Alguma vez você foi abrir a porta do carro ou de casa e ficou procurando as chaves em todos os bolsos? A certeza de estar com a chave parecia tão vívida e real, mas você as esqueceu em outro local. Você tinha a certeza absoluta de tê-las colocado no bolso. Isso é um dos exemplos de memória falsa, ou recordações distorcidas, alguns eventos também podem fabricá-las, como a pressa ou o estresse.
Muitos estudos têm sido realizados desde o final século XIX sobre a memória e, consequentemente, sobre as falsas memórias. Esses estudos e pesquisas foram realizados sobre os erros de omissão, ou seja, o esquecimento, e também sobre a recordação distorcida de acontecimentos e situações que nunca ocorreram. Em uma pesquisa realizada com crianças e adultos chegou-se a conclusão que a recordação ou memória é um processo reconstrutivo, guiado por esquema preexistente.
A história ou fato se mantinha, mas os participantes tendiam a omitir detalhes que não fossem congruentes. Além disso, existia a tendência a preencher lacunas criadas pelo efeito do esquecimento, colocando em seu lugar informações familiares, criando uma visão distorcida da versão original dos acontecimentos. Nesse mesmo estudo constatou-se que é possível influenciar a memória através da sugestão e colocação de dados equivocados, alterando assim o processo de percepção das memórias.
Todos esses estudos e pesquisas serviram para distinguir conceitos até então pouco estudados. Um deles é a distinção entre memória reprodutiva e a reconstrutiva. A primeira foi definida em relação às situações nas quais ocorre uma reprodução precisa e fiel da informação armazenada na memória. Já a reconstrutiva refere-se àqueles casos em que o processo de recordação passa a ser integrado por novas informações que dão origem a inúmeros erros. O uso de informações preexistentes influenciam a memória, podendo dar significados completamente distorcidos da memória original, pois ela está organizada em uma rede semântica, ou seja, pela língua falada e escrita. Uma informação equivocada conduz à outra e assim sucessivamente.
A análise das falsas memórias, além de ser importante na compreensão e funcionamento da memória, teve e tem uma repercussão enorme na sociedade científica e na psicologia forense, pois tornou evidente que todos os indivíduos estão sujeitos a esse tipo de erro, o que pode acarretar consequências imprevisíveis e perigosas.
Com os estudos e pesquisas o conhecimento dos processos de retenção, codificação e recuperação da memória, seja ela correta ou falsa tornou a compreensão mais acessível. E por que isso é tão importante? Hoje fala-se em síndrome das falsas memórias ou implementação de falsas memórias, termo utilizado para designar a ocorrência dos mais diversos tipos de memórias e lembranças, inclusive as de abusos sofridos na infância. Freud já havia percebido esse tipo de tipo de fenômeno em seus pacientes há mais de cem anos. Ele mesmo alertou que muitos dos relatos eram falsos. Então, todo cuidado é pouco na busca de informações sobre memórias reprimidas, elas podem ser influenciadas de muitas maneiras, como sugestão, implementação de dados equivocados, de maneira inconsciente ou intencional. Portanto a compreensão do funcionamento da memória, principalmente no estudo de falsas memórias é essencial nas mais diversas áreas do conhecimento, pois têm implicações negativas para todos. A descrição de memórias ou informações distorcidas pode, involuntária ou propositalmente, condenar inocentes e deixar livres criminosos.
O assunto é polêmico, assim o cuidado na análise das memórias e informações obtidas deve ser pautado por profissionais idôneos e competentes, através de métodos científicos consolidados. Assim, é importante lembrar que todas as pessoas estão sujeitas a sofrer com as falsas memórias, até mesmo as que têm uma excelente memória costumam reproduzir esse fenômeno.