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Não dá para saber exatamente como historiadores retratarão este momento, mas dá para ter certeza de uma coisa: está sendo traumático e extremamente doloroso. Exatamente um ano de pandemia, vivemos o ‘apogeu’ da doença que vem fazendo vítimas de forma desenfreada desde o início do ano. Resultado de uma série de fatores – desleixo com as medidas de prevenção, irresponsabilidade das pessoas em ignorar estes protocolos, falta de fiscalização por parte das autarquias competentes (PM e Vigilância Sanitária) e claro, o desgoverno geral, desde o federal ao municipal.
Não por acaso, o Brasil tem alarmado o mundo pela forma como lida (ou não) com a pandemia e chega ao pior momento da doença batendo recordes de óbitos. Bem, espera-se que este momento não se prolongue e não piore, embora especialistas (infelizmente) digam o contrário.
Na contramão do mundo, enquanto a crise se agrava, Jair Bolsonaro negligencia a compra de vacinas, sabota o isolamento social e o uso de máscara, tentando transferir a crise para os governadores, criando uma cortina de fumaça para sua irresponsabilidade. É o principal culpado pela tragédia. E não foi por falta de aviso. Desde o início da pandemia, há um ano, técnicos e especialistas têm advertido para os perigos da Covid-19 e seus potenciais desdobramentos no país. Mike Ryan, diretor-executivo de emergências da OMS, declarou que o Brasil vive uma “tragédia” e que a situação deve servir de lição ao mundo. “Nenhum outro país está lutando com números recordes de mortes e o sistema de saúde à beira do colapso. Ao contrário, várias outras nações que foram atingidas severamente caminham para a normalidade”, registrou o New York Times. Não importa se é segunda onda ou curva; o que realmente preocupa é que enquanto as mortes aumentam, presidente, governadores e prefeitos não se entendem, não chegam a nenhum consenso de como realmente frear os índices.
Enquanto numa semana, o aumento de mortes foi de 11%, no mundo houve queda de 6%. Mais de 12% dos óbitos do planeta acontecem no Brasil. O infectologista Anthony Fauci, principal autoridade da força-tarefa criada pela Casa Branca contra a doença, disse que a situação no Brasil é “muito difícil”. O País está na contramão do mundo. E virou uma ameaça global, capaz de gerar variantes novas e ainda mais letais. No início do ano, as imagens do colapso na saúde no Amazonas rodaram o mundo e se tornaram um retrato do flagelo. Agora, o Brasil inteiro está colapsando e se tornando uma Manaus. Ao mesmo tempo, muitas pessoas parecem viver em outro país, onde não há pandemia e continuam – apesar da catástrofe – fazendo festa clandestina, se aglomerando e vivendo sem máscara, como se não ‘houvesse amanhã’.
Em todas as regiões a situação se agrava. Várias capitais enfrentam colapso e ultrapassam a marca de 100% dos leitos de UTI ocupados. Hospitais viraram campos de guerra. Imagens de funcionários cansados e horrorizados com as mortes e os dramas que enfrentam, impotentes, se multiplicam. É impossível não se emocionar diante da tragédia que se repete em todo o País.
Pela primeira vez desde o início da pandemia, o Brasil inteiro apresenta piora de indicadores da Covid-19, afirma a Fiocruz. “É a ponta do iceberg de um patamar de intensa transmissão”, diz a instituição.
A taxa de transmissão atingiu a marca de 1,13, de acordo com o Imperial College de Londres. É um aumento expressivo- transmissão acima de 1 significa falta de controle do avanço da doença. O neurocientista Miguel Nicolelis afirma que a perda de vidas pode chegar a 500 mil (dados de abril de 2021) Essa seria a proporção do desastre brasileiro.
O que alarma a comunidade internacional não é apenas a escalada de casos no País. A falta de dados confiáveis sobre a circulação de novas variantes e o controle deficiente de viajantes têm levado outros países a se debruçar sobre a exceção brasileira. A chamada P.1, cepa detectada inicialmente em Manaus, circula sem qualquer tipo de controle. Pior: o próprio Ministério da Saúde promoveu a sua disseminação ao encaminhar pacientes do Amazonas para outros estados. Pesquisadores da Fiocruz descobriram que essa variante aumenta a carga viral em dez vezes.
Um estudo da Universidade de Oxford e da USP concluiu que ela é até 2,2 vezes mais infecciosa que a tradicional, além de propensa a causar reinfecção. Na Europa, viajantes que passaram pelo Brasil já são alvo das autoridades – uma demonstração de como a pandemia fora de controle já se transformou em uma crise de imagem do Brasil, que corre o risco de ficar isolado do mundo. “O Brasil é um laboratório a céu aberto para o vírus se proliferar e desenvolver mutações”, diz Nicolelis.
Diante desse cenário, o presidente continuou causando caos, ao invés de liderar o País. “Chega de frescura e mimimi, vão chorar até quando?”, declarou. Dias antes, compareceu a um almoço “alegre” e “bem descontraído”, nas palavras do deputado mineiro Fábio Ramalho, que preparou um leitão para a ocasião. Bolsonaro minimizou a situação. “A Saúde no Brasil sempre teve seus problemas e a falta de UTIs era um deles”, afirmou. Ainda criticou a imprensa, dizendo que “criaram pânico”. Aliando desatino à desfaçatez, disse que as mortes por coronavírus interessam a “alguns setores da sociedade”.
Para ele, alguns políticos preferem que os pacientes fiquem em estado grave nos hospitais. A demagogia com os problemas na saúde e as mentiras em série já marcaram Bolsonaro como o pior líder mundial na pandemia. Sistematicamente negou o trabalho dos especialistas, inventou tratamentos mágicos e fez a propaganda de placebos, como a cloroquina.
A insensatez do presidente não tem fim; a cada dia, ele consegue sempre se superar para pior, combatendo não o vírus, mas quem está lutando contra a pandemia. “Tem idiota que diz que vai comprar vacina. Só se for na casa da tua mãe”, desafiou, referindo-se aos governadores sobre a aquisição de vacinas, mostrando novamente que sabota a imunização por cálculo político.
Mesmo depois da aquisição tardia do Ministério da Saúde, especialistas dizem que não será possível frear a escalada atual da pandemia – lamentavelmente. E com respaldo jurídico, estados e municípios tem que correr atrás das vacinas, enquanto o presidente ironiza e questiona até mesmo o número de mortes. A única coisa que parece se ocupar é da criação de conflitos.
Seria impossível “atualizar” esse cenário; além de assistir, impotente, o aumento de casos e mortes, os brasileiros se sentem abandonados a própria sorte já que os políticos estão mais preocupados com 2.022. Órfãos de qualquer governo. Em meio a tudo isso, ainda tem gente que vai às ruas pedindo “intervenção militar”.
Sem coordenação nacional, o país é em si, uma UTI colapsada. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) defende a adoção imediata do lockdown em locais com ocupação de UTIs acima de 85% e toque de recolher nacional, das 20h às 6h. É a única solução apontada por especialistas para interromper a propagação. É o que diversos países fizeram com sucesso, como Reino Unido e, mais recentemente, Portugal. E é o que o Brasil precisa fazer, superando os obstáculos criados por um presidente que usa o risco econômico como anteparo para uma política genocida. No final, ele está ceifando ambos: o futuro e a vida.
O “remédio” seria muito amargo, já que o clima econômico atual é extremamente difícil para muitos negócios e proprietários, e os pequenos empreendedores são os que mais sofrem para continuar e focar apenas em sobreviver. Mas chegou-se a um ponto que há poucas alternativas além da vacinação e dos protocolos de segurança.
E em meio a tudo isso, estamos nós – eu e você – perdidos no caos. É simplesmente impossível não enlouquecer.