A imagem acima é a capa da edição zero (sim, é de lá que começamos rs) do in Foco veiculada em maio de 2001. Era o primeiro ano do século XXI e aproveitando o dia das Mães, queríamos fazer um comparativo das mudanças estruturais do modelo familiar durante todo século anterior. O foco principal era a “base da pirâmide” das mudanças: as mulheres e a maternidade, que haviam saído de papéis secundários para o protagonismo. Educadas para o matrimônio e a maternidade, as mulheres entraram no novo século totalmente repaginadas, independentes e tomando seus lugares em universidades e no mercado de trabalho.  Essa mudança mexeu na estrutura familiar e vinte anos atrás, muitos homens ainda não sabiam lidar com seus novos lugares nesta nova família, onde ambos eram provedores. Até mesmo o conceito de maternidade mudou, já que elas não eram mais as ‘rainhas do lar’, mas sim donas do próprio negócio muitas vezes. Essa era a abordagem feita na edição inaugural do in Foco.

20 anos depois, a família está totalmente transformada não só em conceitos, mas em modelos. Em 2001, grande parte das famílias ainda era formada pelo modelo ‘tradicional’ – pai, mãe, filhinhos. Hoje, as novas e grandes (ou pequenas) famílias podem ser heterossexuais, homossexuais, multi ou monoparentais e por aí vai. As mulheres ainda continuam na vertente das mudanças, pois chefiam e sustentam quase metade dos lares brasileiros.

Refazer essa capa foi como fazer uma viagem no tempo e chegar a um destino que não acaba, já que muitas transmutações ainda estão por vir. E também, claro, uma forma de ‘atualizar’ as configurações rs

Uma das principais mudanças ocorreu em 2011, com a aprovação da lei que institucionalizou o casamento homossexual, o que parecia ser um avanço contra a discriminação ( e era!). No entanto, é possível observar que a intolerância e os preceitos conservadores ainda persistem no Brasil, pois, em 2015, foi aprovado o projeto de lei denominado Estatuto da família, que define a união homem e mulher como o único tipo aceitável de união familiar. Pelo projeto, famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo não cumprem a função de ser a “base da sociedade”.

Sempre cercado de polêmicas, o projeto final ainda tramita por falta de consenso na inclusão e reconhecimento  de que família também pode ser uniões entre homossexuais, famílias formadas por pais e mães solteiros, além de outras possibilidades alternativas de arranjos familiares. O Estatuto da Família na versão tradicional parece estar dessincronizado com recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, o que pode levar o projeto a ser considerado inconstitucional. Em 2011, os ministros admitiram a união estável entre pessoas do mesmo sexo, com os mesmos efeitos de uma união estável heterossexual. O STF fez sua decisão baseado nos princípios de não discriminação baseado em etnia, religião ou orientação sexual.

 

Família raiz?

 

 

Para a Sociologia, a família é um grupamento de pessoas cujos membros possuem entre si laços de parentesco, podendo ou não habitar a mesma casa. Por exemplo, um pai separado continuará fazendo parte da família de seu filho (mas não de sua ex-mulher), embora esteja morando em outra casa. Quando a família é composta por pai, mãe e filhos, ela é chamada de “família nuclear”. Quando outros parentes, como avós ou tios, convivem com o casal e seus filhos, essa família é chamada de “família extensa”.

Em sua origem latina, a palavra família provém do vocábulo famulus, que significa escravo doméstico; família é o conjunto dos escravos pertencentes a um mesmo homem (e você achando que é democrática?). O direito romano conferia ao pai o direito de vida e morte sobre todos que viviam sob suas ordens – esposa, filhos, escravos etc. Esse tipo de instituição familiar era chamado “família patriarcal”. Podemos encontrar exemplos de família patriarcais muito próximos de nossa história, no período colonial de nosso país. O protótipo da família patriarcal brasileira era a família latifundiária, embora esse modelo também pudesse ser encontrado nos meios urbanos entre as classes não proprietárias de terras, como os profissionais liberais, comerciantes, militares etc. No momento de organizar suas famílias, não havia dúvida de que cabia ao pai o papel principal e determinante de todas as outras relações entre mães, filhos e empregados. Nesse tipo de família, o pai era o grande proprietário: das terras, dos bens e das pessoas que habitavam seus domínios, não importando se estariam ligadas por laços sanguíneos ou não. O pai concentrava todas as decisões referentes aos destinos dos bens ou das pessoas, como chefe de um clã. As mulheres (esposa e filhas) eram figuras quase invisíveis. Saíam pouquíssimas vezes (geralmente nas festas religiosas), não apareciam para os visitantes, eram proibidas de estudar, envelheciam cedo, pois se casavam ainda meninas (em torno dos 13 ou 14 anos), tinham vários filhos. Os maridos para as filhas eram escolhidos pelo pai; o principal critério era o volume de posses do pretendente. Muitas vezes, as meninas eram obrigadas a casar com homens mais velhos, mas já estabelecidos economicamente.

Os filhos homens tinham outras funções: ao mais velho cabia herdar e administrar os bens paternos; ao segundo, cabia seguir a carreira eclesiástica. Constituía motivo de orgulho e quase uma obrigação de toda família “de bem” formar um padre. O terceiro filho deveria prosseguir os estudos na capital ou na Europa, tornando-se “doutor”, provavelmente bacharel em direito ou médico.

Esse modelo de família nuclear e patriarcal tornou-se, ao longo da nossa história, sinônimo de honra e respeitabilidade, modelo a ser seguido não só pelas elites, mas também pelas classes médias. Esse tipo de organização familiar exerceu profunda influência na formação social e cultural da população brasileira. O poderio do homem resultou em atitudes como o machismo, a subserviência da mulher, a educação diferenciada de meninos e meninas, o preconceito e o desrespeito contra os empregados domésticos, mesmo quando eles não são mais escravos. Vai tarde!

 

Novos arranjos

Outro tipo de arranjo que tem crescido nos últimos tempos é o de famílias monoparentais – quando um dos cônjuges vive com os filhos, com a presença ou não de outros parentes na mesma casa. Nesse tipo de família há um predomínio de mulheres chefes de família, assunto que já foi tema de capa.

São muitos os fatores que têm contribuído para essa situação: aumento do número de separações e divórcios e o empoderamento feminino principalmente no aspecto financeiro. Os fatores econômicos têm contribuído decisivamente para o abandono do lar, principalmente pelos homens; os conflitos constantes com a esposa devidos às dificuldades de manter a família, algumas vezes chegando à violência doméstica. São essas algumas das justificativas para o alto número de mulheres chefes de família entre as camadas populares, situação que tem chegado também às camadas médias da sociedade.

Os grupos organizados de homossexuais têm obtido importantes conquistas referentes à adoção de filhos e à permissão da utilização de técnicas de inseminação artificial. Essas conquistas, nos dias de hoje, são o anúncio do aumento da tolerância por parte da sociedade e do Estado, assim como da consolidação de valores como respeito às diferenças.

Outra mudança de paradigma social é a opção que muitas pessoas fazem por viver sozinhas. Viver sozinho já não tem mais o caráter negativo de tempos atrás, em que o indivíduo que vivia sozinho era tido como antissocial, infeliz ou solitário, diferentemente de hoje, em que muitos optam por viver sozinhos para garantir sua privacidade e poder escolher o momento mais apropriado para estabelecer contato com amigos e familiares.

Independente de conceitos e tipologias, família não é sobre arranjos sociais; é sobre elos, sobre onde, como e com quem você se sente bem e para onde sempre quer voltar.