Anúncio

A segunda ferida narcísica

Ter consciência faz uma enorme diferença na maneira como o ser humano interage no mundo, pois ele tem a certeza de sua finitude e isso causa uma imensa angústia. A evidência de que um dia todos irão morrer causa dor e sofrimento. Esse desconforto pode torna-se maior ainda devido ao fato que o dia e a hora da morte são desconhecidos por todos, mesmo pessoas em estado terminal não sabem exatamente quando irão morrer.

Segundo Charles Darwin, o ser humano está incluído na teoria da evolução das espécies. A constituição física se assemelha a de outras, porém os seres humanos são os únicos animais dotados de consciência, inclusive da própria morte. É difícil pensar sobre esse assunto sem ter algum desconforto.

A partir do desenvolvimento da teoria de Charles Darwin, Freud construiu sua teorização a respeito das feridas narcísicas que afetam o homem. São sofrimentos comuns apenas a ele, como por exemplo, não ser o centro do universo, não ter o controle sobre seu inconsciente. Apesar da consciência, ele é igual aos outros animais e sabe que haverá um final para a existência, com uma agravante, o desconhecimento de quando isso ocorrerá.

Existe um grande paradoxo em relação à compreensão da finitude humana. Seria possível ser feliz sabendo o dia em que se deixará de existir? Se fosse possível saber o dia e a hora de ir embora seriamos mais felizes? É realmente melhor não ter conhecimento do dia de deixar de existir? Qual a pior angústia, saber ou não?

Na mitologia existem muitos exemplos de deuses e mortais que tentaram enganar a morte e foram castigados, como por exemplo, Sísifo, que enganou a morte duas vezes e teve como punição passar o fim de seus dias empurrando uma pedra até o alto de uma montanha e vê-la rolar novamente até o chão, em um trabalho sem fim. Ele passou a existência sendo torturado. O conhecimento desse fato para o ser humano seria torturante, assim como foi para Sísifo? Passar a vida esperando o dia fatal pode parecer um castigo com final previsível.

Há muitos estudos e técnicas para prolongar e facilitar a vida humana, desde os mais simples, como os remédios, até os mais sofisticados como transplantes, próteses, máquinas prolongam vidas durante longos períodos. O avanço tecnológico é de tal ordem que o que até ontem parecia sonho hoje é realizável. Cientistas afirmam que o homem poderá viver 120 anos ou mais. Faz tempo que o homem deseja decretar a morte da morte, ele sente-se onipotente durante a vida. O acréscimo de tanto tempo à existência poderia ser um fator de mais angústia? Ou em outra perspectiva quem gostaria de escolher o dia da partida?

Ao perceber-se mortal o ser humano poderia fazer escolhas melhores? A angústia humana continua apesar das tentativas de burlar o tempo de vida. A consciência da finitude é uma das feridas narcísicas que se tem de enfrentar durante a viva, somos animais racionais feridos, justamente por termos consciência e apesar dela não ficaremos vivos para sempre.