Personal friend: você pagaria para ter um amigo de aluguel?

Você já se sentiu sozinho ou acreditou ter dificuldade para fazer novas amizades? A maioria das pessoas já viveu esse sentimento, e não é nada legal encarar a realidade de não ter um amigo para ir num determinado lugar com você, ou fazer companhia em um café para te ouvir desabafar sobre a vida – a não ser que você curta a solidão, é claro. Mas, se para você estar sozinho é uma tortura, a internet te traz a solução: você pode ter um amigo de aluguel.

Não, não é fake não, nem alusão a seriado de TV. Essa novidade já existe há algum tempo na verdade. Alguns o chamam de “ Personal Friend” – uma pessoa que, por um valor específico e lucrativo, faz companhia à outra em eventos, encontros, entre tantas outras maneiras de se interagir socialmente, se tornando um amigo de aluguel.

A secretária Renata Jaques (nome fictício) é uma personal friend. Ela explica que auxilia as pessoas que a procuram em momentos de crises pessoais. “Tento ser um ombro amigo mesmo e um apoio para o meu cliente, porém só naquela fase necessária. As afinidades podem surgir futuramente, já que a convivência pode criar uma conexão maior, um vínculo. Entretanto, evito deixar que isso aconteça. Sou amiga naquele momento, naquela necessidade específica.”

Ela também afirma que costuma atender até um certo tempo, pois quando começa a se tornar algo muito íntimo, com envios de mensagens e fotos, por exemplo, sente que isso “abusa um pouco” de seu trabalho.

Mas e quando a situação começa a exigir um pouco mais de intimidade? Afinal, amizade é justamente isso. “No contexto do meu trabalho, esses pedidos são ‘extras’ que não entram nas minhas atividades como personal friend. A tarefa que eu realizo é, basicamente, conversar com a pessoa, sair com ela para um bar ou restaurante a fim de desabafar comigo. Depois, cada um volta para sua rotina. Não existe intimidade a esse ponto de pedir carona, cuidar dos cachorros ou pedidos semelhantes”, especifica.

Flora Victoria, presidente da Sociedade Brasileira de Coaching, em São Paulo (SP), fala sobre a importância de ter amigos: “o ser humano é um ser social, e a boas amizades são um dos grandes pilares para o desenvolvimento pessoal. Quem não as tem pode até entrar em depressão”. No entanto, a própria presidente diz que essa atividade não se encaixa na definição de coach, profissional contratado para ajudar a encontrar metas em qualquer esfera da vida e que aplica técnicas específicas para chegar ao resultado esperado. “Coach não dá conselhos, opinião pessoal nem sugestões sobre o que fazer a respeito de alguma situação. Por outro lado, essas são todas atitudes esperadas em um amigo”, pondera Flora.

Se, por um lado, ter alguém com quem desabafar é melhor do que não ter ninguém, por outro, é preciso questionar se essa relação, de fato, supre as necessidades de cada um. O psiquiatra Amilton dos Santos Júnior, professor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp, questiona: “Amizade pressupõe experiências compartilhadas, tempo de convivência, etc. Não há problema em alguém estar disponível para ouvir, aconselhar e cobrar por isso, mas essa relação pode, de fato, ser chamada de amizade?”.

Para a psicóloga Luciana Karine de Souza, pós-doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e uma das organizadoras do livro “Amizade em Contexto: Desenvolvimento e Cultura” (Editora Casa do Psicólogo) a resposta é não. “Uma relação entre amigos não pode envolver pagamento para ser mantida. Deixa de ser amizade e passa a ser uma ligação de negócios. Creio, também, que chamar isso de ‘amizade’ pode amenizar o clima de negócio, dar a ideia de que o pagamento é um detalhe. Na verdade, ele é o que, na minha opinião, desqualifica essa relação como amizade”, diz.

Ou seja, a conclusão é clara: apesar do título do “cargo” utilizar a palavra “amigo” para definir o serviço, a realidade é bem diferente.

 

 

 

Geração solitária

A economista Noreena Hertz afirma que quem procura esse tipo de amizade costuma ser solitário. Em O século da solidão ela chegou a relatar o caso de um homem que estava tão carente que gastou mais de US$ 2 mil por mês com amigos de aluguel. Por causa dos gastos, perdeu sua casa e teve que ir morar no carro.

Infelizmente, sem saber como lidar com a própria solidão, muitos acreditam que esse tipo de serviço pode resolver o vazio que sentem. Mas não é passando uma hora com um desconhecido que o buraco no peito será preenchido. Vivemos em uma sociedade narcisista em que as pessoas são incentivadas a conquistar e a valorizar o ego. Com isso, se deixam de lado a conversa e o olhar para o outro.

Um estudo da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, constatou que as mídias sociais também colaboram para que os usuários se sintam mais solitários. Segundo a pesquisa, pessoas que gastam mais de duas horas por dia nessas plataformas têm duas vezes mais probabilidade de se sentir socialmente isoladas.

O ser humano precisa de relacionamentos sólidos e eles dependem de dedicação e interesse mútuos. Amizade é reciprocidade, é se preocupar com o outro, é saber ouvir de verdade, é amar sem interesse. Por isso, para conquistar um amigo de verdade é necessário se preocupar muito mais em ser do que em ter.

Honorários da amizade

Por mais que a vibe tenha que ser mais empática, no Brasil o amigo de aluguel está virando business. Explica-se: a crise não tem castigado apenas os brasileiros. Muitos países vêm enfrentando dificuldades e até países do primeiro mundo não estão conseguindo gerar o número de empregos necessários, e assim, milhões de pessoas no mundo todo saem de casa todos os dias para tentarem encontrar um emprego, seja ele qual for, pois o importante é ter uma remuneração e recomeçar a vida.

Até o Japão vem enfrentando este problema e, por lá, também não está fácil conseguir uma oportunidade no mercado de trabalho, por isso, há muitos japoneses trabalhando como “Amigo de Aluguel”.

Eles descobriram que há muitas pessoas dispostas a pagarem por um ombro amigo, uma pessoa que saiba ouvir, compreenda suas dificuldades, escute suas lamentações, nem que seja por algumas horas.

O valor médio cobrado por uma hora de serviço prestado é de R$ 30,00 e o profissional atende qualquer pessoa que esteja precisando de um amigo. O “Amigo de Aluguel” vai conseguindo aumentar sua clientela à medida que consegue passar confiança e credibilidade aos seus clientes e assim eles vão sendo recomendados a outras pessoas e, dentro de algum tempo, já conseguem contar com uma remuneração satisfatória.

A ideia do “Amigo de Aluguel” aqui no Brasil pode render um bom dinheiro. Cobrando esse valor de R$ 30,00 por hora e trabalhando de segunda a quinta-feira, por 6 horas diárias, no final de semana a pessoa terá recebido R$ 900,00. Em um mês a remuneração pode passar dos R$ 3.600,00. Quem trabalhar mais de 6 horas por dia e também aos finais de semana, consegue até dobrar esta remuneração mensal.

Se você pensa que essa é uma ideia brilhante dos japoneses, saiba que os brasileiros já adotaram este novo “negócio” e claro, vão o aperfeiçoar.  Basta fazer uma pesquisa no Google por “Amigo de Aluguel” que você encontrará vários anúncios.

Não é preciso ter experiência profissional, até porque esta não é nenhuma profissão regulamentada, mas é imprescindível que o “Amigo de Aluguel” seja pontual nos encontros, atencioso, saiba ouvir, respeitar a opinião do outro e saber falar na hora certa.

Importante salientar também que nem todos querem um “Amigo de Aluguel” para conversar, há quem esteja procurando alguém para ser uma companhia na hora de ir ao cinema, para uma viagem, ficar em casa jogando baralho, enfim, são muitas as oportunidades. A oportunidade é tentadora, mas não é um serviço fácil, então pense bem antes de resolver a se arriscar como “Amigo de Aluguel”.

Mas, quem sabe em meio ao business, muitos descubram o quanto é bom ter amigos verdadeiros e não alugáveis; podem até dividir as contas, mas caminharão juntos pela vida, carregando do lado esquerdo do peito, aquela pessoa tão especial. Quem sobreviver, verá.

 

(Fontes R7, UOL, BBC e Reuters)