Há pouco mais de 60 anos o extenso rio contido ficou por uma barragem na região de Avaré. Ou seja, as águas do Paranapanema hoje fazem parte da Hidrelétrica de Jurumirim. Dois nomes de origem indígena representam capítulo expressivo na história do acidentado curso d’água que virou um grande lago para exploração de potencial energético.
Enquanto o pesquisador Gesiel Júnior denuncia que o Paranapanema, embora aparente estar livre da poluição, na realidade vem sendo ferido mortalmente pela gana do setor hidrelétrico, o historiador Gesiel Neto mostra as discrepâncias da Barragem de Jurumirim, que em razão da falta de estudos do leito do rio, nunca alcançou a capacidade projetada.
Caudaloso, mas azarado?
Gesiel Júnior
Divisor natural dos territórios de São Paulo e Paraná, o Rio Paranapanema tem suas nascentes no alto da Serra do Paranapiacaba, em meio à Mata Atlântica, onde podem ser vistos os olhos d’água que originam o mais limpo dos grandes rios do Estado, importante na história mais remota do Brasil.
No início da colonização o Paranapanema era uma espécie de fronteira informal entre as Américas espanhola e portuguesa. Aliás, o seu patrimônio cultural é rico, já que as matas da bacia do Alto Paranapanema escondem ruínas arqueológicas bem conservadas da exploração do ouro no princípio do século dezoito.
Em tupi-guarani Paraná quer dizer “rio caudaloso”, enquanto o substantivo Panema significa “azarado, estéril, improdutivo”. Mas é isso mesmo?
Na interpretação da pesquisadora Maria Luísa Duarte Simões, o Paranapanema traz uma maldição em seu nome, pois se tornou “um rio ferido, machucado cirurgicamente”, fazendo jus ao azar que carrega na sua definição etimológica.
Mas por que? Não é o rio mais limpo do Estado? “É… Mas é também o que mais apresenta intervenções hidrelétricas. Isso o fere a cada 84 quilômetros, alterando sua fauna e flora, extinguindo, matando lentamente o rio que é orgulho do Estado”, lamenta.
Tais ferimentos começaram no fim dos anos 1950, quando o governo estadual começou a represar o rio e ergueu sucessivas barragens para geração de eletricidade.
Felizmente ainda não existem grandes aglomerações urbanas e nem polos industriais em suas bacias, o que foi teoricamente assegurado graças a uma antológica luta contra a instalação de uma indústria de papel e celulose na cabeceira do “Panema”, na região de Avaré.
Apesar de ainda pouco conhecido, o nosso abundante rio merece ser estudado e ainda mais valorizado por continuar pouco poluído. O seu valor foi reconhecido pela Lei Estadual 10.488/99, que fixou 27 de agosto como o “Dia do Rio Paranapanema”.
Contudo, o que parece legalmente preservado, na verdade, está, aos poucos sendo espoliado, explorado, devastado, em nome do progresso, palavra que esconde a ganância de empresas de energia com suas usinas hidrelétricas, ávidas por dinheiro.
Era só uma pequena foz?
Gesiel Neto
Jurumirm, em tupi-guarani, significa literalmente: boca pequena (estreita), ou seja, uma pequena foz.
Represadas na região há mais de seis décadas para aproveitamento hidrelétrico, as águas do Rio Paranapanema formaram um verdadeiro mar de água doce nas divisas de Avaré, Angatuba, Arandu, Cerqueira César, Itaí, Itatinga, Paranapanema, Piraju, Taquarituba e Tejupá. Essa represa ocupa cerca de 450 km2 e seus 6,5 bilhões de metros cúbicos de água correspondem a quase quatro vezes o volume da Baía da Guanabara.
Projetada pela extinta Uselpa (primeira empresa paulista destinada à geração de energia elétrica), a Jurumirim começou a ser construída em 1956, mas devido à falta de estudos do leito do rio, que amortece a queda da água, nunca alcançou a capacidade projetada.
Inaugurada em 1962 com o nome oficial de Usina Hidrelétrica Armando Avellanal Laydner, para isso o Paranapanema teve o seu leito largamente multiplicado, o que causou impactos ambientais pela supressão e desapropriação de áreas imensas de matas e de produção agrícola.
Situada no sentido montante-jusante do complexo de barragens que se sucedem no Rio Paranapanema, a Jurumirim foi erguida com 200 mil metros cúbicos de concreto na divisa entre Cerqueira César e Piraju. Ao seu redor abriu-se uma pequena cidade para receber os técnicos que lá trabalhariam.
Segundo a já citada pesquisadora Maria Luísa Duarte Simões isso jamais ocorreu, a área foi transformada em colônia de férias. E ela relata que o aeroporto lá erigido, com torre de controle e tudo o mais, abandonado, presta-se hoje a servir de pista de decolagem ou pouso para alguns fazendeiros mais abastados.
Na visão dessa estudiosa do tema a Jurumirim se tornou um mico, pois apesar da magnitude do reservatório, a barragem operava, em 2014, com apenas 38,7% de sua capacidade.
Três anos depois, o Paranapanema e as barragens nele instaladas, a começar da “pequena foz”, tiveram suas operações entregues à China Three Gorges Corporation (CTG), através da sucursal brasileira dessa multinacional chinesa, a maior do planeta, no setor energético.