“Três orixás”, óleo sobre tela da pintora Djanira, 1966, acervo da Pinacoteca do Estado.

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, agora é feriado estadual. A data homenageia Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares, morto na mesma data em 1695. A proposta é potencializar a importância do debate sobre o povo e a cultura africana no Brasil, seja por meio da música, da política, da religião ou da gastronomia, entre várias outras áreas.

Neste sentido, o historiador Gesiel Neto relata como os negros, sobretudo os escravizados, fizeram parte da história primitiva de Avaré. Por sua vez, o pesquisador Gesiel Júnior menciona homens e mulheres afrodescendentes que marcaram a cultura avareense.

 

A Vila do Rio Novo na escravidão

 

* Gesiel Neto

A cultura negra é marcante na formação da sociedade avareense. Nos aspectos políticos, sociais, gastronômicos e religiosos os africanos influenciaram bastante, mesmo tendo experimentado tempos doloridos, afinal a sua corajosa atuação merece ser louvada.

Hoje, em torno de doze por cento da população de Avaré (cerca de onze mil pessoas) é formada por negros e seus descendentes, conforme dados do IBGE. Aliás, o antigo Patrimônio do Rio Novo surgiu no fim do tráfico negreiro, exatamente na segunda metade do século dezenove, quando o café chegava na região e exigia uma quantidade cada vez maior de mão-de-obra.

Os primeiros latifundiários controlavam escravos nesse período. Mas sem poder comprar mais negros escravizados da África, obtinham gente negra de outras províncias já decadentes em termos de escravidão, como Pernambuco e Bahia.

Recenseamento realizado em 1869 apontava haver 204 escravos nas terras do então Distrito Policial do Rio Novo. Serviam nas lavouras de açúcar, algodão e café. Apesar de a maioria executar o trabalho braçal, alguns prestavam serviços domésticos, como as amas de leite. Já em 1887, dos 7 mil moradores da primitiva Avaré, 325 eram negros escravizados, conforme dados do “Almanach da Provincia de S. Paulo”.

Em dois recortes no seu livro o memorialista Jango Pires contou sobre alguns escravos de seu bisavô, aos quais chamava de cabinda. “Era o caso da Engrácia, mais conhecida por Grácia. Já bem idosa, depois de liberta, ela fez umas artes e foi repreendida pela minha avó. Muito concha, dando um gingado, balançando o corpo, ela respondeu assim: – Uai, Nhanhã, nega cabinda não fica véia, é sempre moça’”.

Outro ex-escravo, conforme descreveu o escritor, ainda sobrevivia em 1905. “No trecho da Rua Major Vitoriano, entre o Largo da Matriz e a Rua Paraná, morava o preto velho Tio Nastácio. Quando a gente o cumprimentava, ele respondia: – Vai má. Nosso Sinhô Zu Cristo esqueceu do nego véio. Vai má 100 anos já passô, poi óie meu branco, nego de Dão João inda tá vivo”, relatou reproduzindo a triste fala do velho negro.

 

 

Afrodescendentes ilustres

Gabriel Marques, Amaral Pachedo, Ulysses de Freitas, Jandira Pereira e Marialva Biazon

* Gesiel Júnior

No final do século dezenove, de passagem apenas alguns meses pela paróquia de Avaré um religioso de pele negra chamava a atenção dos fiéis: o padre Francisco Silveira de Moura, chamado de “Menelique”, numa referência ao nome do monarca etíope que havia derrotado, na época, o exército italiano na África.

O século vinte começou revelando um prodígio: Gabriel Marques, menino negro avareense. Aos 11 anos, publicou o seu pequeno jornal na própria tipografia. Educado pela mãe, aprende música com o pai alfaiate que regia a Banda São Benedito, onde tocava pistão. O êxito de “Avaré Culto”, revista ilustrada que dirigiu levou-o a se mudar para São Paulo e lá se distinguiu como escritor, merecendo elogios de Monteiro Lobato. Lançou “Os esquecidos do Evangelho”, livro premiado pela Academia Brasileira de Letras.

Outra figura notável: o médico negro Raymundo do Amaral Pacheco. De origem baiana, ele ativamente marcou a vida social de Avaré nos anos 1920 e 1930. Presidiu a Câmara Municipal, dirigiu e modernizou a Santa Casa, além de cooperar para a criação da Associação Athletica Avareense, do Centro Avareense e da Associação Comercial. De volta à sua terra, doutor Amaral Pacheco foi prefeito de Ilhéus.

Admirável testemunho é o da inesquecível Jandira Pereira (1929-1996), alegre sambista e dedicada educadora. Voluntária na antiga Instituição Vera Cruz, ela lá ensaiava os meninos adotados pelo Padre Emílio Immoos na apresentação de congadas. Carnavalesca, Tia Jandira conserva ainda a sua imagem viva na passarela da memória do samba local.

Na política, o primeiro negro avareense eleito suplente da Câmara foi Alício Ulysses de Freitas. Interinamente ocupou uma cadeira de vereador nos mandatos de 1956/1959 e 1964/1968. Debochando da própria tez em campanha política, ele usava o seguinte slogan: “Não vote em branco, vote em Ulysses de Freitas”.

Em nossos dias, quem fez história na política foi outra figura da Bahia. Ela migrou para Avaré e impressionou por sua postura como legisladora. A referência é para a querida Marialva Araújo de Souza Biazon (1960-2023), que nos deixou recentemente. Primeira mulher a eleger-se presidente da Câmara, ela exerceu o cargo honrosamente por duas vezes em cinco mandatos, que será difícil ocorrer de novo.