Em pleno pico da pandemia no Brasil, já se fala em terceira onda da doença – algo que, considerando a situação atual é difícil imaginar, mas obrigatório ponderar. O estado do Amazonas, que viveu um imenso caos recentemente, foi o primeiro a prever já para maio a nova onda de Covid-19 e se prepara para o “pior cenário”. O Amazonas tem sido o estado “termômetro” da pandemia, ao observar o primeiro e segundo surto.
Em abril de 2020, o estado foi o primeiro que explodiu em número de casos e mortes, com colapso nos sistema de saúde e funerário. Após, em meados de junho, foi quando o restante do país entrou na sua pior fase até então. E entre dezembro e janeiro de 2021 não foi diferente: a segunda onda, com a nova variante de Manaus, causou um agravamento ainda mais extremo no estado, que sofreu com a falta de oxigênio. Em sequência, entre fevereiro e março, as outras regiões brasileiras passaram pela mesma situação. Foi quando o Rio Grande do Sul entrou em bandeira preta pela primeira vez, e atingiu um pico nas mortes no mês de março.
Mas a ameaça de uma terceira onda não é exclusividade nossa. A situação da Covid-19 voltou a se agravar na Europa e nos Estados Unidos há algumas semanas. De efeito da segunda onda de Covid-19 os hospitais já se aproximam do limite de capacidade de atendimento. Como consequência, líderes de nações como Reino Unido, Espanha e França decretaram toques de recolher e lockdowns. Por consequência, é provável que o mesmo ocorra no Brasil, embora seja cedo para afirmar. Isso deve demorar alguns meses, já que o país ainda não registrou uma queda consistente no número de novos casos por dia.
A verdade é que a pandemia de coronavírus tem sofrido novas ondas no mundo todo. De acordo com o último boletim epidemiológico da Organização Mundial da Saúde (OMS), globalmente, os novos casos de Covid-19 aumentaram exponencialmente. O Instituto Robert Koch, da Alemanha, diz que a terceira onda é impulsionada por uma flexibilização das restrições, além das variantes do novo coronavírus, que são mais transmissíveis, e prevê um grande salto no número de casos. Especialistas afirmam que a vacinação lenta e o relaxamento da população podem ter levado à escalada de casos, hospitalizações e mortes por Covid.
Brasil – As previsões para o verão brasileiro eram relativamente otimistas em setembro e outubro, explica Ethel Maciel, pós-doutora em epidemiologia e professora do Departamento de Enfermagem da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo). “Pensamos que passaríamos o verão com baixo número de casos. O vírus está desafiando as nossas previsões, é algo preocupante. Pelas nossas previsões, teríamos uma segunda onda lá para abril e maio, já com a vacinação em andamento.”
O médico e epidemiologista Eliseu Alves Waldman, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) considera, inclusive, que o Brasil pode viver uma “terceira onda” sem que nem mesmo ter saído da anterior. “Saiu um artigo mostrando que o coronavírus está assumindo uma sazonalidade em todo o mundo, mostrando com dados e uma análise epidemiológica a respeito. Se isso ocorrer aqui no hemisfério sul, nós, que estamos na vigência de uma segunda onda sem que tivéssemos saindo da primeira, e possivelmente pelas dificuldades de uma vacinação em massa, continuaremos em um patamar elevado. Quando chegar maio [outono na parte mais populosa do País], isso não nos permite uma visão otimista.” Os meses de frio no Brasil são tradicionalmente marcados pelo aumento de doenças causadas por vírus respiratórios, como é o caso da Covid-19
Diferente de março do ano passado, quando o “fique em casa” foi compreendido pela maior parte da população, hoje, muita gente está cansada do isolamento. “Eu acho que a gente vai piorar muito antes que melhore. Entramos em uma situação com este ambiente político que foi criado que temos visto até dificuldade dos governadores de instituir medidas mais duras. Está difícil conseguir convencer as pessoas”, observa a professora da Ufes.
No Amazonas, quando o governador Wilson Lima (PSC) anunciou um lockdown após o Natal, centenas de pessoas foram às ruas para protestar contra o fechamento do comércio, e ele recuou da decisão. Duas semanas depois, o sistema de saúde do estado entrou em colapso com pessoas morrendo por falta de oxigênio. O Amazonas foi, no ano passado, o primeiro estado a sentir com força o impacto da pandemia. Houve colapso hospitalar e funerário em Manaus.
A primeira onda, que não foi fácil, pegou fundamentalmente as grandes capitais e, no máximo, uma parte das cidades médias, centros de região, que bem ou mal têm condições mínimas de enfrentamento. Agora, quando chega às pequenas cidades, que é o que está acontecendo, tende a ser dramático. O epidemiologista faz a ressalva de que não há alternativa além das medidas de redução da mobilidade neste momento, principalmente em locais com pouca infraestrutura hospitalar.
“O papel dos gestores é sempre se preparar para o pior cenário. Se ele não se concretizar, ótimo. Mas é melhor nestes casos dramáticos você errar pelo excesso, não pela falta. Prefeitos estão se negando a tomar medidas mais drásticas, mas não têm também condições de atender a população. Possivelmente vão morrer em casa.”
Os epidemiologistas afirmam que é difícil estabelecer um cenário para os próximos meses no Brasil diante de tantas variantes e concordam que tudo dependerá da velocidade como que o Brasil conseguirá vacinar a população. Mas o cenário das vacinas também não pode ser considerado otimista. Os grupos prioritários estabelecidos pelo Ministério da Saúde reúnem cerca de 77 milhões de pessoas. Com duas doses, o país precisaria ter mais de 154 milhões de vacinas disponíveis para cobrir as quatro etapas. Além disso, por ser uma descoberta relativamente nova, divulgada em 12 de janeiro, não se sabe nem mesmo se as vacinas que estão previstas para uso na campanha de imunização contra covid-19 no país são eficazes contra a variante brasileira.