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Muitos dirão que foi preciso uma guerra para acabar com a pandemia. Ledo engano. Ainda não acabou e se ela terá muito futuro, isso é incerto. Contudo, em fevereiro países como Reino Unido, França, Espanha e Dinamarca decidiram que a covid-19 não será mais encarada com uma pandemia e começou a ser tratada como uma endemia em seus territórios. Com isso, a doença provocada pelo coronavírus deixará de ser vista como uma emergência de saúde e muitas das restrições — uso de máscaras, proibição de aglomerações e exigência do passaporte vacinal — cairão por terra.

Embora anúncios do tipo fossem esperados, eles causaram muita confusão: em alguns casos, a endemia foi interpretada como o fim da covid — quando, na verdade, estamos muito longe disso (e é bem possível que essa doença nunca desapareça). Mas, afinal, o que uma endemia significa na prática? Os países europeus acertaram na decisão? E será que o Brasil também vai chegar nessa mesma etapa logo mais? Para começo de conversa, vale esclarecer que uma endemia não é necessariamente uma boa notícia. Ela apenas significa que há uma quantidade esperada de casos e mortes relacionadas a uma determinada doença, de acordo com um local e uma época do ano específicas. E esses números nem aumentam, nem diminuem.

A infecção pelo herpes simples, que provoca feridas na boca e na região genital, é uma endemia. Estima-se que pelo menos dois terços da população mundial com mais de 50 anos já tiveram contato com esse vírus. Apesar de incômodo, esse quadro não está relacionado a grandes complicações ou risco de óbito.

Por outro lado, outras doenças bem mais sérias e mortais, como tuberculose, aids e malária, também são endêmicas. Só na malária, estima-se que cerca de 240 milhões de casos e 640 mil mortes aconteçam todos os anos, segundo as estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A questão, portanto, tem a ver com a estabilidade nas estatísticas relacionadas com aquela enfermidade. Quando esses números fogem do controle, a situação evolui para uma epidemia (se o problema for localizado numa região) ou para uma pandemia (caso a crise se alastre por vários continentes).

Por outro lado, muitos especialistas em doenças infecciosas dizem que pode existir um fim à vista. “Acho que, se fizermos certo, teremos um 2022 em que a Covid-19 não dominará tanto nossas vidas”, disse Tom Frieden, ex-diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA durante o governo de Barack Obama.

Como será a próxima parte da pandemia e quando será é o que Yvonne Maldonado, epidemiologista e especialista em doenças infecciosas da Universidade de Satnford (EUA), e especialistas em agências federais, colegas acadêmicos e líderes locais de saúde pública passaram as férias de fim de ano tentando descobrir. Pelo menos há um consenso geral entre os especialistas sobre o que acontece a seguir: “Realmente não sabemos exatamente”, disse Maldonado. Existem modelos de doenças e lições de pandemias passadas, mas a maneira como a variante Ômicron surgiu deixou a bola de cristal dos cientistas um pouco nebulosa. “Nenhum de nós realmente antecipou a Ômicron”, disse Maldonado. “Bem, havia sinais, mas não esperávamos que acontecesse exatamente do jeito que aconteceu”.

Especialistas em doenças infecciosas veem esperança ao analisarem o que aconteceu na África do Sul. Cientistas sul-africanos identificaram a variante pela primeira vez em novembro. Os casos atingiram o pico e caíram rapidamente. O mesmo ocorreu no Reino Unido. E é isso que os especialistas acham que acontecerá em todos os lugares.

“Eu prevejo que no curto prazo ainda será bastante difícil”, disse John Swartzberg, especialista em doenças infecciosas e professor da Universidade da Califórnia (EUA). “Em meados de fevereiro vamos começar a realmente ver as coisas estão melhorando.Se esse pico passar rapidamente, muitos especialistas pensam que pode haver um “período de tranquilidade”. Swartzberg acredita que março até a primavera ou até o verão será como no ano passado, com um declínio contínuo no número de casos. “Haverá uma sensação de otimismo e então poderemos fazer mais coisas em nossas vidas”, afirma o especialista.

Parte de seu otimismo decorre do fato de que haverá uma população imune muito maior, entre o número crescente de pessoas vacinadas e reforçadas e aquelas que pegaram Covid-19 durante o surto recente. “O nível de imunidade da população também nos ajudará com novas variantes”, disse Swartzberg. Mas o coronavírus provavelmente nunca desaparecerá completamente.

“Antecipo totalmente que outra versão do vírus volte”, disse Maldonado. “Esses são os cenários que realmente trazem incerteza para o que vem a seguir”.

A próxima variante

A próxima variante pode ser tão ou mais transmissível que o Omicron. Pode dar às pessoas sintomas mais graves – ou nenhum sintoma. “Não está claro”, argumenta George Rutherford, epidemiologista da Universidade da Califórnia (EUA). O vírus pode sofrer mutações gradualmente, como aconteceu com as variantes Alfa e Beta, ou poderia dar um salto muito grande, como com Delta e Omicron, analisa Rutherford. O vírus da gripe H1N1, por exemplo, era um vírus novo quando iniciou uma das piores pandemias da história em 1918 – acabou infectando um terço da população mundial e matou 50 milhões de pessoas. Essa pandemia acabou, mas o vírus ainda está entre nós hoje.

“Esse foi o primeiro de todos os vírus H1N1 que vemos todos os anos”, disse Maldonado. “Eles tiveram muitas mutações desde então, mas são da mesma cepa. Portanto, é possível que o coronavírus faça algo semelhante.”

Cerca de 35.000 pessoas por ano morrem vítimas da gripe nos EUA, de acordo com o CDC . “E continuamos com nossas vidas”, disse Swartzberg. “Eu não acho que nunca vai voltar ao que era, exatamente.” Maldonado diz que “esse é o melhor cenário”. Com esse cenário semelhante ao da gripe, o mundo precisa se concentrar em proteger aqueles vulneráveis ​​a doenças graves, garantir que sejam vacinados e tenham acesso a anticorpos monoclonais e antivirais, disse Maldonado. As famacêuticas precisariam fabricar vacinas específicas de variantes para que as pessoas pudessem se vacinar todos os anos.

“É completamente seguro afirmar que outras variantes vão surgir principalmente em locais com baixo índice de vacinação onde se tem alta circulação do vírus”, afirma Alexandre Naime Barbosa, chefe do departamento de infectologia da Unesp. Mesmo assim, há luz no fim do túnel. Para a infectologista Eliana Bicudo, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), é possível que novas mutações tenham “menor patogenicidade”, ou seja, tenham menos capacidade de gerar doença, efeitos danosos às pessoas contaminadas. “A gente espera, mas isso é só uma esperança, que as variantes tenham um perfil de menor patogenicidade, até mais que a ômicron, por exemplo, que transmite mais, mas parece um pouco menos patogênica”, afirmou.

Para ilustrar

Dengue é um exemplo de endemia – Endemia é quando um grande número de casos de uma doença, com base no histórico da sua ocorrência, já é esperado para a região. Um exemplo disso são os casos de dengue no Brasil, uma doença que se sabe que todo ano haverá ocorrências. Um quadro endêmico não está relacionado aos casos de mortes ou de registros de uma enfermidade.

(Fontes BBC, G1, CNN e Reuters)