Quem não conhece a Ritalina, medicamento lançado na década de 1950 para tratar crianças com quadros de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade)? No entanto, a droga ficou popular entre os adultos, por serem cada vez mais diagnosticados com esse distúrbio. Em razão disso, a Ritalina tem sido usada, para, entre outras finalidades, a suposta melhora da concentração durante os estudos, especialmente de concursos públicos e vestibulares.
Da família das anfetaminas, a Ritalina, ou Metilfenidato, ela é uma bomba relógio; tem o mesmo mecanismo de qualquer outro estimulante, inclusive a cocaína, aumentando a concentração de dopamina nas sinapses. Numa explicação mais científica, o Metilfenidato potencializa a ação dos neurotransmissores noradrenalina e dopamina, reduzindo o que é clinicamente chamado de déficit de atenção. Isso faz com que o indivíduo hiperativo fique mais atento, concentrado.
Essa ação leva muitos concurseiros e vestibulandos a usarem o medicamento em busca de melhores resultados – o que já torna a ‘competição, desigual’. Contudo, a impressão de que a droga aumenta a capacidade de acumular mais informações em menos tempo é falsa.
Embora tenha fama de ser a “pílula da inteligência” ou “droga dos concurseiros” , uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que o medicamento não beneficia a atenção, a memória ou as funções executivas (capacidade de planejar e executar tarefas) em jovens sem o transtorno. Para a pesquisa, foram selecionados 36 jovens saudáveis de 18 a 30 anos. Eles foram divididos aleatoriamente em quatro grupos: um deles tomou placebo e os outros três receberam uma dose única de 10 mg, 20 mg ou 40 mg da medicação.
Depois de tomarem a pílula, os participantes foram submetidos a uma série de testes que avaliaram atenção, memória operacional e de longo prazo e funções executivas. O desempenho foi semelhante nos quatro grupos, o que demonstrou a ineficácia da Ritalina em “turbinar” cérebros saudáveis.
A Ritalina é um estimulante indicado para pacientes cujos quadros clínicos apontam a carência de dopamina e noradrenalina no cérebro. Quando o indivíduo não sofre da falta desses neurotransmissores, o uso do medicamento tem grandes chances de causar um aumento excessivo da disponibilidade dessas substâncias. O cérebro, por sua vez, criará estratégias de defesa para regular a sua quantidade, o que pode resultar em dependência da medicação.
Por este simples motivo o Metilfenidato é um medicamento da classe dos psicotrópicos (tarja preta) e é indicado por médicos especialistas como Neurologistas e Psiquiatras através de uma receita de controle específica.
Vendido com os nomes comerciais de Ritalina e Concerta, o metilfenidato ganhou status de ‘fórmula mágica’ da cognição, mas o uso indiscriminado dessa drogas traz riscos e, segundo especialistas, não apresentam comprovação científica de que “aumente a inteligência”. Pode sim atuar sobre a capacidade de concentração, mas também ter como efeito colateral aumento da ansiedade, dores de cabeça, perda de apetite e até mesmo gerar alucinações ou piorar quadros de esquizofrenia ou transtorno bipolar.
O médico psiquiatria Amilton Santos Jr. afirma que o medicamento pode até deixar uma pessoa acordada por mais tempo e, consequentemente, estudando mais. Mas o descanso depois do estudo, pontua, é igualmente importante nesses casos porque é nessas horas que o cérebro irá organizar as sinapses e armazenar toda informação que foi aprendida durante o período que esteve desperto.
“Mas [o metilfenidato] não aumenta a inteligência de uma pessoa. O que ele faz é, durante o seu período de atuação no organismo, aumentar a janela atencional, o período pelo qual a pessoa consegue ficar um pouco mais tempo concentrada”, ressalta.
O problema é que, em indivíduos que não têm TDAH e fazem o uso por conta própria, isso pode causar vários problemas, tendo em vista que não há um controle das doses adequadas
do medicamento. “E aí a hora que a pessoa fica sem o remédio, ela fica como se estivesse deprimida mesmo, ela fica para baixo, sem ânimo, sem energia, que é o estado que a gente chama de abstinência”, alerta o médico.
Nascida na Guerra Fria
Durante a década de 1960, era comum, nos Estados Unidos, que crianças hiperativas recebessem um medicamento para ajudá-las a se concentrar nas aulas. A chamada “pílula da matemática”, a ritalina, continua sendo um dos tratamentos mais usados em vários países para tratar o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
Seu principal componente, o metilfenidato, da família das anfetaminas, tem a propriedade de estimular a concentração e reduzir a impulsividade. Essas qualidades eram consideradas necessárias dentro da transformação, durante a década de 1960, do sistema escolar dos EUA, que queria competir com a União Soviética no contexto da Guerra Fria, de acordo com o historiador Matthew Smith, da Universidade de Strathclyde (Escócia) e autor do livro Hyperactive: The Controversial History of ADHD (“Hiperativos: a controversa história do TDAH”, em tradução livre).
Atualmente, Ritalina é usada em diversos países para tratar o transtorno de hiperatividade e outras condições. Quando a droga foi sintetizada, em 1944, pelo químico italiano Leandro Panizzon, não estava previsto que crianças pudessem tomá-la. Então como ela acabou virando a solução predileta dos pais e psiquiatras para os pequenos hiperativos?
Existe uma lenda de que Panizzon batizou o medicamento de “ritalina” em homenagem a sua mulher, Margarida, que chamava pelo apelido carinhoso de Rita. “Ela tomava o comprimido antes de jogar tênis. Aparentemente, sofria de pressão baixa e isso lhe dava um empurrão na partida”, destacou Smith. O laboratório onde ele trabalhava, Ciba, começou a comercializar o fármaco para adultos com a mensagem de que era mais forte que uma xícara de café, mas não tão intenso, nem com os efeitos secundários de outras anfetaminas mais potentes.
Na época de seu surgimento, o mercado de medicamentos passava por várias mudanças e avanços. No pós-guerra, começaram a ser tratadas doenças como tuberculose, e teve início a vacinação contra a pólio. “As pessoas começaram a recorrer a fármacos como solução para tudo”, disse Smith, acrescentando que drogas psiquiátricas também geraram otimismo e que isso se manteve por mais duas décadas até a descoberta de efeitos secundários e de seu potencial viciante.
Fórmula infantil – Em uma pesquisa de 1937, o psiquiatra Charles Bradley fez uma descoberta: depois de administrar anfetaminas a um grupo de crianças para tratar dores de cabeça, ele notou que elas tinham o surpreendente efeito de estimular sua concentração. Sua descoberta foi investigada duas décadas depois, quando o psicólogo clínico Keith Conners, em 1964, da Universidade Johns Hopkins em Baltimore (EUA), fez o primeiro ensaio clínico aleatório com ritalina em crianças com “transtornos emocionais”. O jovem pesquisador estava intrigado com a possibilidade do tratamento com drogas, porque os baseados em terapia não pareciam dar resultado. O estudo mediu concentração, níveis de ansiedade e impulsividade. A resposta das crianças foi imediatamente positiva.
Depois que Conners e seus colegas publicaram os resultados, a Ritalina começou a ser usada com mais frequência para tratar hiperatividade em crianças americanas. Segundo o historiador Matthew Smith, os professores começaram a indicar crianças com problemas de conduta a psiquiatras, que quase sempre diagnosticavam transtorno de hiperatividade.
Consumo ‘excessivo’ – No Brasil, a discussão sobre consumo excessivo da droga entre crianças e jovens ocorre, infelizmente de forma lenta e sutil. Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos, o Brasil era, em 2010, o segundo maior consumidor de Ritalina do mundo. O dado, no entanto, não foi mais atualizado desde 2018. Pesquisa divulgada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostrou um aumento de quase 800% no consumo de Ritalina, de 2003 a 2012.
Segundo dados da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) estima-se que existam 2 milhões de pessoas com TDAH no Brasil; na população mundial, este índice seria de 5 a 8%.
(Fontes Saúde, BBC, Exame e Superinteressante)