A divulgação de notícias falsas, conhecidas como fake news, pode interferir negativamente em vários setores da sociedade, como política, saúde e segurança. Com a pandemia, a expressão entrou definitivamente para o vocabulário cotidiano e ganhou músculos, propagando desde curas milagrosas à teorias conspiratórias negacionistas, com doses cavalares de desinformação e notícias falsas que tem contaminado o mundo, deixando as pessoas doentes (não bastasse os vírus).
Apesar de parecer recente, o termo fake news, ou notícia falsa, é mais antigo do que se imagina. Segundo o dicionário Merriam-Webster, essa expressão é usada desde o final do século XIX. O termo é em inglês, mas se tornou popular em todo o mundo para denominar informações falsas que são publicadas, principalmente, em redes sociais.
Não é de hoje que mentiras são divulgadas como verdades, mas foi com o advento das redes sociais que esse tipo de publicação popularizou-se. A imprensa internacional começou a usar com mais frequência o termo fake news durante a eleição de 2016 nos Estados Unidos, na qual Donald Trump tornou-se presidente.
Com a popularização e acesso facilitado aos meios de comunicação, o conceito de fake news ganhou forma. Empregado às notícias fraudulentas que circulam nas mídias sociais e na Internet, o conceito é aplicado principalmente aos portais de comunicação online, como redes sociais, sites e blogs, que são plataformas de fácil acesso e, portanto, mais propícias à propagação de notícias falsas, visto que qualquer cidadão tem autonomia para publicar.
Em 2018, o Instituto Mundial de Pesquisa (IPSO) divulgou um estudo (Notícias falsas, filtro de bolhas, pós-verdade e verdade) que revela dados importantes. De acordo com o levantamento, 62% dos entrevistados do Brasil admitiram ter acreditado em notícias falsas, valor acima da média mundial que é de 48%. Outro estudo, consultado em junho de 2020, sobre o Relatório de Notícias Digitais do Instituto Reuters (Reuters Institute Digital News Report), mostrou que o WhatsApp é uma das principais redes sociais de discussão e troca de notícias no país, perdendo apenas para o Facebook. O levantamento apontou que 48% dos brasileiros que participaram da pesquisa usam o aplicativo como fonte de notícias, número bem superior comparado ao índice de países como Austrália (8%), Reino Unido (7%), Canadá (6%) e Estados Unidos (4%).
As fake news crescem conforme o número de compartilhamentos, então é necessário repassar somente informações verídicas e sempre se questionar caso veja uma manchete duvidosa. Notícias falsas espalham-se rapidamente e apelam para o emocional do leitor/espectador, chamando atenção com títulos sensacionalistas e causando o consumo do material “noticioso” sem a confirmação da veracidade de seu conteúdo.
Como funcionam? – Os motivos para que sejam criadas notícias falsas são diversos. Em alguns casos, os autores criam manchetes absurdas com o claro intuito de atrair acessos aos sites e, assim, faturar com a publicidade digital. No entanto, além da finalidade puramente comercial, as fake news podem ser usadas apenas para criar boatos e reforçar um pensamento, por meio de mentiras e da disseminação de ódio. Dessa maneira, prejudicam-se pessoas comuns, celebridades, políticos e empresas.
É isso o que acontece, por exemplo, durante períodos eleitorais, nos quais empresas especializadas criam boatos, que são disseminados em grande escala na rede, alcançando milhões de usuários. O Departamento de Justiça Americano denunciou três agências russas, afirmando que elas teriam espalhado informações falsas na internet e influenciarem as eleições norte-americanas de 2016.
Existem grupos específicos que trabalham espalhando boatos. No entanto, não é fácil encontrar as empresas que atuam nesse segmento, pois elas operam na chamada deep web, isto é, uma zona da internet que não é indexada pelos mecanismos de buscas, ficando oculta ao grande público e é dominada por hackers. Aqui no Brasil, membros da família Bolsonaro são investigados por suposto envolvimento com fakes News – o que não é estranho, considerando que o próprio presidente é um dos políticos que mais repassam fakes em seus discursos.
Para disseminar informações falsas, é criada uma página na internet. Um robô criado pelos programadores desses grupos é o responsável por disseminar o link nas redes. Quanto mais o assunto é mencionado nas redes, mais o robô atua, chegando a disparar informações a cada dois segundos, o que é humanamente impossível. Com tamanho volume de disseminação de conteúdos, pessoas reais ficam vulneráveis às fake news e acabam compartilhando essas informações. Dessa forma, está criada uma rede de mentiras com pessoas reais.
Como os responsáveis pelas fake news atuam, geralmente, em uma região da web que é oculta para a grande maioria dos usuários, não é fácil identificá-los e, consequentemente, puni-los. Além disso, essas pessoas usam servidores de fora do país, em lan houses que não exigem identificação.
Perigo!
Qualquer tipo de informação falsa, da mais simples à mais descabida, induz as pessoas ao erro. Em vários casos, a notícia contém uma informação falsa cercada de outras verdadeiras. É principalmente nessas situações que estão escondidos os perigos das fake news, e suas consequências podem ser desastrosas.
Um caso que ficou conhecido e chegou ao extremo foi o da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, que morreu após ter sido espancada por dezenas de moradores de Guarujá, no litoral de São Paulo, em 2014. A revolta dos moradores foi em virtude de informações publicadas em uma rede social, com um retrato falado de uma possível sequestradora de crianças para rituais de magia negra. A dona de casa foi confundida com a criminosa e acabou linchada por moradores.
Outro caso famoso de disseminação de fake news é o do movimento antivacina. Indivíduos contrários ao uso de vacinas espalharam conteúdos falsos, alegando que as composições químicas das vacinas eram prejudiciais à população. As informações afirmavam que os medicamentos contra febre amarela, poliomielite, sarampo, microcefalia e gripe poderiam ser um risco para a saúde, provocando as respectivas doenças nas pessoas, quando vacinadas.
Uma das consequências da propagação dessas falsas informações foi o crescimento alarmante no número de casos de sarampo no Brasil, em 2018, o que acarretou numa campanha intensa realizada pelo Ministério da Saúde. A fim de combater as fake News referentes ao assunto, o órgão lançou propagandas e informativos de combate às falsas informações sobre vacinas em diferentes veículos de comunicação e nas redes sociais. Outro resultado da disseminação de tais notícias foi uma população desconfiada do sistema público de saúde e muitos outros órgãos que atendiam às campanhas de vacinação, além de uma considerável diminuição no número de pessoas imunizadas, algo extremamente perigoso em épocas de epidemias e surtos.
Depois da greve dos caminhoneiros em 2018, que durou 11 dias, fechou rodovias de norte a sul do país e provocou desabastecimento de diversos produtos, alguns boatos de uma nova greve geraram tumulto nas grandes cidades. Em alguns municípios, filas de carros formaram-se em postos de combustíveis, pois as pessoas temiam o aumento do preço e até mesmo a falta do produto. Em época de eleições (como este ano), é comum candidatos ou eleitores usarem mentiras para levar vantagem. Com a presença de tantos eleitores nas redes sociais, uma mentira bem plantada pode alterar os rumos de uma eleição.
Fake que mata
Ao menos 800 pessoas morreram ao redor do mundo por causa de informações falsas relacionadas à pandemia de covid-19 no começo da pandemia, segundo pesquisadores. Um estudo publicado no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene afirma que quase 5,8 mil pessoas deram entrada em hospitais por causa de informações falsas recebidas em redes sociais. Muitas delas morreram após ingerir metanol ou produtos de limpeza à base de álcool por acreditarem erroneamente que esses produtos eram a cura para o vírus.
Os pesquisadores analisaram 2.311 registros de boatos, estigmas e teorias conspiratórias em 25 línguas em 87 países. Quase 25% eram ligados à doença, transmissão e mortalidade e 21%, a tratamentos e curas que não funcionam. A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse anteriormente que a “infodemia”* em torno do novo coronavírus se espalha tão rápido quanto o vírus em si, com teorias conspiratórias, boatos e estigmas que contribuem para mortes e lesões.
Muitas das vítimas seguiram conselhos semelhantes a informações médicas confiáveis, como comer grandes quantidades de alho, urina de vaca ou ingerir grandes quantidades de vitaminas, com o objetivo de prevenir infecções. Segundo os autores do estudo, todas essas atitudes acarretam implicações potencialmente graves para a saúde.
O artigo conclui que é responsabilidade de agências internacionais, governos e plataformas de redes sociais combater a “infodemia”. Empresas de tecnologia têm sido amplamente criticadas pela resposta demorada e insuficiente. Infodemia é o grande fluxo de informações que se espalham pela internet sobre um assunto específico, que se multiplicam de uma forma muito acelerada em um curto período devido a um evento específico, como a pandemia de Covid-19.
Por que as notícias falsas se espalham tão fácil?
Um estudo conduzido por pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Tecnology), nos Estados Unido, concluiu que as notícias falsas se espalham na internet seis vezes mais rapidamente que as notícias verdadeiras. Para chegar a essa conclusão, os cientistas estudaram um conjunto de cascata de rumores no Twitter, entre 2006 e 2017. E esse resultado não tem relação com a ação de robô; é fruto do comportamento das pessoas. Portanto, a chance de uma notícia falsa ser repassada é consideravelmente maior que a de uma verdadeira. Foram analisadas 126 mil notícias no estudo, e percebeu-se que a probabilidade de republicar uma informação falsa é 70% maior do que a de republicar uma notícia verdadeira. Os dados foram compartilhados por cerca de 3 milhões de pessoas mais de 4,5 milhões de vezes. Seis organizações independentes verificaram as alegações, incluindo instituições respeitadas de checagem de fatos, como Snopes, Politifact e Factcheck.
O termo “cascata de rumores” é usado para definir quando “um usuário faz uma afirmação sobre um tópico em um tuíte, que pode incluir texto escrito, fotos ou links para artigos on-line”. No estudo, foi comprovado que notícias falsas se espalharam entre 1 mil e 100 mil pessoas, enquanto que a verdade raramente chegou a mais de 1 mil usuários. A difusão de fake news teve mais alcance, velocidade, profundidade e abrangência do que as notícias verdadeiras. E os efeitos foram mais significativos para falsas notícias políticas do que para falsas notícias sobre terrorismo, desastres naturais, ciência ou informações financeiras.
Como identificar
A responsabilidade por passar adiante os boatos é das pessoas. Separamos algumas dicas para você não cair nesta armadilha de compartilhar conteúdos falsos.
- Verifique se o site é verdadeiro
- A notícia tem data? É recente mesmo?
- A notícia é assinada? Por quem?
- Desconfie de notícias bombásticas;
- Não confie em links compartilhados nas redes sociais. Vá à página oficial do site, clique na área de “pesquisar no site” e digite palavras-chaves da notícia.
- Certifique-se da veracidade da notícia antes de compartilhar. Na dúvida, não compartilhe.
- Observe:
- Os títulos são sensacionalistas ou milagrosos? Tenha dúvida, pois geralmente são feitos para acumular cliques e não necessariamente passar veracidade. Procure as informações em outros veículos, especialmente aqueles que você já conhece e confia.
- Confira a data da publicação. Uma notícia real, porém, antiga, pode causar pânico ou criar expectativas sobre alguma situação já resolvida ou controlada.
- A fonte realmente existe? É um canal com credibilidade? Há outras publicações duvidosas nesta plataforma? É sempre interessante investigar mais a respeito do site em questão.
- Consulte sites de verificação gratuitos. Repassar informações falsas, ainda mais se forem de grande complexidade, é perigoso.
- Não se atenha somente ao título. Leia todo o conteúdo.
Como combater
Para as autoridades, identificar e punir os autores de boatos na rede é uma tarefa muito difícil. No caso do Brasil, a legislação que prevê punição para esse tipo de crime não fala sobre internet, cita apenas rádio e televisão. Alguns sites de fake news usam endereços e layouts parecidos com os de grandes portais de notícias, induzindo o internauta a pensar que são páginas de credibilidade. Por isso, todo cuidado é pouco na internet.
A maneira mais efetiva de diminuir os impactos das fake news é cada cidadão fazer sua parte, compartilhando apenas aquilo que tem certeza de que é verdade. O ideal é duvidar sempre e procurar informações em outros veículos, especialmente nos conhecidos como grande mídia.
No Brasil, existem agências especializadas em checar a veracidade de notícias suspeitas e de boatos, as chamadas fact-checking. Alguns grandes portais de notícias também criaram setores para checagem de informações, como Agência Lupa, Aos Fatos, Truco, UOL Confere, Boatos.org e E-farsas.
Quando se fala em fake news é importante ter em mente que o exercício de nenhum direito fundamental é absoluto, nem a liberdade de pensamento, nem a liberdade de informar. “Nenhum direito pode ser usado para a prática de ilícito ou de ato nocivo que prejudique o próximo e a sociedade. Sempre haverá a relativização e a ponderação de valores diante da colisão de direitos fundamentais, com a primazia do bem comum e da ordem democrática”, afirma o defensor público Carlos Eduardo Rios do Amaral em artigo para o site Jus.
A influência no jornalismo
Em outubro de 2018, no Brasil, a busca pelo termo fake news atingiu a marca de quase 700 mil pesquisas no Google, sendo três vezes maior do que o mês anterior. Este aumento significativo foi consequência do alto índice de notícias falsas que circularam, principalmente por aplicativos de troca de mensagem, durante os meses que antecederam o período eleitoral brasileiro. Isto não só levou o Brasil a ser considerado como o país que mais acredita em notícias falsas no mundo, mas também afetou a credibilidade de muitos veículos de comunicação.
Embora o termo fake news tenha alcançado um pico de busca, são diversos casos em que é possível constatar o caráter determinante das notícias sem apuração, livres de fontes confiáveis e discriminatórias para o julgamento e tomada de decisão pela sociedade.
As fake news existem desde os primórdios da comunicação. Porém, o adensamento da internet e essa nova modelagem das relações sociais baseadas nas redes sociais, ampliaram drasticamente o número de casos de notícias como essas.
Segundo o blog Observatório da Imprensa, as notícias falsas tendem a existir por cinco motivos:
- fazer piada ou gerar humor;
- satisfazer o interesse do veículo de comunicação;
- ludibriar o leitor e influenciar a pensar e a tomar decisões que sejam do interesse do indivíduo idealizador da notícia;
- disponibilizar informação mal apurada com o objetivo de gerar confusão;
- causar omissão da mídia em detrimento do direito de informação do público.
O Brasil está em terceiro lugar entre os 12 países com maior exposição a fake news do mundo, ficando atrás da Turquia (49%), México (43%) e a frente dos Estados Unidos com 31%. O país aparece com 35% do consumo de informações completamente inventadas. A pesquisa feita pela Reuters Institute Digital News Report entrevistou mais de 74 mil pessoas em 37 países.
Embora o termo fake news seja autoexplicativo se traduzido para o nosso idioma, as “notícias falsas” podem sugerir os mais diversos significados para aqueles que criam, recebem e compartilham. O termo existe há mais de 100 anos e foi bastante utilizado em matérias que rechaçam outras informações com o objetivo de enganar o leitor e vender mais.
Entretanto, gerar vendas em periódicos apenas não bastava. O conceito da informação falsa se estendia às estratégias para manipular a opinião pública, vencer guerras, defender interesses políticos, difamar pessoas etc.Com a popularização da internet e a democratização criada pelas redes sociais, a informação se tornou mais “propensa” a ser criada e não só recebida.
Dessa forma, a livre criação e propagação das informações em larga escala não se manteve apenas à condição de jornalistas e veículos de informação, passando, assim, para as mãos de quem antes apenas recebia a notícia. No mundo da era digital, a democratização na produção de informações alcança dois pólos distintos: positivo e negativo.
Seria egocentrismo do jornalismo colocar a criação de conteúdo noticioso sob o véu majoritariamente jornalístico. O escoamento das fake news teve como consequência o questionamento da credibilidade dos veículos de comunicação no que diz respeito aos próprios interesses de cada empresa. Vamos ser justos: a imparcialidade é a utopia do jornalismo.
Segundo o jornalista Martin Baron, editor executivo do The Washington Post, a fake news dá origem a pós-verdade, termo que evidencia a importância dos apelos emocionais e crenças pessoais acima dos fatos objetivos. “O problema real é se nós tivermos muito trabalho para obter os fatos e as pessoas não acreditarem neles. Se nós tivermos investido muitos recursos, tempo e dinheiro tentando encontrar os fatos e então as pessoas simplesmente os rejeitarem porque eles não concordam com as conclusões. Então essa é uma preocupação real com qualquer notícia agora. Que nós façamos o trabalho e então as pessoas automaticamente o rejeitem por não se encaixar no seu próprio ponto de vista preexistente”, constata. E você, como leitor(a) concorda? Como leitor(a) você sabe o que fazer quando recebe aquela informação duvidosa? A responsabilidade do disseminador das informações falsas é tão importante ou até mesmo maior do que os criadores da notícia. Por isso, esteja sempre alerta acerca de tudo que recebe. Não repasse fake!
(Fontes JusBrasil, Reuters, BBC, Observatório de Imprensa, Superinteressante, Exame, G1, Em.com. Unesp, Valéria Guerra –IPOG, Wikipédia, Nexo Jornal, CNN e Saúde)