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Ninguém gosta de falar sobre morte, embora todos os dias nos deparemos com ela. Evitamos o assunto justamente pela certeza inevitável de que partiremos um dia. Mas a verdade é que falar da morte é falar da vida – das oportunidades diárias que temos de tê-la.

A escritora Ana Cláudia Quintana Arantes, que também é médica, é autora do livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, um best seller no qual a autora afirma que, diante da morte, não é possível viver a partir de teorias. “A verdade não é uma teoria, é uma experiência”, frisa.

O livro é uma das maiores referências sobre Cuidados Paliativos no Brasil, pois a autora aborda o tema da finitude sob um ângulo surpreendente. Segundo ela, o que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la, de não usarmos nosso tempo da maneira que gostaríamos.

“Ninguém quer falar a respeito disso, mas a verdade é que passamos muito tempo da nossa vida em grande sofrimento quando perdemos bens, pessoas, realidades, sonhos. Saber perder é a arte de quem conseguiu viver plenamente o que ganhou um dia”, afirma a médica.

Em 2012, Ana Claudia Quintana Arantes deu uma palestra ao TED que rapidamente viralizou, ultrapassando a marca de 1,7 milhão de visualizações. A última fala do vídeo, “A morte é um dia que vale a pena viver”, se tornou o título do livro que, desde seu lançamento em 2016, vem conquistando um público cada vez maior ainda hoje.

Em “A morte é um dia que vale a pena viver”, Ana Claudia tem a coragem de lidar com um tema que é ainda um tabu. Em toda a sua vida profissional, a médica enfrentou dificuldades para ser compreendida, para convencer que o paciente merece atenção mesmo quando não há mais chances de cura.

Assim como não controlamos nada em nossa vida, não há qualquer controle sobre a morte; podemos morrer agora, interrompendo alguma tarefa, faltando ao almoço marcado com um amigo, deixando por fazer uma viagem de férias planejada, a lista do supermercado na porta da geladeira.

Negar essa possibilidade, para não sofrer, não nos blinda, tampouco nos impede de lembrá-la, mas gera angústia. “A gente passa a criar vários nós que vão enterrando a vida da gente. Negamos a morte, mas vamos a todo momento esbarrando em perdas e temos um esforço tremendo de sustentar aquela negação”, fala a psicóloga Júnia Drumond, especialista em tanatologia (ciência que estuda o processo do morrer). É assim quando não se leva as crianças ao cemitério ou não se conta a elas que um cachorrinho morreu e arruma outro igual para colocar no lugar. “A criança fica sem entender aquele cachorro, que não é dela, fica um enredo truncado, que dá mais trabalho, do que sentir, viver e chorar”, esclarece Júnia.

 

Vida – Aprender a lidar com a morte é, portanto, “permitir que o sofrimento venha e se vá”, emenda a psicóloga. “Dessa forma, a gente valoriza muito mais a vida e o que de fato é importante”, garante. Não é que temos que ficar pensando no nosso fim o tempo inteiro, isso não é sadio. Trata-se de fazer com que a morte ilumine a vida, nas palavras do padre Renato Alves, doutorando no tema: “saber morrer é saber viver”. Para o teólogo, a reflexão sobre a morte “ensina a viver intensamente o presente, cada instante do agora”.

A questão é: por que no Brasil, um dos países mais religiosos do mundo, as pessoas temem tanto a finitude, se a crença é de que há uma vida pós-mortal nos aguardando no paraíso, com a ressurreição? “Porque nosso desejo é de ser imortal nessa condição de vida, de viver eternamente com esses vínculos, com essa estrutura”, responde o padre, prontamente. O fato de a morte ser certa, mas imprevisível nos aflige, confessa Alves, “porque deixaremos pais, filhos, pertences”.

Devotamente falando, a morte deveria ser vista como lugar de passagem da vida terrena para a definitiva, prega o teólogo. Aí entra a religião, que, segundo Alves, vem nos dar uma solução para o problema e diz “que você vai continuar a viver, porém, em outra esfera”. No aprendizado da psicóloga Júnia, a espiritualidade ajuda e muito, já a religião, “depende de como a pessoa vai vivê-la”.

Mas talvez, a maior lição da morte não seja sobre as perdas e a saudade, mas principalmente sobre como viver.

(Fonte Jornal do Nordeste, Portal Psicologia, grupo Hora e UOL)