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O lado caricato de Hollywood

Devido à pandemia ficamos mais de um ano sem produções inéditas, à mercê de repetecos infinitos em meio ao tédio do isolamento social. Mas calma, não se desespere! “Bestas do Abismo 6”, sexto filme da 23ª franquia mais rentável do cinema, irá te salvar da pasmaceira. E para gravar tal filme, o elenco e a produção tem que ficar confinados três meses num hotel de luxo nos arredores de Londres que parece o castelo de “Downton Abbey” – a tal “bolha” do título.  Depois de tantos filmes e tanto dinheiro de cachês, o elenco já entrou na fase de se desentender e dar chiliques por qualquer coisa, isolados na bolha a coisa piora. E, por mais conforto  que tenham lá, ninguém aguenta tanto tempo sem contato com a família, sem sexo e sem diversão, aí começa o “mi-mi-mi” e todos furam a clausura.

“A Bolha” é uma sátira à Hollywood como um todo e uma mais específica, em relação às filmagens de “Jurassic World: Dominion”, que levou 18 meses pra acabar e todos ficaram presos e submetidos a todos os tipos de desafios. Numa crítica mordaz aos clichês hollywoodianos, a nova produção da Netflix traduz o que o público pensa das celebridades e do metiê do showbiz. A trama faz piada dos altos e baixos nas carreiras das estrelas e critica seus estrelismos e excentricidades (“artistas são animais”).  Até o hábito de atores adotarem filhos em países pobres é mencionado. Excesso de momentos engraçadinhos, diálogos que ficam na zona nebulosa entre “papo cabeça” e alívio cômico;  zoeira com as pessoas na clausura e  seus surtos, com reuniões via Zoom, uso de máscara  e o horrível teste nasal: piadas que já se tornaram datadas e ninguém mais aguenta.

A metalinguagem é usada à exaustão, atores pendurados em cordas sobre o cromaqui que simula montanhas, vulcões, e atores patéticos atuando como dinossauros. Produtores entediados se lixando se o filme é bom ou não; donos de estúdios tiranos comandando a produção direto das Ilhas Fiji. E por fim, o inexperiente diretor que precisa do filme e só está ali porque ganhou um prêmio no festival de Sundance com um longa feito com um iPhone 6.  Assim como na vida real, as situações beiram o absurdo: roteiros reescritos mil vezes, atores mais preocupados com suas imagens e com o chifre que levam do que com o filme; e  substituições ridículas no elenco.

O diretor e roteirista Judd Apatow ( de “O Virgem de 40 Anos” , “O Rei de Staten Island” e “Ligeiramente Grávidos”) cutuca tudo e todos da indústria cinematográfica, em alguns momentos as indiretas cansam e parecem piadas internas que só os muito antenados entenderão. A trama funciona mais para quem tem um pouco de conhecimento do meio e de tretas dos famosos.

O elenco estelar não consegue compensar o roteiro frágil. Karen Gillan, Carol Cobb, David Duchovny, Pedro Pascal, Maria Bakalova, além das participações especiais de John Lithgow e James McAvoy. Os personagens são bem rasos mesmo tendo vidas e psiquês que dariam um tratado de psicologia, no entanto, lá por meados da trama percebi que a ideia é mesmo mostrar que toda celebridade é superficial, por mais que tente parecer culta e espiritualizada. Num festival de megalomania,  os atores de “Feras do Abismo” cansam e começam a tirar sarro do próprio filme até terem o insight de que  irão salvar o mundo do tédio, afinal eles são uma família de heróis com muita fama e dinheiro.

“A Bolha” vai ser colocado na minha prateleira dos “guilty pleasures” (aquele filme ruim que você tem vergonha de dizer que gosta), porque apesar de ser um trash  com ares  de super produção, comecei  a assistir, não consegui desgrudar e dei boas gargalhadas.