Não é apenas uma observação. É fato. Estamos – todos – mais intolerantes uns com os outros. E não estamos falando da intolerância à lactose, a medicamentos, alimentos, etc. Estamos falando da intolerância de forma global, desde aquela do trânsito até aquela cercada de preconceito racial, sexual, religioso ou profissional, principalmente nas redes sociais. Na verdade, se fossemos listar os tipos de intolerância o ideal seria fazer um livro (já há vários) e não apenas uma matéria de capa. Quem não se lembra da expressão “Tolerância Zero”? Nem precisa trocar em miúdos, porque é a mesma coisa.
O escritor Rush W. Dozier Jr. diz em Por que Odiamos (M.Books), que há em nosso cérebro uma programação que funde o ódio e a intolerância (co-irmãos) ao uso da força, numa reação primitiva. Para ele terrorismo, fanatismo e outras formas de discriminação são geneticamente inevitáveis, mas parte para a defesa intransigente dos direitos humanos, com uma extensa lista de motivos que vão de Charles Darwin a Thomas Friedman, o ás da globalização.
A filósofa alemã Elisabeth Noelle-Neumann cunhou o termo “espiral do silêncio” para explicar o comportamento da opinião pública. Segundo sua teoria, as pessoas têm medo de serem excluídas da sociedade. É por isso que elas escondem seus pontos de vista, quando não estão de acordo com o pensamento da maioria. Quanto mais as crenças do indivíduo estão distantes do socialmente aceito, mais ele tende a se autocensurar. O movimento só muda quando a cultura de um povo abre espaço para a discussão de novas ideias. Sentindo o apoio de quem está à volta, o sujeito pode expressar suas convicções sem medo de retaliação. Esse modelo teórico serviu para compreender a relação dos grupos sociais com a mídia de massa. Até os anos 1980, a explicação convencia. Porém, hoje ela é insuficiente para analisar as relações humanas.
Um pouco disso tem a ver com as redes sociais. Nesses sites de relacionamento, qualquer usuário pode falar o que bem entende. O discurso público não fica mais restrito a quem aparece no jornal ou na TV. Outra diferença é que ser excluído pelos demais não tem mais tanta importância. As ferramentas de block e unfollow são até um alívio para quem precisa fazer uma limpeza no feed. Se os posts do colega de faculdade ou daquele primo distante não agradam, basta apertar um botão. Pronto: um sem-noção a menos.
O crescimento das redes sociais nos últimos anos contribuiu para que comportamentos intolerantes se tornem mais evidentes. Isso se deve, em primeiro lugar, à velocidade com que as informações circulam na rede. Em questão de minutos, vídeos, textos e imagens, podem ser vistos por milhares de pessoas. Além disso, a rede social permite um certo distanciamento – o que leva a pessoa a dizer coisas que talvez se sentisse constrangida em falar pessoalmente.
As redes sociais também contribuem para a polarização política devido à criação de bolhas virtuais. Bolhas virtuais? Bom, nossas redes sociais não nos mostram todo o conteúdo disponível ou publicado pelos nossos amigos, você sabia disso? Os próprios mecanismos das redes sociais identificam aquilo que gostamos e evitam nos mostrar conteúdos que não nos interessam. Assim, acabamos nos isolando de opiniões diferentes e fortalecendo os extremismos políticos, que por sua vez fortalecem comportamentos intolerantes.
Quando alguém se cerca de conteúdo do próprio interesse, cada vez mais os sites mostram notícias, anúncios e páginas pessoais parecidas. O resultado é que as pessoas deixam de conviver com a diferença e passam a acreditar que o mundo é formado apenas por gente da mesma ideologia. Essa sensação quebra a espiral do silêncio e abre espaço para textões emocionados e raivosos.
Por um lado, a rede permite que grupos antes marginalizados tenham voz para lutar por seus direitos. Coletivos feministas, causa LGBT, movimentos de imigrantes conquistaram uma visibilidade que, tempos atrás, era inimaginável. No entanto, a proteção das bolhas virtuais também incita ao discurso de ódio. Recebendo likes de seus seguidores radicais, alguns usuários se sentem confortáveis para expor comportamentos preconceituosos e racistas. E, infelizmente, essas reações também causam barulho nas ruas. Mas também há o outro lado da moeda; essas reações também foram às ruas protestar contra a corrupção, por exemplo. Aliás, cá entre nós, é muito difícil ser tolerante com corruptos ou criminosos. Contudo, não precisamos matá-los. A Justiça é que – em tese – tem que fazer o papel de condená-los. Isso não significa que não podemos ter opinião e que seremos condizentes com os erros.
É difícil ser tolerante com os intolerantes, não é? Em meio a uma guerra ideológica, respeito é jóia rara. É praticamente impossível dar sua opinião e sair ileso; se você critica o presidente, por exemplo, já se torna um esquerdinha a favor do aborto, da legalização da maconha, um homofóbico, xenofóbico e por aí vai. Se você o elogia, é de direita radical, bolsominion, racista, machista, defensor da família, da pena de morte e por aí vai. Tudo isso é uma comparação pra pegar leve. Há coisa muito pior. Seja como for, ambos os lados são intolerantes uns com os outros e não toleram opiniões que não sejam semelhantes as deles. As milícias na verdade são iguais; só mudam as bandeiras.
O que é intolerância? – Abra um dicionário; ops! Procure no Google o significado da palavra “tolerância”. Uma das definições que encontrará é: “boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas.” A intolerância então, seria o oposto disso, certo? Aceitar aquilo que não se quer, ou ouvir com paciência opiniões diferentes das suas, são virtudes necessárias para a convivência em uma sociedade democrática e pacífica. Porém, de tempos em tempos, vemos o enfraquecimento desses valores, não só no Brasil, mas no mundo todo.
Se formos mais longe na história, encontraremos exemplos de impérios que se construíram à base de muita violência e de extermínio de populações. Os romanos, por exemplo, impunham a sua cultura sobre outros povos por se considerarem superiores. Na Idade Média, a Igreja Católica perseguiu e puniu aqueles que possuíam uma crença diferente da que pregava (incluindo crianças queimadas com as mães nas fogueiras). Existe algo tão intolerante e abominável quanto isso?
Podemos encontrar diversos exemplos de intolerância extrema em regimes ditatoriais, como foi o caso do Nazismo na Alemanha, do Fascismo na Itália e do Stalinismo na União Soviética. Em todos esses casos houve restrição das liberdades individuais e diversos tipos de violência. É bastante evidente nesses regimes a ideia do ultranacionalismo. O ultranacionalismo é uma corrente de pensamento que valoriza de maneira extrema as características de uma nação. Nesses casos, é muito comum que haja desvalorização e intolerância ao que vem de fora. Segundo dados do Dossiê Intolerâncias visíveis e invisíveis no mundo digital 44% dos casos de assassinatos de homossexuais no mundo acontecem no Brasil. Os casos de xenofobia no país vêm crescendo nos últimos anos. De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos a cada 15 horas há uma denúncia de intolerância religiosa no Brasil.
De onde ela vem?
Mas afinal, por que a sociedade se torna intolerante? De acordo com o Dossiê sobre Intolerância do Guia do Estudante, são três as principais motivações para comportamentos intolerantes. Vamos entender cada um deles?
Intolerância: isolamento e cultura do medo
A dificuldade em aceitar diferenças faz com que se veja uma ameaça naquele que não é um semelhante, o que como consequência gera um isolamento de grupos. Exemplos de situações como essa são o isolamento de minorias historicamente excluídas, como os negros e os índios. Atualmente, devido à crise imigratória, também há casos de isolamento em relação à imigrantes e refugiados, que pelo impacto que podem causar nos países que chegam, passam a ser vistos como inimigos.
Intolerância: individualismo e imediatismo
A coletividade e solidariedade dão lugar ao individualismo. Isso significa que o indivíduo está mais preocupado com as satisfações pessoais do que em pensar no coletivo. O imediatismo, por sua vez, retrata uma sociedade de pessoas que não se interessam em ouvir opiniões divergentes das suas. Ou seja, se há uma crença definida e pouca disposição para entender diferentes pontos de vista, há maiores chances de que comportamentos intolerantes sejam praticados.
Intolerância: as crises políticas e econômicas
As crises, tanto políticas quanto econômicas, costumam fortalecer grupos políticos que defendem comportamentos intolerantes. Isso porque, quando um país enfrenta uma crise, é comum que se busquem culpados – nesses momentos, surgem figuras políticas de posicionamento mais extremo com propostas simples para problemas complexos. Para ficar mais claro, vamos pegar o próprio exemplo do Holocausto. A Alemanha enfrentava uma situação econômica difícil desde que foi derrotada na Primeira Guerra Mundial. A ideologia Nazista defendia que os judeus eram culpados pela crise e, bom, o final da história você já sabe. Outro exemplo mais recente é o surgimento de vários partidos de extrema direita na Europa, que defendem o fechamento das fronteiras para evitar a entrada de imigrantes, que são entendidos como uma ameaça à seu padrão de vida, segundo alguns grupos de pessoas.
Viver com a diferença é inevitável
Na história da humanidade sempre houve o opressor e o oprimido. O universo animal sempre se apoiou na lei do mais forte, porém, para os seres humanos isso não é válido, pois não somos apenas dotados de dignidade, mas reclamantes da mesma e seres de raciocínio. A lei busca nos proteger, mas é na moral que somos defendidos dos erros passados e presentes que estão enraizados como cultura. O esclarecimento se conquista aos poucos e é podando atitudes como essa que se evita novos “Holocaustos”. A maioria das pessoas não sabe, mas a Eugenia, que inspirou as atitudes de Hitler, tem seu pai em Francis Galton, um inglês, e sua prática como um ato de “limpeza genética”, com direito a castração química, começou nos Estados Unidos pré Segunda Guerra.
O que se tornou um massacre partiu de ideias praticadas por grupos que mais tarde foram aclamados como heróis. Isso levanta a questão sobre onde começam ações hediondas e o cuidado que se deve ter na hora de manter e conquistar respeito e dignidade para o ser humano. Atitudes de violência à dignidade devem ser combatidas com esclarecimento, com ética, com mudança moral. Curiosamente, foi no pós Segunda Guerra, com o Código de Nurembergue, que o mundo começou a mudar. A passagem da era do consumo para a da informação, nos anos 1990, também foi um forte fator. Com isso passou-se a refletir em cima do poder que a impunidade dava aos intolerantes e isso nos levou a uma evolução histórica que está culminando nessa primeira metade do século XXI.
Quando a mudança é legal, apenas, isso não se reflete no comportamento real da sociedade, mas quando o esclarecimento é moral e, por sua vez, gera ações éticas, se repensa o que aconteceu. As ideias de eugenia foram quase extintas. O acesso a informação gerou conhecimento e debate. Tudo como reflexo da compreensão de onde aquela postura levou a humanidade. Graças ao acesso à informação, trazido pela internet, o oprimido ganhou voz, se tornou protagonista e inclusive pode dizer ao opressor que atitudes pequenas como uma “piada” reforçavam culturas de perda de dignidade.
Hoje, se entende a necessidade de considerar o ser humano como fim último do esclarecimento como ferramenta de crescimento. O século XXI é detentor de uma sociedade intolerante à intolerância e esse é um dos primeiros passos para criar gerações mais conscientes, mais cheias de ética nas posturas. Está na informação da ética, a raiz motora de todo movimento igualitário e discussão que leva nossa sociedade a uma era de dignidade.
As crises de um povo têm impacto em várias partes do globo. Guerras no Oriente Médio, por exemplo, geram uma onda migratória de famílias em busca de um recomeço. Os refugiados chegam, sem dinheiro nem perspectiva, a países da América e da Europa. Eles precisam de assistência e de oportunidades de trabalho. O choque com uma cultura de fora assusta os cidadãos mais conservadores. Alguns respondem com violência, verbal ou física. A desculpa para a intolerância é quase sempre a mesma: proteger os empregos e os valores da nação. Vários estudiosos se debruçam sobre essas questões. Segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens, a dúvida é uma característica forte da atualidade. O século XXI é marcado por aceleradas transformações tecnológicas e comportamentais. Isso gera incerteza: o que fazer? Como agir? Qual papel devemos assumir?
Em meio ao desconforto, é natural haver quem se apegue às tradições e prefira deixar tudo como está — ou como era antes. Só que o mundo é plural. A informação não encontra mais fronteiras. A economia está globalizada e precisa da força trabalhadora de diferentes regiões. O contato com a diferença é inevitável. Mais que isso, pode ser positivo. É no diálogo e na troca de experiências que uns conhecem as necessidades dos outros. Somente assim a sociedade consegue ir adiante. Entender que o outro faz parte do mesmo mundo que nós é o caminho para uma vida mais harmoniosa. E é sempre bom lembrar que são as discordâncias que fazem uma sociedade mais justa e igualitária.
Menos intolerância e mais respeito com a opinião contrária
Basta navegar por alguns minutos na internet para presenciar inúmeras e incontáveis cenas de intolerância, das mais variadas. Parece que não é possível ter opiniões divergentes, sem que isso cause um problema entre as pessoas. Um estudo recente analisou dez tipos de intolerância praticados pelos internautas do Brasil. No total, foram verificadas 393.284 menções feitas no Facebook, Twitter, Instagram e em blogs. As expressões revelam preconceitos com relação a classes sociais, deficiências, posições políticas, idade, raça, religião, além de homofobia, misoginia e xenofobia. A análise foi feita pela agência Nova com o auxílio de um software de monitoramento; o material mostrou que o maior índice de intolerância praticado nas redes é com relação à política, com quase 220 mil menções – mais de quatro vezes mais do que a misoginia, que aparece em segundo lugar, com 50 mil, seguida por preconceitos relacionados à deficiência, aparência e raça. Minas Gerais foi o terceiro estado com o maior volume de postagens intolerantes no país; São Paulo ficou em segundo lugar e o Rio de Janeiro (quem diria…), liderou o ranking.
“A intolerância nas redes é resultado direto de desigualdades e preconceitos sociais em geral; não é uma invenção da internet. O que ocorre é que o ambiente em rede facilita a expressão; às vezes, através do anonimato. O mundo virtual é, portanto, mais uma forma para que os intolerantes se manifestem e ampliem o seu alcance”, destaca Bob Vieira da Costa, sócio-fundador da agência Nova.
Atitudes predominantes em pessoas intolerantes
Além de outras características pessoais, existem atitudes predominantes em pessoas intolerantes. Isso quer dizer que, em maior ou menor medida, você vai perceber algumas disposições que serão associadas com o pensamento inflexível. Vamos ver o mais comum e identificável.
- Fanatismo
Em geral, uma pessoa intolerante demonstra a intolerância quando ela defende suas crenças e posturas. Politicamente, religiosa, etc. espiritual, ela é incapaz de falar sem adotar pensamentos extremistas, porque ela acha que sua visão é a única válida. Na verdade, ela vai tentar exercer hegemonia sobre os outros impondo sua maneira de ver o mundo.
- Rigidez psicológica
Pessoas intolerantes rejeitam o que é diferente. Ou seja, elas são rígidas em sua psicologia, e têm dificuldade em aceitar que outras pessoas tenham diferentes visões e filosofias. Assim, elas mantêm distância do que não coincide com sua maneira de pensar, não aceitam e até se tornam agressivas na ânsia de impor seus conceitos.
- Eles costumam embelezar seus conhecimentos
O intolerante sente que ele tem que se defender das pessoas que são ou que pensam de forma diferente. Em embates de ideias e comum que ele crie ou invente teorias, fingindo ter conhecimento em setores em que ele não tem o menor domínio. Assim, ele não aceita e não escuta pontos de vista que não são dele, e considera que sua atitude fechada é justificada. Ele pode até recorrer a zombarias ou agressões se ele se encontrar sem argumentos.
- Seu mundo é mais simples e não contém tons
O ser humano intolerante tem realmente um mundo mais simples do que o outro. Ou seja, ele não ouve, e, portanto, não se abre para outros cargos ou formas de pensar. Seu mundo é preto ou branco. Pense em maneiras como “Você está comigo ou contra mim”, “É bonito ou feio”, “Verdadeiro ou falso”, sem perceber que há uma gama de cinza. Ele precisa de segurança e certeza, mesmo que eles não são reais.
- Elas são fiéis à rotina
Em geral, não gosta de nada do que é inesperado ou espontâneo. Elas se agarram aos hábitos, apenas o que já lhes seja conhecido é que lhes oferece segurança e tranquilidade. Caso contrário, essas pessoas se desequilibram e se estressam facilmente.
- Suas relações sociais podem ser complexas
A falta de capacidade empática de uma pessoa intolerante pode causar sérios problemas sociais. Ela precisa corrigir, dominar e impor seu ponto de vista permanentemente. Isso os leva a cercar-se de autoestima passiva ou baixa. Com outros, a sua interação muitas vezes se revela impossível ou muito complexa, direita ou sem argumentos.
- Eles mantém um certo grau de ciúme e até inveja
Uma pessoa intolerante dificilmente aceitará o sucesso de outra pessoa, principalmente se for de alguém que tenha ideias opostas às suas. Isso porque ela sempre enxerga a pessoa de ideias contrárias como sendo inferior a ela, portanto, não merecedora de qualquer sucesso em qualquer seguimento ou aspecto. As conquistas do outro lhes causa mal-estar e ansiedade, chegando até a considerar o mundo um lugar injusto por favorecer alguém que não possui as mesmas qualidades que ela julga possuir.
Estas são atitudes comuns entre pessoas intolerantes que estão mais ou menos presentes em nossos arredores. Você se reconhece em um ou mais deles? Se assim for, coloque um freio, você ficará mais feliz e suas oportunidades de enriquecimento pessoal se multiplicarão.
(Fontes Superinteressante. G1, Talita de Carvalho,Politize!, Fãs da Psicanálise, Portal Administradores e Terra)