“Lenda das corridas de montanha morre em prova na França”. É com esse título que a revista Veja se refere ao maratonista de Avaré, Orlando Tsuyoshi Yamanaka, de 59 anos, que morreu dia 23 após cair de uma montanha na França. O atleta despencou de uma altura de quase 100 metros enquanto participava da Ultra-Trail du Mont-Blanc (UTMB), a mais tradicional ultramaratona de montanhas do mundo.

Orlando era um dos mais respeitados corredores de montanha de São Paulo e do Brasil, além de ser considerado a ‘Enciclopédia da Ultramaratona’. O maratonista tem recebido inúmeras homenagens da imprensa esportiva incluindo um tributo escrito pelo ultramaratonista Ricardo Nishisaki publicado no portal Lance e republicado em outros sites (leia abaixo).

Com quase 15 anos de experiência, o maratonista já havia participado de dezenas de competições na modalidade. Yamanaka foi o primeiro brasileiro a completar a Ultra Trail do Monte Fuji, uma corrida por trilhas na montanha mais alta do Japão, com 3.776 metros.

Além das competições de corrida, Orlando também era proprietário de um restaurante em Avaré, onde morava. Antes de se apaixonar pela culinária e pelo esporte, ele era funcionário de uma agência bancária. A paixão começou com a corrida de rua e foi evoluindo na modalidade, até alçar voos mais altos em maratonas montanhosas. A prova em que ocorreu a fatalidade, por exemplo, é considerada de alto nível.

Essa não foi a primeira vez que o atleta experiente participava da prova de alto nível de exigência. Para fazer o circuito, os interessados precisam comprovar experiência na área e resistência física.

O acidente

O atleta se acidentou em uma das modalidades oferecidas, a de ultra resistência, onde os participantes percorrem 300km de distância a uma altura de 25 mil metros de altitude.

Segundo relatos, a equipe estava em um trecho escorregadio, com pedras e água. Yamanaka teria escorregado, caiu de uma altura de quase 100 metros e bateu a cabeça, por isso não resistiu.

Segundo a organização do evento, o acidente aconteceu por volta de 1h30 da segunda-feira (22/8), quando o atleta estava na cidade francesa de Les Contamines. Uma equipe de resgate foi acionada e chegou até o local de helicóptero para prestar atendimento, contudo, ele já não apresentava sinais vitais.

 

Tributo ao ultramaratonista Orlando Yamanaka

Eu não conhecia o Orlando (Yamanaka, de 59 anos, que morreu na noite desta segunda-feira (22) após um acidente durante uma das provas da Ultra-Trail du Mont-Blanc) pessoalmente. Certamente estivemos nas mesmas provas trail por aí, cheias de desafios, montanhas, lindos visuais e perrengues monstros, mas ele provavelmente seguia à minha frente nas provas.

Não só por ser mais capacitado que eu, mas também por ser um grande estudioso e um grande conhecedor de todas as provas do mundo trail. Sabia onde ficava cada inclinação, a distância entre os postos de controle, sabia que um determinado trecho tinha um terreno mais complicado, que o topo da próxima montanha poderia ser muito frio. Ele podia nunca ter estado ali, mas já tinha conversado com alguém, lido algo, visto um vídeo, era um pesquisador infatigável e apaixonado desse mundo trail.

E ele não fazia isso só para encarar melhor as provas, mas também porque adorava a informação, a mística, os eventos e tudo o que mais cercava esse mundo de corridas de montanha.

Como eu disse, eu não conheci pessoalmente o Orlando. Mas não precisei conhecê-lo, embora tenha certeza que seria um grande prazer encontrá-lo fisicamente para saber de tudo isso. Porque o Orlando não só sabia, como ele também adorava compartilhar esse saber. O maior conhecimento que o Orlando tinha sobre o mundo trail era saber escrever, compartilhar, conversar e divulgar tudo o que conhecia a respeito, justamente para fazer com que tudo isso chegasse e apaixonasse mais pessoas pelas montanhas.

O Orlando era uma referência e uma enciclopédia do mundo trail para todos os atletas. Dos mais novatos e inexperientes até os mais consagrados, todos sabiam que poderiam procurá-lo para tirar uma dúvida, contar uma história ou compartilhar um “causo” sobre uma prova, um lugar, uma montanha, um equipamento ou algo ligado à vida trail.

Eu não conheci o Orlando pessoalmente, não sei como era a sua risada ou sua voz, conheci apenas seus textos, suas dicas, suas análises e as impressões que seus amigos tinham dele. E justamente por isso lamento não tê-lo conhecido e já tenho saudades do que não vi, porque esse pouco que conheci era excelente, inteligente, interessante e instigante.

O mundo trail é enorme, vasto, existem provas e montanhas em todos os lugares do mundo e o Orlando parecia conhecer todas. E quem conhecia o Orlando acabava conhecendo tudo isso também, porque o que era dele era de todos. A sua sede de vida e conhecimento era proporcional à sua sede de informar e compartilhar essas informações com quem se interessasse por isso.

Eu não conheci o Orlando. Talvez até esteja errado sobre ele em uma impressão aqui ou ali. Mas é como se o tivesse conhecido, por todas as lições que ele deixou neste mundo e que vão se perpetuar na memória de quem o conheceu. Talvez sem saber ele fosse o melhor professor, o melhor jornalista, o melhor aluno e o melhor leitor que o mundo trail pudesse ter, tudo isso ao mesmo tempo.

É uma pena que não tenha conhecido o Orlando. Mas que bom que o conheci.

 

*Ricardo Nishisaki é ultramaratonista (revista Lance)

 

(Foto Lance | Reprodução)