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Como já era previsível, a vacinação infantil contra o coronavírus se tornou a polêmica da vez. Vacinar as crianças ou não, eis a questão! No Brasil, país que é referência global em imunização, a dúvida chamaria a atenção simplesmente por existir. Mas em meio à disseminação de fake news (veja matéria de capa) e de falhas constantes de comunicação do Ministério da Saúde, o questionamento e o receio tomam conta dos pais. Com razão, claro.

A vacina pediátrica da Pfizer/BioNTech (Comirnaty®) para crianças na faixa etária de 5-11 anos foi aprovada pela Anisa em dezembro do ano passado. A dose pediátrica foi desenvolvida especialmente para crianças e contém o mesmo princípio ativo da vacina Pfizer para adultos, mas é 2/3 menor que a usada por pessoas com 12 anos ou mais. A dose pediátrica é de 10 microgramas (concentração de mRNA é 0,1 mg/mL), enquanto a dose normal é de 30 microgramas (concentração de mRNA é 0,5 mg/mL).

Hoje, pelo menos sete países já vacinam crianças de 5 a 11 anos: Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, França, Estados Unidos e Israel. Nos EUA, por exemplo, mais de 8,7 milhões de doses já foram aplicadas nessa faixa etária e nenhuma morte foi registrada desde o início da campanha em 3 de novembro. Resultados da FDA sugerem que a vacina pediátrica tem cerca de 91% de eficácia na prevenção de covid-19.

Já aqui, onde mais de 1,4 mil crianças já morreram em decorrência do vírus, a autorização da Anvisa para o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos foi anunciada em 16 de dezembro. Para a avaliação da ampliação da faixa etária dessa vacina, a Agência contou com a consulta e o acompanhamento de um grupo de especialistas em pediatria e imunologia. Ainda assim, a decisão de vacinar tem encontrado resistência e dúvida.

Ao contrário do que tem se propagado, nenhuma criança está sendo usada como cobaia. “A vacina da Pfizer/BioNTech não é experimental, pois já passou em todas as fases de estudos pré-clínicos (em animais), clínicos (em humanos) de fase 1 (segurança, imunogenicidade), 2 (segurança, eficácia, imunogenicidade e definição de dose em grupo pequeno) e 3 (segurança e eficácia em estudo randomizado, duplo cego e controlado com grupo placebo). A eficácia e a segurança foram demonstradas no estudo padrão ouro de fase 3 e a segurança continua sendo monitorada na fase de farmacovigilância (fase 4), após liberação de uso e aplicação em milhões de crianças de vários países”, diz Luiz Carlos Dias, professor e cientista da Força-Tarefa da Unicamp no combate à COVID-19

Nenhuma etapa no desenvolvimento da vacina foi pulada, mas etapas foram aceleradas em virtude da grave crise sanitária. A vacina pediátrica foi aprovada por todos os principais órgãos reguladores internacionais, também pela Anvisa e com opinião favorável das sociedades médicas brasileiras, além de todas as sociedades de especialidades médicas envolvidas em outros países, da agência americana FDA e da europeia EMA. A autorização da Anvisa para inclusão no Plano Nacional de Imunizações é uma garantia de que o imunizante é eficaz e seguro. Esses são os profissionais qualificados para avaliar se uma vacina é segura, eficaz e necessária, não os negacionistas de plantão ou os palpiteiros das redes sociais.

Reações e riscos – As chances de uma criança ter quadros graves de covid-19 superam qualquer risco de evento adverso relacionado à vacina da Pfizer, avaliam pesquisadores da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Membro do Departamento Científico de Imunizações da SBP, Eduardo Jorge da Fonseca Lima tem acompanhado os dados de vigilância farmacológica divulgados pela autoridade sanitária dos Estados Unidos, o FDA. Entre as mais de 8 milhões de crianças vacinadas no país, 4% tiveram eventos adversos pós vacinação, e, entre esses casos, 97% foram leves, tranquiliza o médico. “Um evento adverso muito falado e que preocupa as pessoas é a miocardite, que é uma inflamação no coração, que qualquer vírus ou vacina pode causar. De 8 milhões de doses aplicadas, houve registro de apenas 11 casos, e os pacientes evoluíram bem”, destaca.

A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Flavia Bravo acrescenta que a miocardite pós-vacinação é muito rara, e mais rara ainda em crianças, já que acomete com mais frequência adolescentes e jovens adultos. “Observou-se uma ocorrência raríssima de miocardite relacionada à vacina da Pfizer, 16 vezes menor que a incidência de miocardite causada pela própria covid-19”, analisa. “São casos raros, não houve nem uma morte por causa deles e a maioria nem precisou de internação”.

Os especialistas afirmam que os pais podem esperar como eventos adversos reações comuns a outras vacinas que já fazem parte do calendário infantil do Programa Nacional de Imunizações (PNI), como dor no local da aplicação, febre e mal-estar. Flávia Bravo compara que a frequência de eventos adversos relacionados à vacina da Pfizer em crianças tem se mostrado inferior a de vacinas como a meningocócica b e a pentavalente, que já são administradas no país: “A gente recomenda aos pais o mesmo que a gente recomenda para qualquer vacina. Os eventos esperados são as reações locais, febre, cansaço, mal-estar. Podem aparecer gânglios. Esses eventos são todos previstos e autolimitados. Se o evento adverso estiver fora disso que ele já espera que aconteça com as outras vacinas, é hora de procurar o serviço que aplicou a vacina e o seu médico, se você tiver”.

Fonseca reforça que os eventos adversos mais esperados são leves, como febre, dor no corpo e irritabilidade. Sintomas que devem alertar os pais para a necessidade de avaliação médica são febre persistente por mais de três dias, dor no tórax e dificuldade para respirar, aconselha ele, que reafirma que esses quadros são extremamente raros. “A gente não está dizendo que a vacina tem 0% de risco. Estamos dizendo que a vacina é extremamente segura, que um percentual muito pequeno vai ter evento adverso, e a imensa maioria desses eventos adversos vai ser considerada leve”, explica Fonseca.

 

Covid-19 em crianças – O médico enfatiza que qualquer risco de evento adverso é inferior ao que vem sendo observado nos casos de covid-19 em crianças. De janeiro ao início de dezembro de 2021, um levantamento da Fundação Oswaldo Cruz mostrou que houve 1.422 mortes por síndrome respiratória aguda grave decorrente de covid-19 na faixa etária até 19 anos.

Outra preocupação no caso de crianças com covid-19 é a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, quadro que gera inflamações em diferentes partes do corpo, incluindo coração, pulmões, rins, cérebro, pele, olhos ou órgãos gastrointestinais. Desde o início da pandemia, foram registrados 1.412 casos desse tipo no Brasil, causando 85 óbitos.

Os dados fizeram parte do embasamento de uma nota técnica divulgada pela Fiocruz em defesa da vacinação de crianças de 5 a 11 anos. Os pesquisadores da instituição escreveram que “ainda que em proporções de agravamento e óbitos inferiores aos visualizados em adultos, as crianças também adoecem por covid-19, são veículos de transmissão do vírus e podem desenvolver formas graves e até evoluírem para o óbito”.

Outro alerta diz respeito à disseminação da variante Ômicron, muito mais transmissível que as formas anteriores do novo coronavírus: “diante da transmissão e avanço atual da variante Ômicron, existe uma preocupação aumentada com seu maior poder de transmissão, especialmente, nos indivíduos não vacinados. Isso torna as crianças abaixo de 12 anos um grande alvo dessa e possivelmente outras variantes de preocupação”.

O pesquisador da Sociedade Brasileira de Pediatria acrescenta ainda que outro perigo é o desenvolvimento de um quadro de covid-19 longa, que pode trazer impactos cognitivos e prejuízos ao aprendizado. “O risco do adoecimento de uma criança por covid-19 e suas repercussões de curto prazo, como a própria miocardite pós-covid, as consequências da covid longa e a letalidade no Brasil, que é muito maior que em outros países, é incomparável ao risco-benefício de vacinar todas as crianças”, avalia Fonseca. Ele rechaça a ideia repetida por movimentos antivacina de que o imunizante seria experimental: “esse nome experimental é altamente equivocado. É uma vacina recente, que passou por todas as fases de estudo clínico, que mostrou sua eficácia e sua segurança”.

Flávia ressalta que os pais devem ficar tranquilos em relação à segurança da vacina. Mesmo com a celeridade no desenvolvimento, nenhuma etapa de testagem foi pulada, os resultados foram avaliados por outros cientistas ao redor do mundo e agora a efetividade da vacina está sendo confirmada pelas autoridades sanitárias de cada país que já iniciou a aplicação. “Além de já termos ensaios clínicos pré-licenciamento que são tranquilizadores, na prática, na vida real, a gente está observando isso também”.

 

Tire suas dúvidas

A vacina contra a covid-19 é segura para crianças?

Sim. Segundo a Anvisa, a vacina da Pfizer contra a covid-19 para crianças de 5 a 11 anos, quando administrada no esquema de duas doses, é segura e eficaz na prevenção da covid-19 sintomática, de formas graves da doença e mortes. A Anvisa chegou a essa conclusão depois de analisar os dados de estudos de fase 1, 2 e 3 feitos pela Pfizer nos últimos meses e enviados à agência. Essas etapas são necessárias para a aprovação de qualquer vacina e asseguram a segurança e a eficácia das doses.

Os estudos contaram com quase 4.000 voluntários, que foram divididos em dois grupos que receberam a vacina e um terceiro que recebeu um placebo (substância sem eficácia). Nos testes, o imunizante apresentou 90% de eficácia, valor semelhante ao obtido em ensaios clínicos com adultos.

Também houve proteção contra a variante delta do coronavírus — ainda não há dados sobre a ômicron (cepa descoberta no fim de novembro na África do Sul), embora, com adultos, a proteção tenha sido considerada insuficiente e só garantida com uma terceira dose de reforço, segundo a Pfizer.

 

A vacina para as crianças é a mesma que para adultos?

Não. Apesar de ser também da Pfizer, a vacina aprovada para crianças de 5 a 11 anos tem dosagem, composição e concentração de RNA mensageiro — principal componente do imunizante — diferente da usada em adultos. A dose equivale a cerca de um terço da que é administrada em pessoas com 12 anos ou mais. O frasco da vacina infantil também tem cor diferente — o que deve ajudar os profissionais da saúde na hora da aplicação. Entre as vantagens da dose pediátrica, está a de que pode ser mantida em geladeiras comuns, diferentemente da que é aplicada em adultos.

 

O RNA mensageiro da vacina da Pfizer traz algum risco maior?

Não. Apesar de estarem sendo usadas em larga escala pela primeira vez na pandemia de covid-19, as vacinas que usam a tecnologia de RNA mensageiro vêm sendo estudadas há décadas, e seu uso é seguro, como mostraram os testes clínicos da vacina da Pfizer. Imunizantes feitos de mRNA garantem imunidade contra doenças como qualquer outro. A diferença está em como eles fazem isso: enquanto vacinas convencionais usam vírus atenuados ou inativados para despertar a resposta imune do organismo, essas utilizam o mRNA sintético desenvolvido em laboratório.

Para entender como elas funcionam, é preciso lembrar que o mRNA serve para fornecer informações ao organismo para criar proteínas. No caso da vacina contra a covid-19, o mRNA produzido em laboratório ensina o corpo humano a fabricar a proteína S do Sars-CoV-2, responsável pela ligação do vírus com as células humanas. Assim que a vacina é injetada e o organismo passa a fabricar essas proteínas, os processos de defesa começam a se desencadear. Essas vacinas passaram a ser desenvolvidas por conta de vantagens como a segurança (elas não carregam agentes infecciosos), a eficácia e a facilidade de produção em larga escala. Parte das pessoas imagina que, por serem feitas de material genético, as vacinas de mRNA podem alterar o DNA de quem as recebe. Essa ideia é falsa. Os elementos presentes nas vacinas não foram feitos para integrar o código genético humano. Além disso, o DNA humano tem um sistema de proteção que destrói códigos genéticos estranhos que alcancem o núcleo das células.

 

A vacina contra a covid-19 é experimental?

Não. Assim como outras vacinas aprovadas no Brasil contra a covid-19, a vacina da Pfizer para crianças passou por pesquisas clínicas que atestaram sua segurança e eficácia, e seus dados foram aprovados pela Anvisa — o que encerrou a fase de investigação do imunizante. Dúvidas como essa também surgiram com o início da aplicação de vacinas contra a covid-19 em adultos, nos primeiros meses de 2021. Com o tempo, o sucesso da vacinação mostrou na prática que os resultados atingidos nos estudos clínicos se replicaram na realidade. Apesar de as pesquisas clínicas estarem finalizadas, a vacina não deixará de ser monitorada quando começar a ser aplicada — o que deve conferir ainda mais segurança para o processo de imunização. Na etapa da chamada farmacovigilância, as autoridades sanitárias monitoram possíveis reações às doses, por mais raras que sejam.

 

O fato de a vacina ter sido desenvolvida rapidamente traz risco?

Não. Apesar de ter sido desenvolvida menos de dois anos desde o início da pandemia, a vacina da Pfizer para crianças passou por todas as etapas de estudos clínicos necessários até a aprovação, e em todas essas etapas as farmacêuticas garantiram ter cumprido os critérios de segurança.  Segundo cientistas, o avanço rápido dos estudos sobre as vacinas contra a covid-19 se deve a fatores como o grande financiamento para pesquisa durante a pandemia e a priorização das análises sobre essas vacinas dentro das agências de regulação, dada a urgência e a gravidade do momento. Fatores como a alta circulação do coronavírus no mundo também contribuíram para que os estudos clínicos tenham ocorrido rapidamente, já que nesse contexto é mais fácil que os voluntários dos testes fiquem expostos ao vírus e a eficácia da vacina seja testada. Além disso, desde anos atrás cientistas estudam os coronavírus por causa das epidemias de Sars em 2002 (também causada por um vírus da família do Sars-CoV-2) e de Mers em 2012. Parte do conhecimento necessário para criar as vacinas atuais, portanto, já existia.

 

A vacina pode ter efeitos colaterais nas crianças?

Segundo os dados clínicos enviados pela Pfizer à Anvisa, cerca de 7% das crianças que receberam uma dose do imunizante apresentaram algum evento adverso (ou seja, alguma reação), mas em apenas 3,5% delas esses eventos tinham relação com a vacina. Nenhum deles foi grave. Grande parte dos problemas vistos nas crianças era evitável — estavam ligados a erros na aplicação da vacina, por exemplo. Entre os sintomas reportados, os mais comuns foram dor no local da aplicação, vermelhidão, inchaço, cansaço e dor de cabeça. Parte das pessoas se preocupa com a ocorrência de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) após a vacinação. Os estudos enviados à Anvisa não registraram esse problema entre crianças de 5 a 11 anos. Em idades maiores (16 e 17 anos), o risco foi de 0,007%, um valor muito baixo. Segundo as pesquisas, as reações adversas apareceram dentro de poucas semanas após a aplicação da vacina. Cientistas afirmam que não é preciso se preocupar com efeitos colaterais de longo prazo, pois os componentes das vacinas se degradam após algumas semanas no organismo.

 

A covid-19 traz menos riscos para crianças?

Embora crianças tenham menos risco de desenvolver a forma grave da covid-19 em comparação com adultos, os efeitos da doença sobre a esse grupo são relevantes, segundo cientistas. Mesmo em quantidade menor, há casos graves, internações e mortes de crianças pela doença. Segundo dados da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19, o país registrou 6.324 casos de síndrome respiratória aguda grave por covid-19 em crianças de 5 a 11 anos entre março de 2020, início da pandemia, e 5 de janeiro de 2022. Nesse período, houve 311 mortes. Crianças infectadas com o novo coronavírus também correm o risco de desenvolver síndrome inflamatória multissistêmica, doença rara que envolve a inflamação de diversas partes do corpo. Outra consequência para crianças vista em estudos é a chamada covid-19 longa, com sequelas no longo prazo. Com a vacinação, as crianças podem se proteger contra o risco de covid-19 e de suas formas mais graves e reduzir os efeitos da covid-19 longa. Imunizar esse grupo também é importante para diminuir sua contribuição na transmissão do novo coronavírus.

 

É verdade que a OMS é contra vacinar crianças?

A OMS (Organização Mundial da Saúde) não é contra a vacinação de crianças. Em novembro, a agência da ONU afirmou que os imunizantes contra a covid-19 que receberam autorização de entidades regulatórias (como a Anvisa no Brasil) para serem aplicados em crianças e adolescentes são seguros e eficazes para reduzir os impactos da doença nesses grupos. A OMS considera, de fato, que não é prioritário vacinar crianças contra a covid-19, porque elas costumam ter sintomas menos severos em comparação com adultos e ainda há países com baixíssima cobertura vacinal, como alguns da África, em que mesmo profissionais de saúde não estão totalmente imunizados. É importante notar, porém, que dizer isso é diferente de afirmar que as crianças não devem ser vacinadas. A OMS não considera urgente imunizar o grupo porque defende que é preciso primeiro haver doses disponíveis para todos os adultos.

 

Como deve ser o intervalo das doses?

O intervalo entre as duas doses da vacina pediátrica será de oito semanas — na bula da vacina da Pfizer, a diferença prevista é de 21 dias, mas o Ministério da Saúde afirma que a resposta imunológica é maior com intervalo mais longo. O governo não exigirá prescrição médica para a vacinação, como o Ministério da Saúde chegou a cogitar em dezembro de 2021. Caso o pai, a mãe ou o responsável pela criança a acompanhe na vacinação, também não há necessidade de autorização por escrito. Na sua ausência, será exigido o documento.

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(Fontes Agência Brasil, Ministério da Saúde, Jornal Nexo, Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP))