Não há quem não o admire, assim como não há quem não seja impactado com a imponência do “Desbravador”, escultura feita pelo artista Fausto Mazzola para o centenário de Avaré. Em comum eles tem algo sensacional: são a mesma pessoa.

Estamos falando de Hadel Aurani, empreendedor, economista, administrador, terapeuta, visionário que foi modelo para a escultura e continua sendo aos 80 anos, uma inspiração para muitas gerações.

De porte atlético e imponente, ele continua a treinar na academia do Centro Avareense, clube ao qual é associado há décadas. Recentemente, o professor Valter Alves, fez questão de postar uma foto sua com ele, enfatizando o exemplo de Hadel.

Hadel e o professor Valter no Centro Avareense: treino aos 80 e vitalidade eterna

Na verdade, toda essa vitalidade não é novidade; 20 anos atrás, ele e a esposa Maria Lúcia (outra assídua frequentadora de academia) percorreram como peregrinos os 800 quilômetros do Caminho de Santiago de Compostela, entre a França e a Espanha.

Numa reportagem digna de ser repostada, o jornalista Flávio Mantovani (Fora de Pauta) retratou a história da escultura. Veja abaixo.

 

“Hadel Aurani não teve alternativa senão se concentrar na tarefa. Depois de uma série de exercícios para realçar os músculos, ele se dirigiu para o local indicado e encostou o machado no chão, apoiando ambas as mãos no cabo. Seguindo a orientação, ficou ali imóvel por um tempo, mirando para um ponto fictício no horizonte.

Os auxiliares olharam com entusiasmo para o escultor Fausto Mazzola (1918-2004). Mais uma vez, o palpite do mestre estava certo. O porte imponente do jovem de 17 anos parecia perfeito para servir de base ao mais novo projeto do artista: uma estátua que homenagearia os pioneiros de Avaré. Encomendada pelo então prefeito Paulo Araújo Novaes, a escultura faria parte da comemoração do primeiro centenário da cidade.

Mas não pense que foi fácil para o modelo. Era o final dos anos 50. O vestuário masculino estava praticamente restrito a chapéu, camisa de manga comprida, calça de linho, lenço e canivete. Se ir de camiseta para a escola nos dias de ginástica já era um constrangimento, imagina ficar só de calça jeans e botas enquanto seu corpo era minuciosamente esquadrinhado por Mazzola e seus assistentes.

Praticar fisiculturismo também era algo bem distante da realidade de Avaré há 60 anos. Não por acaso, o jovem Hadel costumava chamar a atenção quando passava pelas ruas.

Obra do acaso

Embora a relação com o corpo tivesse começado com o judô (ele chegou a ganhar campeonatos estaduais), outros fatores foram determinantes para o destino do esportista. Um dia, sabe-se lá como, uma revista que trazia uma imagem do fisiculturista Charles Atlas chegou até as mãos de Hadel. Aquele tipo de esporte, que exigir um rigor metodológico, o impressionou profundamente.

O comerciante Antônio Murakoshi, que pertencia à comunidade japonesa com a qual Aurani tinha bastante afinidade, também teve papel decisivo. Certa vez, ele conduziu o adolescente até um dos cômodos do imóvel onde ficava sua máquina de beneficiar arroz. Queria mostrar ao amigo algo que havia adquirido: uma barra de halteres com um manual de instrução.

Aurani começou a treinar incansavelmente. Em pouco tempo havia também uma barra fixa no quintal de Murakoshi. Alto, lutador de judô e agora adepto da musculação, Hadel deixava qualquer oponente no chinelo quando o assunto era porte físico.

O convite

Natural de Chavantes, Aurani se mudou com a família para Avaré no início dos anos 50, cidade onde criou laços de amizade e da qual não se afastou emocionalmente nem mesmo durante o período em que viveu na capital.

 “A cidade está no meu coração. Passei 14 anos em São Paulo e sempre dizia que era de Avaré quando perguntavam sobre minha origem”, conta ao Fora de Pauta.

Entre os amigos de escola estava Osvaldo Mazzola, filho do escultor. Numa ocasião, Osvaldinho chegou com um papo estranho. “Meu pai vai criar uma estátua para homenagear os fundadores e surgiu uma conversa a seu respeito. Você não gostaria de posar?”, perguntou.

 “No início foi um susto”, conta o economista. Osvaldo então o acompanhou até o ateliê montado na antiga estação da Estrada de Ferro Sorocabana. “Fiquei impressionado. Mazzola me tratou de maneira tão atenciosa que eu comecei a ficar mais tranquilo”, relata.

Uma foto foi tirada na primeira sessão. O economista foi novamente convocado quando a armação de ferro já estava pronta. A partir de então, ele foi orientado a permanecer na posição para que o escultor fizesse a modelagem da estátua.

O monumento

Inaugurado em fevereiro de 1958 na Praça Romeu Bretas (Concha Acústica), região central de Avaré, “O Desbravador” é símbolo da redefinição do espaço público comandada por Fausto Mazzola nos anos 50 e 60. O artista também foi responsável por outros monumentos, entre eles o “Relógio de Sol” e a “Fonte das Artes”.

“Demorei para cruzar comigo mesmo na praça. Havia sempre um forte sentimento de não compreender essa situação tão especial relacionada com a minha pessoa. Penso, hoje, que foi um presente e uma responsabilidade diferenciada”, relatou no livro “Avaré em Memória Viva”, de autoria do pesquisador Gesiel Júnior.

Mas é como se ele – de certa forma – jamais tivesse saído do centro nessas últimas seis décadas. Simbolicamente, o homem que diz levar Avaré no peito ficará pra sempre imortalizado no coração da cidade.

Encomendada no ano de 1958, a escultura “O Desbravador”, de autoria de Fausto Mazzola, compõe o período em que o artista remodelou o paisagismo urbano do centro histórico. Concebida para exibir a força e a coragem dos pioneiros no desbravamento do sertão do Rio Novo (hoje, Avaré), a emblemática obra está plasticamente representada na figura hercúlea de um homem com seu machado. Para esculpí-la, o professor Mazzola usou como seu ateliê uma sala de aula da antiga Escola Artesanal. Instalada em meio ao gramado da Praça da Bandeira, antigo nome da atual Praça Prefeito Romeu Bretas (Concha Acústica), a escultura foi inaugurada em fevereiro de 1959.

(Fotos e Fontes Flávio Mantovani, Fora de Pauta e Avaré Memorável – Gesiel Junior e Valter Alves)