Os deuses gregos, cultuados pelos antigos habitantes da Grécia, eram representados sob a forma humana e simbolizavam os anseios e temores humanos. Possuíam qualidades e defeitos, muitas vezes exacerbados. O tratamento dado às deusas não era digno, muitas delas sofreram castigos perversos. Hera, irmã de Zeus, foi estuprada e acabou se casando com ele. Como Zeus era muito infiel Hera tornou-se uma mulher vingativa, perseguindo suas amantes e os filhos delas. Persífae foi amaldiçoada por Poseidon e teve um filho com o corpo de homem e a cabeça de um touro o Minotauro. Pandora foi um presente de Zeus para Epitemeu, descrita como uma mulher tão imprudente, má e preguiçosa, quanto graciosa e bela. Eco apaixonada por Narciso morreu de tristeza restando apenas sua voz, o eco. Existem muitos relatos sobre as deusas e as mulheres da mitologia nos quais o comportamento dos deuses são muito semelhantes aos comportamentos da sociedade de hoje com relação à mulher.
Saindo da mitologia e passando para um período histórico real, observa-se a secular desvalorização social e a exclusão de figuras femininas. O surgimento do capitalismo coincide com a caça às bruxas, uma guerra contra as mulheres, definindo uma nova ordem de opressão e silenciamento. Estabeleceu-se que a mulher era inferior ao homem, emocionais demais, incapazes de governar e tinham de ser colocadas sob o controle masculino.
A agressão, a desvalorização e a violência contra as mulheres estão presentes na mitologia quando as deusas eram castigadas, estupradas, depreciadas e tratadas com desdém. Na história mais recente da civilização, a violência ocorre quando as mulheres comparadas às bruxas por serem feias, sozinhas, viúvas ou lidarem com ervas foram queimadas em fogueiras. Quando há violência e agressão física até a morte de uma mulher, os fatos falam por si mesmos. Quando esses fatores são sutis, simbólicos, silenciosos e invisíveis fica mais difícil lutar contra eles, mas não é por isso que deixam de ser violência. Vivemos em um mundo conivente com um verdadeiro massacre físico, moral e psicológico contra a mulher. Trata-se de um problema social gravíssimo.
A luta das mulheres pela igualdade é diária, vem aos poucos sendo conquistada a duras penas e muito sacrifício. O direito ao sufrágio feminino em nosso país, por exemplo, é do início do século XX. No trabalho, para uma mulher demonstrar competência, precisa ser brilhante. Não existe simetria, um homem pode ser medianamente competente. Mesmo assim, muitas mulheres estão chegando ao topo de muitas profissões, alcançando cargos de chefia, mas existe por parte de muitos homens alguns comportamentos que indicam a agressão velada à fala das mulheres. São eles o manterrupting e o mansplaining, termos em inglês até o momento.
O manterrupting acontece quando um homem sem constrangimento interrompe uma mulher enquanto ela fala. O mansplaining ocorre quando um homem, além de interromper, explica coisas óbvias à mulher em um tom paternalista, como se ela fosse intelectualmente incapaz. Segundo pesquisas, as mulheres são interrompidas incessantemente pelos homens. Para subir nas carreiras, elas aprendem a interromper também, e, consequentemente, são taxadas com termos pejorativos como mandonas e desagradáveis. Provavelmente esse tipo de comportamento já foi ou é observado em quase todos os lugares. Na política fica patente e desagradável observar as interrupções, mesmo existindo poucas mulheres senadoras, deputadas, prefeitas, vereadoras, etc. Quando uma mulher sofre o manterrupting ou mansplaining e revida de maneira firme, algumas vezes é chamada de histérica, quando na realidade está sendo apenas assertiva. Esse termo vindo da psicologia é usado de forma pejorativa, pois insinua uma pessoa sem controle, sem equilíbrio emocional, portanto é uma violência, além de desrespeito. Hoje a mulher não precisa perder a voz como o mito de Eco, ela pode colocar-se como pessoa humana e ter seu lugar de fala respeitado. A mulher não precisa tornar-se Hera venenosa e buscar a vingança, no mito Hera não podia controlar Zeus; hoje a mulher pode fazer suas próprias escolhas desviando-se dos “Narcisos”.
Há um caminho longo a ser percorrido pela busca da igualdade entre homens e mulheres. O desrespeito às mulheres está nas histórias mitológicas e enraizado no inconsciente. Esse caminho passa pela educação e pelo respeito.
Eco, Hera, Pandora e Persifae: deusas da mitologia.
Epitemeu, Poseidon e Zeus: deuses da mitologia.
Mansplaining: interrupção da fala da mulher com explicações óbvias.
Manterrupting: interrupção deliberada da fala da mulher.
Minotauro: ser mitológico.
Narciso: personagem mitológico, símbolo máximo da vaidade
Histeria: um tipo de neurose.