Nunca se falou tanto em autismo e é impossível não observar o aumento de casos. Não é impressão. É fato. O número de pessoas diagnosticadas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) tem aumentado sensivelmente nos últimos anos. Um recente relatório publicado pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), nos Estados Unidos, aponta que o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista) na infância aumentou 22%: a prevalência atual (com dados de 2020) é de 1 caso para cada 36 crianças de 8 anos, contra 1 para cada 44 no levantamento anterior (com dados de 2018), indicando que o TEA está presente em 2,8% da população infantil.
Para se ter uma ideia, no ano 2000, a prevalência estimada era de 1 caso para cada 150 crianças. O Censo escolar do Brasil também registrou um aumento de 280% no número de estudantes com TEA matriculados em escolas públicas e particulares apenas no período entre 2017 e 2021. No Brasil, dados da Organização Mundial da Saúde sugerem a existência de dois milhões de autistas, mas esta estimativa é considerada desatualizada. Levantamento recente do Center for Disease Control and Prevention dos EUA mostrou que, se nos anos 1970 o número de diagnósticos de TEA estava na faixa de 1 para cada 10 mil crianças, em 1995 já havia pulado para 1 em cada mil e continuou crescendo aceleradamente, até chegar a 1 a cada 59 em 2018 e 1 a cada 44 segundo relatório de 2022. Se essa proporção for adaptada para a população brasileira, isso resultaria em um contingente de mais de 4 milhões de pessoas.
Enquanto número de diagnósticos dispara, os estudos das causas e características do TEA se transformaram em um tema central da área de neurodesenvolvimento. O estudo dos mecanismos neurobiológicos e psicocognitivos subjacentes aos sintomas, aumentou consideravelmente na última década, pois elucidar o TEA é necessário para entender como funciona o comportamento social, o que faz o estudo do transtorno extremamente relevante do ponto de vista de entendimento do funcionamento cerebral.
Sabemos hoje que o TEA se trata de uma condição multifatorial, ou seja, que envolve uma interação ainda desconhecida entre fatores genéticos e ambientais. Também está estabelecido que ele se apresenta em diferentes graus, que vão desde o TEA de alto funcionamento, marcado por dificuldades de interação social, mas que não incorre em prejuízos cognitivos, até manifestações mais severas, que englobam, além dos problemas de socialização, problemas de comunicação e comportamentos repetitivos. Porém, no que tange aos fatores causais, ainda não há um paradigma estabelecido, e diferentes hipóteses a respeito dos mecanismos envolvidos no TEA estão em discussão.
Mas como explicar esse aumento em tão pouco tempo? Segundo especialistas, algumas hipóteses são o maior acesso da população aos serviços de diagnóstico; a formação de profissionais capazes de detectar o transtorno; pais, professores e pediatras mais conscientes e informados para levantar as primeiras suspeitas; ampliação da compreensão do que é autismo e possíveis fatores ambientais que colaboram para a maior frequência de TEA.
Importante sempre reforçar que a avaliação para qualquer diagnóstico é multidisciplinar, a partir de uma sequência de consultas e observações clínicas com diferentes profissionais de saúde.
Em relação aos fatores ambientais, chama a atenção que os mais comuns possam ser a idade dos pais e alterações na gravidez. A ciência estuda quais fatores ambientais (externos) que, associados a questões genéticas, podem aumentar o risco de um bebê nascer com TEA. Alguns deles já são consensuais: idade mais avançada do pai e/ou da mãe; uso de determinados medicamentos durante a gestação (como valproato de sódio, que trata a epilepsia) e estresse gestacional.
Como, atualmente, ter filhos após os 35 anos é cada vez mais comum, pode haver alguma contribuição disso no aumento de casos de TEA. “Tem gente que fala que não houve aumento da incidência, e sim do diagnóstico. Outras correntes acreditam que o risco de autismo aumentou, sim. Não há uma resposta. Eu, com 32 anos de formada, nunca vi tantos casos”, diz a médica Cristiane Cobas, do Sírio-Libanês.
Outros fatores ambientais ainda estão sendo estudados, sem evidências científicas tão fortes, como o uso do Tylenol na gravidez e o consumo de pesticidas. É importante deixar claro que, ao falar dessas questões externas, os cientistas ainda analisam o que pode interferir na gestação. Nenhuma criança “adquire” o autismo depois do nascimento, por mais que o diagnóstico chegue quando ela já tem 2 ou 3 anos, por exemplo.
Talvez não fosse preciso nem frisar, mas vamos lá: vacinas não causam autismo, fato já confirmado em muitas pesquisas. Há quem ainda acredite nessa associação por causa de um boato disseminado em 1998, quando um estudo associou a vacina tríplice viral e a de sarampo a uma maior predisposição ao transtorno. Mas eram dados com uma série de falhas – o médico responsável pelo trabalho foi posteriormente impedido de exercer sua profissão, e a revista científica que havia divulgado o estudo teve de se retratar publicamente.
Pesquisadores afirmam que o autismo tem causas genéticas e ambientais. Em geral, ele é poligênico, ou seja, mais de um gene é afetado e a lista de genes alterados que podem levar ao autismo tem crescido muito nos últimos anos.
“Pode haver uma combinação genética de um pai que tenha genes de risco, mas que não seja autista, com uma mãe que também tenha genes de risco, sem ter o transtorno. Juntos, os dois ‘enchem o recipiente’ e geram um bebê com autismo”, explica a médica Patrícia Braga.
Mais diagnósticos?
“Não podemos afirmar que não houve aumento nos casos de autismo em si, e que a única explicação para isso é um aumento nos diagnósticos graças a todos os motivos que apresentamos aqui”, dizem especialistas do Autismo em Dia, blog direcionado ao assunto. Segundo eles, existem ainda outros fatores ambientais que podem sim ter interferido nisso, como por exemplo:
- Novamente o aumento no número de concepções tardias: esta pode ser uma das razões pelas quais há um ligeiro aumento no número de bebês que nascem com traços autistas. Afinal, a idade avançada dos pais é um fator importante que aumenta as chances de autismo no bebê.
- A sobrevivência de bebês muito prematuros (prematuridade é um fator de risco para o autismo) é mais comum agora do que antes, graças aos avanços da medicina moderna.
- Mais uma vez, a exposição a toxinas ambientais como pesticidas, consumo de certos medicamentos durante a gravidez (como antiepilépticos e antidepressivos, por exemplo), certas infecções maternas durante a gravidez e consumo de álcool durante a gestação também podem ser outras razões pelas quais temos maiores incidências de bebês nascidos com autismo.
“Vale citar que, quanto ao último tópico, não recomendamos, de forma alguma, que as mães interrompam os medicamentos de uso contínuo, afinal, isso pode acarretar problemas ainda mais graves e que colocam a vida da mãe e do bebê em risco. Apenas os médicos que fazem o acompanhamento da gestante podem orientá-la quanto a interromper ou substituir qualquer medicação a fim de se evitar qualquer predisposição ou risco ao bebê”, frisam.
(Fontes Autismo em Dia, Jornal da Unesp, G1, BBC, Abril Bebê e IBGE)