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Uma nova polêmica trouxe a tona um assunto ainda engavetado no Brasil: o homescooling, um processo de aprendizagem feito fora da escola, no qual a criança ou adolescente não freqüenta uma instituição de ensino, seja ela pública ou particular, já que as aulas são lecionadas em casa pelos genitores ou por professores particulares contratados. O tema veio à tona recentemente quando uma estudante de Sorocaba (SP) foi proibida pela Justiça de cursar faculdade porque fazia homeschooling; Elisa de Oliveira Flemer, de 17 anos, já passou em faculdade particular, tirou quase mil na redação do Enem e, recentemente, conquistou o 5º lugar no curso de engenharia civil da Escola Politécnica da USP, por meio do Sisu.

Elisa não freqüenta a escola desde 2018 e estuda seis horas por dia em casa, seguindo um método próprio. Quando começou a fazer ‘homeschooling’, ela estava no primeiro ano do ensino médio.  A adolescente descobriu a modalidade pela internet, principalmente em sites em inglês, e diz que se apaixonou pela ideia. Para saber se o método de estudo em casa tinha dado certo, ela começou a prestar vestibulares aos 16 anos e as aprovações não pararam de chegar.

No entanto, por não ter completado o ensino médio em uma escola tradicional e sem diploma, ela não pôde entrar na faculdade. A família recorreu à Justiça e, em outubro de 2020, o Ministério Público foi favorável a conceder a liminar e permitir que a estudante entrasse na faculdade. A promotora Maria do Carmo Purcini considerou que a jovem é portadora do espectro autista e tem um excepcional desempenho.

O pedido de liminar para que ela entrasse na faculdade, no entanto, foi negado.  A juíza Erna Tecla Maria alegou que o “homeschooling” não está previsto na legislação e não foi admitido como ensino apto para certificar o estudante.  Na decisão, a juíza diz também que a jovem não exibiu documentos que comprovem “altas habilidades e maturidade mental para freqüentar o ensino superior em detrimento da educação básica regular”. A opção seria fazer o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Porém, ele só pode ser realizado por maiores de idade.

Depois da proibição, a estudante recebeu várias propostas de emprego e foi procurada por  outros estudantes que também fazem “homeschooling”. “São muitas famílias que adotaram o ‘homeschooling’, mas elas têm que ficar escondidas por causa da lei. Falei com a minha mãe que começou a surgir ‘homeschooling’ de todos os lugares (risos). Para mim, pelo menos, era muito difícil encontrar ‘homescooling’. Quando eu comecei, eu me perguntava se eu deveria falar para os amigos, eu tinha medo”, explicou a estudante, que pretende gravar vídeos na internet para explicar sobre o assunto a outros jovens. Para ela, que agora vai estudar nos EUA, falar sobre a conscientização do método e debater as falhas na educação é algo essencial.

O termo homeschooling se refere ao ensino doméstico e é um assunto polêmico entre especialistas em educação. O movimento, que surgiu na década de 1970 pelo professor e escritor John Holt, propõe uma reforma educacional do sistema. Para isso, era necessário apenas atender a pré-requisitos de apresentar planos de ensino aos órgãos de educação. Na verdade, a proposta não é novidade, já que antes da criação de escolas públicas, a educação das crianças de um modo geral acontecia no seio familiar. Essa prática ressurgiu nos Estados Unidos na década de 1970 e agora é legalmente permitida em 63 países, como África do Sul, Rússia, Reino Unido, Canadá, França e Finlândia.

No Brasil, a educação domiciliar não é permitida. Atualmente, um projeto do Governo Federal para permitir o “homeschooling” está em andamento no Congresso. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que seria uma opção para quem pretende seguir o modelo, sem ser obrigatório.

Quem é a favor defende o direito de escolher como educar as crianças e adolescentes. Já quem é contra teme conseqüências pedagógicas e sociais que podem surgir com a falta de freqüentar uma escola.  Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o “homeschooling” não é inconstitucional, mas que deve haver uma norma para seguir o ensino em casa.

Para a professora do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em psicologia em educação Ângela Soligo, é preciso buscar ajuda especializada antes de o aluno trocar a escola pelo “homeschooling”. Ângela explica que a escola não é apenas um ambiente para ter acesso a conteúdos, mas também para socializar, conviver com diferentes perspectivas, debater e refletir. “Se abrir essa exceção, todos os treineiros (alunos de 1º e 2º anos do ensino médio que prestam vestibular para treinar) terão o mesmo direito”, diz.

A doutora em educação pela Universidade de São Paulo Flavinês Rebolo, segue a linha de pensamento de Ângela Soligo de que a escola é muito mais do que um ambiente para estudar. “A escola é também e especialmente um lugar, um espaço de socialização que contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional, da empatia”, explica.

 

(Fontes UOL, BBC e G1)