Muito se fala em fazer um mundo melhor para o futuro, mas a verdade é que precisamos falar sobre o futuro dele. Chover no molhado? Talvez, embora a chuva esteja mais para tempestade. Não é a primeira vez que abordamos a questão climática do planeta, mas é necessário insistir no tema sempre buscando maior conscientização e mudança de comportamento.

Contudo, essa matéria não é sobre o futuro do planeta porque infelizmente esse futuro é uma incógnita. Não se trata de alarmismo e sim de realismo. Essa capa é sobre o que já estamos vivendo e sobre o que podemos fazer para deixar um mundo melhor, mais ameno e vivível.

A sensação que se tem, além dos radicalismos do clima, é que as previsões dos cientistas foram completamente antecipadas. O que seria um futuro distante agora é um presente e ainda estamos atordoados com isso.

Sinais e alarmes não faltam. Temperaturas batem recorde para cima ou para baixo, em meio a mega incêndios como no Havaí.

O dia 3 de julho foi (até agora) o dia mais quente já registrado no planeta, de acordo com dados do Centro Nacional de Previsão Ambiental dos Estados Unidos, ligado à Administração Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês). Os termômetros globais atingiram a média de 17,01ºC — o que supera o recorde anterior, de 16,92ºC, anotado em agosto de 2016.

O sul dos EUA sofreu uma intensa onda de calor e na China, uma onda de calor duradoura continuou, com temperaturas acima de 35ºC. O norte da África registrou temperaturas próximas a 50ºC.  E mesmo a Antártida, atualmente em seu inverno, registrou temperaturas anormalmente altas. A Base de Pesquisa Vernadsky da Ucrânia, nas ilhas argentinas do continente branco, quebrou recentemente seu recorde de temperatura em julho, com 8,7ºC. “Este não é um marco que deveríamos comemorar”, disse o cientista do clima Friederike Otto, do Instituto Grantham para Mudanças Climáticas e Meio Ambiente do Imperial College London, na Grã-Bretanha. “É uma sentença de morte para pessoas e ecossistemas.”

Os cientistas disseram que a culpa é das mudanças climáticas, combinadas com um padrão emergente do El Niño. “Infelizmente, este promete ser apenas o primeiro de uma série de novos recordes estabelecidos neste ano, na medida em que as emissões crescentes de dióxido de carbono e gases de efeito estufa, junto com um crescente evento do El Nino, levam as temperaturas a novos recordes”, disse Zeke Hausfather, pesquisador-cientista da Berkeley Earth, em um comunicado.

A temperatura mais alta registrada na Terra foram os 56,7°C na vila de Furnace Creek Ranch, em uma região dos Estados Unidos conhecida como Vale da Morte, na Califórnia. O recorde foi aferido em 10 de julho de 1913. Segundo o último censo, menos de 140 pessoas vivem no local, que possui um grande hotel para receber os visitantes que desejam uma experiência escaldante. Já a temperatura mais baixa registrada foi em Vostok, na Antártida, onde os termômetros atingiram -89,2°C em 21 de julho de 1983. A OMM comparou com dados recolhidos desde 1912 para chegar a esse recorde.

Em maio deste ano, os Estados Unidos anotaram 543 tornados em um único mês. Aliás, o Hemisfério Norte experimenta uma sucessão de eventos extremos de calor com recordes históricos de temperatura e períodos excepcionalmente quentes prolongados.

Na Europa, o sul do continente foi castigado por uma brutal onda de calor que assolou o Norte da África e parte do Oriente Médio com superaquecimento das águas do Mediterrâneo. Espanha, Grécia e Itália foram os países mais castigados.

Junho deste ano já havia sido o mais quente já registrado na Terra, de acordo com pesquisadores da Organização Meteorológica Mundial, e os cientistas disseram que as duas primeiras semanas de julho foram as mais quentes desde pelo menos 1940, e muito provavelmente antes disso.

Estas ondas de calor excepcional são impulsionadas em parte por variabilidade natural do clima e em parte pelas emissões contínuas de gases que retêm o calor, principalmente da queima de combustíveis fósseis. Este ano, há o agravante do retorno do El Niño, padrão climático cíclico que tende a ser associado a anos mais quentes em todo o mundo.

Este calor extraordinário é um simulado do que possa vir a ser o verão brasileiro? Esta é uma pergunta extremamente difícil de responder pelas características climáticas do Brasil e, em princípio, para a maioria das áreas não é um indicativo de que calor excepcional vai ocorrer entre dezembro e fevereiro. Por quê? Os meses mais quentes do ano nestes locais castigados no Hemisfério Norte pelo calor extremo são os de verão, mas em parte do Brasil as mais altas temperaturas do ano não ocorrem tradicionalmente no verão e sim no fim do inverno e no começo da primavera. O período de junho a setembro marca o que se denomina da estação seca no Centro do Brasil, afetando o Centro-Oeste e o Sudeste.

A cidade de São Paulo é um caso em particular. Os meses mais quentes do ano, na média mensal, são os do verão, de dezembro a março, embora seja o período mais chuvoso do ano. Por outro lado, os extremos de calor com dias de marcas muito altas costumam ocorrer no final da temporada seca, em setembro e outubro.

O que regula os extremos de calor, assim, em grande parte do Brasil é a chuva. Países que no momento enfrentam calor extremo na Europa não possuem uma temporada de monções (chuva) tão marcante como o Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil. No verão, a atmosfera está mais úmida e a chuva é bastante frequente, o que tende a frustrar extremos de calor maiores. Já no fim do inverno e no começo da primavera, quando ainda chove pouco normalmente, e a atmosfera começa a ficar mais aquecida, ocorrem estes extremos de temperatura alta no Centro-Oeste, no Sudeste e em áreas do Nordeste de clima mais árido ou distantes da costa. A maior temperatura registrada oficialmente no Brasil foi de 44,8°C em Nova Maringá, Mato Grosso, em 4 e 5 de novembro de 2020, superando o recorde também oficial de Bom Jesus, Piauí, em 21 de novembro de 2005, de 44,7 °C, de 5 de novembro de 2005. Ambas as marcas não se deram no verão.

A probabilidade que os meses da primavera e do verão tenham temperatura acima da média, e em alguns locais muito acida média, é altíssima em quase todo o Brasil. Do Sul ao Norte. Agosto foi um mês que também registrou temperaturas acima da média para um período que antecede a primavera.

 

Vai esquentar – É fato que o impacto da mudança climática é mais grave do que se temia até agora, razão pela qual a transformação energética terá que ser acelerada, segundo alertaram especialistas em mudanças climáticas num relatório divulgado em março.

Após nove anos de estudos, que ocupam 10.000 páginas, os membros do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgaram um resumo das pesquisas e uma breve pauta de recomendações, que representam um “guia de sobrevivência”, nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres. O sexto relatório de síntese desde a criação do IPCC é um resumo exaustivo de todo o conhecimento sobre o aquecimento do planeta. O informe é o primeiro publicado desde a assinatura do histórico Acordo de Paris em 2015, que estabeleceu como principal meta, para quase 200 países do planeta, limitar o aumento da temperatura média do planeta a +2ºC, e de modo ideal a +1,5ºC.

A principal conclusão da pesquisa é que a temperatura média do planeta aumentará 1,5ºC até 2030-2035. A projeção é válida em quase todos os cenários de emissões de gases do efeito estufa da humanidade a curto prazo, levando em consideração o acúmulo por um século e meio, de acordo com as conclusões do informe.

Porém, “reduções profundas, rápidas e prolongadas das emissões (…) levariam a uma desaceleração visível do aquecimento do planeta em aproximadamente duas décadas”, acrescenta o texto.

“Vários riscos associados ao clima são mais elevados do que estava previsto, dado o nível futuro de aquecimento”, explicam os membros do IPCC. “Com o aumento inevitável do nível dos oceanos, os riscos para os ecossistemas costeiros, as pessoas e as infraestruturas continuarão aumentando após 2100”, explicam.

A questão das “perdas e danos” provocados por episódios meteorológicos extremos é um dos temas mais delicados das negociações do clima. Os anos mais quentes de hoje serão alguns dos mais amenos dentro de uma geração. “O mundo atual é mais frio que o de amanhã, pelo menos por várias décadas”, afirmou Chris Jones, cientista do serviço de meteorologia britânico e um dos principais autores do relatório. Não há alternativa para a humanidade senão descarbonizar o planeta o mais rápido possível.

 

Consequências

Se as emissões de gases de efeito estufa forem reduzidas em 45% até 2030 e em 100% até 2050, chegaremos aos 16ºC de temperatura média da Terra (+2ºC em relação aos 14ºC do século XIX).

Caso os países fiquem indiferentes com as mudanças climáticas, em 2100 chegaremos ao aumento de 4ºC, portanto, a temperatura média do planeta Terra chegará aos 18ºC. Com essa temperatura, os países insulares (países situados em ilhas ou grupo de ilhas) irão desaparecer e, do mesmo modo, milhares de cidades costeiras.

Estas tragédias serão resultado do derretimento das geleiras dos polos Sul e Norte, resultando na elevação do nível dos oceanos e com isso, novos microclimas tendem a surgir, assim como os eventos extremos se tornarão frequentes (estiagem, chuvas torrenciais, ondas de frio e calor extremo).

Outro fator de inquietação, enquanto resultado da elevação drástica da temperatura do Planeta, será o desaparecimento de parte da fauna e flora, potencializando o surgimento de novas e frequentes pandemias. A agricultura e a pecuária mundial também irão sofrer as consequências das mudanças climáticas diretamente. A diminuição do ciclo das chuvas, alteração na temperatura ambiente, desertificação e o surgimento de novas pragas colocarão em risco a soberania e a segurança alimentar da população mundial. Esse conjunto de catástrofes poderá provocar ondas de imigrantes do clima, assim como novas e frequentes guerras, com objetivo de controlar territórios agricultáveis.

O relatório do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas – órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima – confirma o que já se sabia: mesmo se as emissões de gases estufa forem contidas, a vida na Terra será afetada nos próximos 30 anos, com riscos como extinção de espécies, disseminação de doenças, calor insustentável à vida e colapso dos ecossistemas, entre outros. Estas são algumas mudanças apontadas pelo relatório.

 

  • Colapso de ecossistemas

Uma combinação de temperaturas mais elevadas, aridez e secas significa que as temporadas de incêndios florestais em todo o planeta serão mais longas, e as áreas com potencial de queima dobrarão de tamanho: na tundra ártica e na floresta boreal, a área queimada aumentou nove vezes em toda a Sibéria entre 1996 e 2015.

Muitos ecossistemas terrestres, de água doce, oceânicos ou costeiros estão atualmente “perto ou além” dos limites de sua capacidade de adaptação às mudanças climáticas.

Com um aquecimento de 2ºC – até agora, a temperatura do planeta já aumentou em 1,1ºC –, cerca de 15% do permafrost (camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada) siberiano poderia se perder até 2100, liberando entre 36 bilhões e 67 bilhões de toneladas de carbono do solo congelado.

Há um risco de extinção cultural dos povos originários do Ártico se o ambiente no qual construíram seus modos de vida e sua história derreter.

Com emissões altas, a seca e os incêndios florestais podem transformar metade da Floresta Amazônica em savana, produzindo mais aquecimento.

 

 

  • Extinção de espécies

“Mesmo com um aquecimento de 1,5º C, as condições vão mudar além da habilidade de muitos organismos de se adaptar”, destaca o relatório. As taxas de extinção estão se acelerando drasticamente e são estimadas em cerca de mil vezes mais do que antes do impacto das atividades humanas na Terra no século passado.

Até 54% das espécies terrestres e marinhas do mundo estarão ameaçadas de extinção neste século, com o aquecimento de 2ºC a 3ºC com base nos níveis pré-industriais. Espécies de montanhas e ilhas estão particularmente em risco.

Com um aumento de 2ºC na temperatura, animais polares – como pinguins, focas e ursos – e áreas de rica biodiversidade – como recifes de coral de água quente e manguezais – estarão sob ameaça severa. Entre 70% e 90% dos recifes de coral do mundo devem diminuir com um aquecimento global limitado a 1,5ºC. Para além disso, eles sofrerão “perdas mais extensas”. Confrontados com o aumento das temperaturas, muitas plantas e animais irão se afastar em centenas de quilômetros de seus habitats naturais até o fim do século.

 

  • Aquecimento

Um aumento de 1,5°C na temperatura do planeta resultaria em um aumento de 100 a 200% na população afetada por enchentes em Brasil, Colômbia e Argentina, 300% no Equador e Uruguai e 400% no Peru.

No futuro mais imediato, algumas regiões – leste do Brasil, sudeste da Ásia, o Mediterrâneo, centro da China – e as zonas costeiras em quase todo o mundo serão atingidas por três, quatro ou mais calamidades de uma vez: seca, ondas de calor, ciclones, incêndios florestais, inundações.

Inundações, irão deslocar, em média, 2,7 milhões de pessoas anualmente na África. Até 2050, mais de 85 milhões de pessoas podem ser obrigadas a deixar suas casas na África Subsaariana devido a impactos induzidos pelo clima.

Em 2050, as cidades costeiras na “linha de frente” da crise climática terão centenas de milhões de pessoas expostas ao risco de tempestades cada vez mais frequentes e mais mortais devido à elevação do nível dos mares.

Pesquisas recentes mostraram que um aquecimento de 2ºC poderia levar o gelo derretido no topo da Groenlândia e no oeste da Antártica – com água congelada suficiente para elevar os oceanos em 13 metros – a passar do ponto de não retorno. A última vez que os oceanos viram os níveis de acidificação e esgotamento de oxigênio projetados para 2100, com um cenário de altas emissões, ocorreu cerca de 56 milhões de anos atrás.

Ondas de calor marinhas – que podem danificar e matar corais, florestas de algas marinhas, prados de ervas marinhas e invertebrados – se tornaram 34% mais frequentes e 17% mais longas entre 1925 e 2016.

 

  • Seca

“A água é uma das questões com que a nossa geração vai se confrontar muito em breve. A falta de acesso a água potável afetará nossa saúde, não só na luta pela água, mas também em doenças relacionadas à falta de água e saneamento“, afirmou à AFP Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Interrupções no ciclo da água causarão o declínio de cultivos básicos dependentes de chuva na África Subsaariana. Até 40% das regiões produtoras de arroz na Índia podem se tornar menos adequadas para o cultivo do grão.

Até 2050, entre 31 e 143 milhões de pessoas terão que se deslocar devido à escassez de água, questões agrícolas e ao aumento do nível do mar na África Subsaariana, sul da Ásia e América Latina, a depender dos níveis de emissões de carbono. Até 75% do suprimento de água subterrânea – a principal fonte de água potável para 2,5 bilhões de pessoas – também podem ser afetados até o meio do século.

Embora o custo econômico dos efeitos do clima sobre o abastecimento de água varie geograficamente, espera-se que ele reduza em 0,5% o PIB global até 2050. Cerca de 350 milhões a mais de pessoas morando em áreas urbanas serão expostas à escassez de água devido a secas severas com um aquecimento de 1,5º C, e 410 milhões com um aquecimento de 2º C.

 

  • Fome

“A base da nossa saúde é sustentada por três pilares: a comida que comemos, o acesso à água e o abrigo. Esses pilares são totalmente vulneráveis e estão prestes a desabar“, disse à AFP Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS). Até 80 milhões a mais de pessoas correrão o risco de passar fome até 2050.

Como acontece com a maioria dos impactos climáticos, os efeitos na saúde humana não serão sentidos da mesma forma por todos; o esboço do relatório sugere que 80% da população sob risco de fome vive na África e no sudeste da Ásia.

À medida que as mudanças climáticas reduzem a produtividade e a demanda por cultivos para biocombustíveis e florestas que absorvem CO2 cresce, os preços dos alimentos devem aumentar em quase um terço em meados do século, deixando mais 183 milhões de pessoas em famílias de baixa renda à beira da fome crônica. Dezenas de milhões de pessoas a mais podem enfrentar fome crônica até 2050 e 130 milhões a mais poderão experimentar a pobreza extrema em uma década se permitirmos o aprofundamento da desigualdade.

Na Ásia e na África, mais 10 milhões de crianças sofrerão de desnutrição e atraso no crescimento em meados do século, sobrecarregando uma nova geração com problemas de saúde para o resto da vida, apesar do maior desenvolvimento socioeconômico. A frequência de perdas repentinas na produção de alimentos já vem aumentando de forma constante nos últimos 50 anos.  O potencial de captura da pesca marinha – da qual milhões de pessoas dependem como principal fonte de proteína – deve diminuir entre 40% e 70% em regiões tropicais da África, se não houver redução na poluição por carbono. O teor de proteína do arroz, trigo, cevada e batata deve cair entre 6,4% e 14,1%, colocando cerca de 150 milhões de pessoas em risco de deficiência de proteínas. Os micronutrientes essenciais – que já estão em falta em muitas dietas do Sul Global – também caem com o aumento das temperaturas.

 

 

  • Doenças

Enquanto as temperaturas em elevação aumentam os hábitats dos mosquitos, estima-se que até 2050 metade da população mundial esteja exposta a doenças provocadas por vetores, como dengue, febre amarela e zika. Sem reduções significativas das emissões de carbono, 2,25 bilhões de pessoas a mais podem ser colocadas em risco de dengue na Ásia, Europa e África. Os riscos decorrentes da malária e da doença de Lyme devem aumentar, e as mortes infantis por diarreia tendem a crescer até pelo menos o meio do século, apesar do maior desenvolvimento socioeconômico em países de alta incidência. As mudanças climáticas aumentarão o peso de doenças não transmissíveis: as doenças associadas à má qualidade do ar e à exposição ao ozônio, por exemplo, “aumentarão substancialmente”.

Haverá também maiores riscos de contaminação de alimentos e água por toxinas marinhas, indica o relatório. Assim como a maioria dos impactos relacionados com o clima, estas doenças irão castigar os mais vulneráveis.

 

  • Calor extremo

O aumento das temperaturas reduzirá a capacidade física de trabalho, com o sul da Ásia, a África Subsaariana e partes das Américas Central e do Sul perdendo até 250 dias de trabalho por ano até 2100. Um adicional de 1,7 bilhão de pessoas serão expostas a um calor severo e 420 milhões serão submetidas a ondas de calor extremas a cada cinco anos se as temperaturas aumentarem de 1,5°C para 2°C de aquecimento.

Até 2080, de 390 a 490 milhões de moradores de cidades na África Subsaariana, e de 940 milhões a 1,1 bilhão no sul e sudeste da Ásia poderão enfrentar mais de 30 dias de calor extremo a cada ano.

 

Ações de mudança – O IPCC destaca que muito pode ser feito para evitar os piores cenários e nos prepararmos para os impactos que não podem mais ser evitados – esta é a lição final.  Mas simplesmente trocar um carro a gasolina por um modelo elétrico ou plantar bilhões de árvores para compensar o modo usual de fazer as coisas não irá resolver o problema.

“Nós precisamos redefinir nosso estilo de vida e consumo”, alerta o documento. “Precisamos de uma mudança transformadora em processos e comportamentos em todos os níveis: individual, comunitário, n`os negócios, instituições e governos”.

Reduzir à metade o consumo de carne vermelha e dobrar a ingestão de castanhas, frutas e vegetais poderia diminuir as emissões de gases-estufa em até 70% até 2050 e salvar a vida de 11 milhões de pessoas até 2030, segundo o relatório.

A preservação e a restauração dos chamados ecossistemas de carbono azul (que sequestram carbono), tais como florestas de algas e manguezais, por exemplo, aumentam o armazenamento de carbono e protegem contra tempestades, além de fornecer habitats para a vida selvagem, sustento para comunidades costeiras e segurança alimentar.

“A vida na Terra pode se recuperar de uma drástica mudança climática evoluindo para novas espécies e criando novos ecossistemas. Os seres humanos não podem”, sinaliza o relatório.

 

Apocalipse climático

 

Até o fim do século, mais de um quinto da humanidade estará exposta a temperaturas perigosamente altas — média de 29ºC ou acima dessa marca. As políticas climáticas atuais conduzem o mundo a um aquecimento de 2,7ºC, tendo como base o século 19. As previsões são de um modelo elaborado pelo Instituto de Sistemas Globais, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e da Universidade de Nanquim, na China. Publicado na revista Nature Sustaintability, o artigo destaca que, com essa elevação, 2 bilhões de pessoas, o equivalente a 22% da população mundial de 2070 (9,5 bilhões), enfrentará grandes desafios para sobreviver.

Segundo os pesquisadores, o Brasil será particularmente prejudicado, com a maior área terrestre exposta ao calor perigoso, no cenário de um aquecimento de 2,7ºC. Toda a região Norte, Mato Grosso, parte de Goiás, além de Maranhão, Piauí e Ceará serão afetados. Já com o limite de aumento de 1,5ºC, poucos municípios do Norte com densidade populacional de até 10 mil por 100km2 sofreriam os efeitos. Os demais estariam poupados.

Os autores do estudo utilizam uma métrica, nicho climático humano, definido como o habitat em que a humanidade prosperou. Pessoas que se encontram fora dessas fronteiras enfrentarão uma luta desigual para garantir a sobrevivência. Estudos anteriores demonstram que a meta do Acordo de Paris, de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até 2100 será praticamente impossível, diante das políticas climáticas atuais.

Segundo os pesquisadores de Exeter e de Nanquim, ater-se à meta de 1,5ºC poderá reduzir a população exposta ao calor extremo de 22% para 5%, ou seja, mais de cinco vezes. Em comparação a um aumento de 2,7ºC, um sexto da humanidade estaria salva de temperaturas perigosas. “Para cada 0,1°C de aquecimento acima dos níveis atuais, cerca de 140 milhões de pessoas serão expostas a um calor perigoso. Isso revela tanto a escala do problema quanto a importância de uma ação decisiva para reduzir as emissões de carbono”, destaca Tim Lenton, diretor do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter.

 

Custos –O estudo também constatou que as emissões ao longo da vida de 3,5 cidadãos globais médios expõem uma pessoa, no futuro, ao calor perigoso. “Isso destaca a desigualdade da crise climática, pois essas futuras pessoas expostas ao calor viverão em lugares onde as emissões atuais são cerca de metade da média global”, lembrou Lenton. “Os custos do aquecimento global são frequentemente expressos em termos financeiros, mas nosso estudo destaca o custo humano fenomenal de não enfrentar a emergência climática.”

Para Tom Oliver, pesquisador ambiental da Universidade de Reading, no Reino Unido, que não participou do estudo, o artigo publicado na Nature Sustaintability indica que “estamos sentados sobre uma bomba-relógio ética”. “O fato de que as populações mais vulneráveis, que também são menos responsáveis pelas emissões do aquecimento global, serão as que mais sofrerão, acrescenta um golpe moral. Os resultados deste estudo reforçam que o clima não respeita fronteiras nacionais. Somos uma população humana interconectada, afetada pelos impactos climáticos e este trabalho nos leva a pensar sobre como podemos responder como cidadãos globais.”

Os autores explicam, no artigo, que, historicamente, a densidade populacional humana atingiu um pico em locais com temperatura média de cerca de 13°C, com ápice secundário em regiões onde os termômetros costumam marcar 27°C (climas de monção, especialmente no sul da Ásia). Da mesma forma, em cerca de 13ºC tem-se a maior produção agropecuária, sendo que é nesse limite que a riqueza de um país, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), atinge o auge.

Aquecimento – Em temperaturas mais altas e mais baixas, a mortalidade aumenta, justificando, segundo os pesquisadores, o conceito de nicho climático humano. Embora menos de 1% da humanidade viva atualmente em locais de exposição perigosa ao calor, o estudo mostra que o aquecimento global já colocou 9% da população global (mais de 600 milhões de pessoas) fora dos limites ideais.

“A maioria dessas pessoas vivia perto do pico mais frio de 13°C do nicho e agora está no ‘meio termo’ entre os dois picos. Embora não sejam perigosamente quentes, essas condições tendem a ser muito mais secas e historicamente não sustentam populações humanas densas”, escreveu, em nota, Chi Xu, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Nanquim.

Enquanto isso, a grande maioria das pessoas que serão deixadas de fora do nicho devido ao aquecimento futuro estará exposta a um calor perigoso, alega. “Tais temperaturas têm sido associadas a problemas como aumento da mortalidade, diminuição da produtividade do trabalho, diminuição do desempenho cognitivo, aprendizado prejudicado, resultados adversos da gravidez, diminuição do rendimento das colheitas, aumento de conflitos e disseminação de doenças infecciosas”, observa Chi.

Embora alguns lugares mais frios possam se tornar mais habitáveis devido às mudanças climáticas, o crescimento populacional é projetado para ser maior em locais com risco de calor perigoso, especialmente na Índia e na Nigéria. “O que esse estudo mostra muito bem é o sofrimento humano direto que a mudança climática pode causar. Os autores não usam essa palavra (referem-se ao custo humano), mas viver fora do nicho significa sofrer devido a um clima insuportavelmente quente e possivelmente úmido”, acredita Richard Klein, especialista em adaptação e risco climático internacional no Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia.

Klein afirma que, tecnicamente, a adaptação é quase sempre possível — quando se tem recursos financeiros para tanto. “As pessoas podem passar a maior parte de suas vidas em prédios com ar-condicionado e importar seus alimentos de outros lugares, desde que tenham meios para isso. Para muitas das pessoas e países afetados, no entanto, isso não é uma opção. A questão, então, é o que essas pessoas farão. Mover-se para lugares mais frescos? Quais lugares eles são e que oportunidades eles terão lá? Isso pode levar a conflitos sobre recursos escassos?”, questiona.

 

Atitudes para ajudar a conter o aquecimento global no dia a dia

 

 

1 – Consuma menos carne

A agropecuária é a principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa no Brasil. De acordo com o último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), mais de 70% das emissões totais do País estão ligadas à atividade, levando em consideração o desmatamento para pastagem, adubação, o metano emitido pelo gado e o transporte dos produtos. Nesse sentido, uma alimentação mais diversificada, com menor consumo de carne vermelha, além de saudável, contribui para reduzir as emissões.

 

2 – Não desperdice alimentos

O relatório do Painel Intergovernamental aponta que cerca de um terço de todo o alimento produzido no mundo é desperdiçado em algum ponto da cadeia. Minimizar essa perda traz ganhos para a segurança alimentar e ajuda na redução dos gases de efeito estufa, emitidos tanto para a produção de alimentos, como no transporte dos produtos, por exemplo. O planejamento das compras ajuda a evitar o desperdício. Além disso, vale apostar na compra de frutas, legumes e verduras que não estão tão bonitos nas prateleiras do mercado, mas que ainda podem ser consumidos. Normalmente, esses produtos ainda têm preços mais baixos.

 

3 – Dê preferência a produtos locais

Procurar fornecedores perto de casa também é uma ótima opção para o meio ambiente. Além da conservação da natureza, isso vai fomentar a economia da região onde você mora, comprar de produtores locais ajuda a diminuir a emissão de CO2 liberado com o transporte dos produtos. Além disso, a maior parte dos pequenos produtores rurais, da agricultura familiar, faz uso de técnicas mais sustentáveis de cultivo.

 

4 – Busque alternativa para o transporte

Caminhar faz bem à saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda 150 minutos de atividade física leve ou moderada por semana, o que equivale a cerca de 20 minutos de caminhada por dia. Por isso, nada melhor que percorrer pequenas distâncias a pé, deixando o carro na garagem. Além de queimar calorias, a escolha reduz a emissão de gases de efeito estufa e, com certeza, o aquecimento global. O uso da bicicleta também é válido. Para quem precisa percorrer distâncias maiores, vale usar o transporte coletivo alguns dias da semana, adotar a carona solidária, compartilhar deslocamentos por meio de aplicativos e dar preferência a veículos elétricos, híbridos ou mais eficientes, com uso de biocombustíveis.

 

5 – Consumo consciente

Repensar o consumo excessivo de produtos ajuda a economizar e ainda contribui com o planeta. Roupas podem ser compradas em brechós ou adquiridas em novas modalidades, como aluguel ou troca de peças. Além disso, é possível investir em produtos duráveis e de melhor qualidade que podem ser usados por mais tempo. Reduzir a compra de produtos descartáveis também ajuda a diminuir a produção de lixo e a emissão de gases de efeito estufa para a produção e o transporte.

 

6 – Cobre políticas públicas

O aquecimento global afeta a todos e, por isso, é importante que o tema seja contemplado em políticas públicas, como ações para conservação da natureza, reduzir o desmatamento, proporcionar a adoção de novas alternativas de mobilidade urbana e incentivar o uso de energias renováveis. Cobre o comprometimento de políticos com essa temática e acompanhe as promessas dos candidatos eleitos.

 

(fontes BBC, Reuters, CNN, G1, R7, Tempo, UOL, Correio Braziliense, Unicamp, Metsul, EM e Bdf)