A ideia de um mundo tomado pelo lixo seja ele residual, orgânico, eletrônico ou qualquer outro tipo pode parecer coisa de filme de ficção, mas infelizmente não é. Ele está imundo e inundado pelo lixo que fabricamos – em média uma média de 1,2 kg por dia per capita. Só de lixo eletrônico, o mundo produz 44,7 milhões de toneladas por ano.

Claro que o problema do lixo sempre existiu.  Em primeiro lugar, o que é considerado lixo varia entre uma cultura e outra. O lixo, assim como a sujeira, é simplesmente material no lugar errado. Na China tradicional, por exemplo, todo pedaço de papel com algo escrito era considerado valioso. Não deveria ser jogado fora, mas podia ser queimado com ritual de respeito. Quando a humanidade morava em cavernas, também deixava o rastro de seus “lixos, que logo eram decompostos pela ação do tempo. Bons tempos? Nem tanto. Na Idade Média, o lixo encontrou seu ápice; as cidades fediam, assim como as casas, castelos, masmorras, igrejas; sem saneamento básico, proliferava a sujeira e obviamente morria-se mais cedo.

Com o advento da revolução industrial – que possibilitou um salto na produção em série de bens de consumo – a problemática da geração e descarte de lixo teve um grande impulso. Porém, esse fato não causou nenhuma preocupação maior: o que estava em alta era o desenvolvimento e não suas conseqüências. Entretanto, a partir da segunda metade do século XX iniciou-se uma reviravolta. A humanidade passou a preocupar-se com o planeta onde vive. Mas não foi por acaso: fatos como o buraco na camada de ozônio e o aquecimento global da Terra despertaram a população mundial sobre o que estava acontecendo com o meio ambiente. Nesse “despertar”, a questão da geração e destinação final do lixo foi percebida mas, infelizmente, até hoje não vem sendo encarada com a urgência necessária.

“O lado trágico dessa história é que o lixo é um indicador curioso de desenvolvimento de uma nação. Quanto mais pujante for a economia, mais sujeira o país irá produzir. É sinal de que o país está crescendo, de que as pessoas estão consumindo mais. O problema está ganhando uma dimensão perigosa por causa da mudança no perfil do lixo. Na metade do século, a composição do lixo era predominantemente de matéria orgânica, de restos de comida. Com o avanço da tecnologia, materiais como plásticos, isopores, pilhas, baterias de celular e lâmpadas são presença cada vez mais constante na coleta. Há cinqüenta anos, os bebês utilizavam fraldas de pano, que não eram jogadas fora. Tomavam sopa feita em casa e bebiam leite mantido em garrafas reutilizáveis. Hoje, os bebês usam fralda descartáveis, tomam sopa em potinhos que são jogados fora e bebem leite embalado em tetrapak. Ao final de uma semana de vida, o lixo que eles produzem equivale, em volume, a quatro vezes o seu tamanho!”, analisa o cientista Adam Rutner, um dos estudiosos do assunto.

Um dos maiores problemas do lixo é que grande parte das pessoas pensa que basta jogar o lixo na lata e o problema da sujeira vai estar resolvido. Nada disso. É aí que o problema começa.

Desperdício é lixo – Há séculos, o lixo é descartado pelo ser humano de forma equivocada na natureza. Mas, a partir da Revolução Industrial, houve grande aumento desse material. Outra prática que acompanha a humanidade faz tempo e que é altamente poluente é o extrativismo (destaque para a mineração, que assoreia os rios e ainda lança neles resíduos de mercúrio). Pode-se afirmar que foi a partir da Revolução Industrial, que se intensificou o descarte de lixos nocivos. Grande quantidade de líquido tóxico foi lançado sem controle na natureza e poluiu os mananciais de água. Também as chaminés das fábricas jogaram, na atmosfera, toneladas da sobra da queima das caldeiras.

O lixo se tornou um problema em escala mundial, principalmente porque o homem migrou para as cidades, que cresceram desproporcionalmente. Com isso, aumentaram os problemas ambientais, em decorrência principalmente dos bolsões de pobreza. Hoje, o lixo é um dos maiores problemas ambientais do mundo, que está contaminando o mundo e matando o meio ambiente, infectando todo o planeta. O problema é agravado pela falta de educação ecológica e de planejamento dos governos. Mas principalmente é um problema que não queremos ver, porque ele literalmente fede.

Atualmente, a humanidade produz mais de 2 bilhões de toneladas de lixo por ano, segundo a ONU. De acordo com o organismo da organização, 99% dos produtos que compramos são jogados fora dentro de seis meses. Para acomodar os 7,6 bilhões de moradores do mundo, suprir o uso de recursos e absorver o lixo gerado seria necessário 70% de outro planeta Terra.

“O volume de lixo no mundo é enorme. Uma parte é reciclada, mas muito (dele) é simplesmente descartado, causando problemas de saúde para as pessoas, seus animais e poluindo nosso meio ambiente. A quantidade de lixo produzido por indivíduos, comunidades, empresas, instituições, mercados e fábricas continua a crescer tremendamente”, alertou a chefe do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Maimunah Sharif. “Todos podemos fazer pequenos ajustes em nossos estilos de consumo, usando alternativas para os itens plásticos descartáveis, como garrafas, copos, pratos e talheres, e fazendo um esforço consciente para reciclar corretamente e consertar produtos quebrados, em vez de simplesmente jogá-los fora.”

“O lixo que produzimos ameaça o meio ambiente e a saúde do planeta”

Lixo doméstico, problema global – Nos últimos 30 anos, a geração de resíduos nas cidades aumentou três vezes mais do que a população urbana. Atualmente, cada um dos sete bilhões de habitantes do planeta é responsável por produzir mais de um quilo de lixo por dia. Isso gera um gasto médio de 25% do orçamento dos municípios com gestão de resíduos sólidos e faz do lixo um dos grandes desafios para a sustentabilidade global.

Segundo dados do Panorama de Resíduos Sólidos da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), mesmo com todos os esforços de governos e iniciativa privada em 2017, das 214.868 de toneladas/dia de resíduos gerados, 196.050 toneladas não foram coletadas, ou seja, não tiveram o destino correto e provavelmente foram parar na rede pluvial, nos rios e nos mares.

Além de prejudicar inúmeros biomas, o lixo marinho afeta a pesca e o turismo, trazendo prejuízos financeiros, e se estende para além dos territórios dos países produtores, espalhando-se por todos os oceanos. De acordo com a ISWA (International Solid Waste Association), é possível detectar partículas plásticas até em águas praticamente intocadas pelo ser humano. Grande parte do lixo nos mares se acumula em forma de ilhas de plástico, depósitos de resíduos que se movimentam em blocos de acordo com as correntes marítimas e acabam “ancorando” em determinadas regiões. O maior desses depósitos de lixo oceânico é conhecido como Ilha de Lixo do Pacífico ou Grande Mancha de Lixo do Pacífico, tem 1,6 milhão de metros quadrados e quase 80 mil toneladas de plástico.

Recentemente, declarou-se guerra ao canudinho plástico, apontado como grande vilão da poluição das águas. De fato, é assustador pensar que 500 milhões de canudos plásticos são utilizados por dia somente nos Estados Unidos considerando que cada um leva até 200 anos para se decompor. No entanto, os canudos representam somente 4% do lixo marinho. O grande volume é de equipamentos de pesca abandonados, que correspondem a 46% dos resíduos plásticos largados no mar. O restante é distribuído em outros itens plásticos, como copos e utensílios descartáveis, brinquedos, sacolas e embalagens.

Lixões e aterros: um desafio socioambiental 

 

 

O lixo produzido por moradores das cidades tem como principal destino os lixões a céu aberto ou os aterros sanitários, onde deveria ser tratado. Esses depósitos de resíduos são uma agressão ao meio ambiente, às comunidades das áreas vizinhas e às pessoas que vivem da coleta de materiais descartados. Altamente dispendiosos e ecologicamente nocivos, os lixões e aterros contaminam solos e o lençol freático, além de marginalizar pessoas que vivem neles ou em áreas próximas. E esse é um problema a ser resolvido pelas autoridades, mas que poderia ser reduzido se cada cidadão fizesse a sua parte, separando o lixo reciclável do orgânico e destinando os resíduos orgânicos à compostagem, pois até 90% do lixo produzido pode ser reciclado ou transformado em adubo ou combustível.

Em vários países do mundo desenvolvido já existem comunidades que praticamente não produzem lixo. Chamam-se “parques eco-industriais” e são de um bom senso desconcertante. O parque de Kalundborg, na Dinamarca, tem uma usina de energia, uma indústria farmacêutica, uma fábrica de lambris e uma refinaria de óleo. Essas empresas dividem o uso das fontes de energia de que precisam, como gás e água refrigerada, e mantêm entre si um comércio que elimina o que hoje conhecemos como resíduo: o que sobra numa empresa é interessante para a outra. A usina de força vende o dióxido sulfúrico que entope suas chaminés para a fábrica de lambris, que usa isso como matéria-prima. E assim por diante. Até o calor produzido nas fábricas é conduzido a residências e estufas agrícolas.

Enquanto não fazemos uma reengenharia geral de nossos centros industriais e urbanos para chegar a um mundo mais Kalundborg, temos de pensar em três coisas: reduzir, reutilizar e reciclar. É uma equação conhecida como 3R, de uso fácil nas empresas, e que tende a ser disseminada nas casas, nas ruas e em todo lugar. Porque já somos mais de sete bilhões de habitantes, seremos mais, e quanto mais formos mais lixo produziremos. O raciocínio pode não ser original, mas é muito oportuno: ou acabamos com o lixo ou o lixo acaba com a gente.