em relação a saúde mental. Um estudo realizado na Universidade Baylor, nos Estados Unidos, com mais de 250 mães sobre episódios de discriminação em relação à maternidade revelou dados impactantes.
Mulheres que relataram sofrer preconceito e estresse tinham níveis maiores de sintomas de depressão pós-parto e os bebês estavam sujeitos a apresentar peso menor no nascimento. Apesar do estudo não estabelecer uma relação de causa e efeito, fica clara uma ligação indireta que conecta o preconceito contra a grávida ao desenvolvimento de certos problemas de saúde. Os cuidados com o equilíbrio emocional são tão importantes quanto a saúde física da gestante.
Tudo isso ajuda a entender porque a maternidade tem sido cada vez mais adiada ou cancelada da vida de muitas mulheres.
(Fontes Bruna Cosenza, Isabella Furbino, Agência Brasil, CNN, IBG, IPEA, Senado, Telavida e Vittude)
Matéria da Edição 259