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Discurso de ódio. Sim, você já ouviu bastante essa expressão nos últimos meses e ainda ouvirá. E exatamente por isso, a primeira reação a essa matéria possa ser aversão já que o tema está demasiadamente batido, explorado e principalmente, envolve as eleições – esse acontecimento que exaure a nossa paciência como eleitores. A sensação é de que estamos num campo minado e qualquer passo a direita ou esquerda, pode eclodir uma reação em cadeia (normalmente negativa). O que vai dar nas eleições? Polarização total e com ela, o aumento da violência política, resultado do ódio. Não foi só o gigante que acordou. Foi também a ignorância, a violência, a intolerância.

O objetivo aqui não é falar de candidatos, do que eles fomentam, mas descobrir porque afinal, as pessoas estão tão propensas a disseminar o ódio contra quem pense de forma diferente. O que está por trás dele e os riscos que ele pode ocasionar.

Ódio é uma palavra forte, antônimo de amor. Na definição da Wikipédia, ele também chamado de execração, rancor e ira; é definido como um sentimento intenso de raiva e aversão. Traduz-se na forma de antipatia, aversão, desgosto, rancor, inimizade ou repulsa contra uma pessoa ou algo, assim como o desejo de evitar, limitar ou destruir o seu objetivo.

Não há dados precisos de quando surgiu a expressão ‘discurso de ódio’, mas o regime nazista, que perdurou durante a Segunda Guerra Mundial e pregava, dentre outras ideologias, o antissemitismo (ódio e preconceito contra os judeus) é citada obviamente como exemplo mais recentes da história. Nada foi aprendido com ele. Também é inegável que Donald Trump reativou e potencializou esse ódio do discurso. Ele foi constantemente acusado de usar as redes sociais para veicular discurso de ódio e incentivar a violência, que culminou na absurda e recente invasão ao Capitólio em Washington (EUA).

As redes sociais são a principal via deste tipo de discurso. Antes mesmo de ser eleito presidente, em 2016, Trump havia informado que Barack Obama, seu antecessor, não era nascido nos EUA (uma informação falsa e amplamente desmentida). Após ascender à Casa Branca, curtiu, compartilhou e postou conteúdos de incentivo a proibições e banimentos de grupos sociais marginalizados, como muçulmanos e imigrantes de outros países – o que vai contra normas de combate ao discurso de ódio das empresas de tecnologia. Mais além, ele retuitou um vídeo que mostrava um de seus seguidores gritando as palavras “White Power” (“Poder Branco”, na tradução literal) – um mote utilizado por grupos racistas que pregam a supremacia branca. Trump também chegou a publicar no Twitter a postagem “Quando os saques começam, vêm os tiros” (“When the looting starts, the shooting starts”), uma frase com histórico racista, interpretado por muitos como um incentivo à violência armada contra os manifestantes do movimento Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”, conforme o movimento tomou forma no Brasil).

Aqui no Brasil, quando se fala do tema, naturalmente vem a monte o presidente Jair Bolsonaro, que tem até gabinete para o tal ódio. Claro que ele nega, ainda mais agora com a corrida presidencial. Já Lula da Silva, que já emplacou o ‘paz e amor’, também fez diversas incitações ao longo da sua trajetória com o mesmo ódio.

Porém, como dito anteriormente, essa matéria não é sobre candidatos e sim, sobre o que está por trás do ódio que tanto motiva eleitores polarizados. A morte de um militante petista recentemente elevou o combo de ‘medo e ódio’ que assombra as eleições e acende o alerta: será que estamos à mercê de um novo Capitólio brasileiro?

Com as instituições políticas em xeque, o país tem visto um trailer de uma eleição presidencial marcada por tensão, ódio e medo. O pleito caminha para um embate inédito entre um presidente da República e um ex-presidente. As sondagens de opinião mostram que o surgimento da terceira via tem sido improvável.

Neste ambiente pré-guerra eleitoral, o pleito pode ser marcado por uma forte presença dos militares, algo sem precedentes desde a redemocratização do país, em 1985. Parte das Forças Armadas, em apoio ao discurso do atual presidente, tem posto em dúvida o sistema das urnas eletrônicas  — utilizadas em todo país a partir do ano 2000.

De forma surpreendente, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveiro, tem desafiado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável pela condução do pleito. Em uma reunião reservada, revelada pela revista Veja, o general disse que a Corte tem a obrigação de responder a questionamentos feitos pelos militares sobre a eleição, e ameaçou fazer uma auditoria na votação e convocar uma comissão para que os integrantes do TSE prestem esclarecimentos sobre o pleito.

Ao mesmo tempo em que o ambiente político brasileiro se torna menos civilizado, o país assiste a uma escala de violência. As principais autoridades do Brasil vieram a público para condenar a recente morte do militante petista e tentar acalmar a situação. Apesar disso, permanece no país um mar de dúvida se a jovem democracia brasileira será capaz de resistir.

As mortes por intolerância política no Brasil já superam as de 4 eleições nacionais; foram 26 assassinatos neste ano , segundo tuitou o jornalista Ricardo Noblat (Estadão).

Como ele alimenta a violência política?

Aos gritos de “Aqui é Bolsonaro” o agente penitenciário federal Jorge Guaranho invadiu a festa de aniversário de 50 anos do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), o guarda municipal Marcelo de Arruda, e atirou nele, que morreu dias depois.  Em outro caso, três dias antes, André Stefano Dimitriu Alves de Brito, de 55 anos, se infiltrou num comício do ex-presidente e pré-candidato Lula (PT) na Cinelândia, no Rio, e atirou um artefato explosivo com fezes em meio aos apoiadores. No dia 15 de junho, em Uberlândia (MG), um drone sobrevoou um evento em que Lula se encontrou com o pré-candidato ao governo de Minas Gerais, Alexandre Kalil (PSD), lançando “água de esgoto” nas pessoas que lá estavam. Nas últimas eleições à presidência, em 2018, Jair Bolsonaro, então candidato à presidência pelo PSL, levou uma facada quando visitava a cidade mineira de Juiz de Fora. Naquele mesmo ano, o empresário Carlos Alberto Bettoni teve traumatismo craniano após ser agredido por apoiadores do ex-presidente Lula, em São Paulo, após manifestar-se contra petistas que deixavam o local. Também em 2018, a caravana de Lula foi alvo de tiros no interior do Paraná.

Dos sete crimes que envolvem discurso de ódio informados à Central Nacional de Denúncias da SaferNet Brasil, seis tiveram mais denúncias em ano de eleições do que nos anteriores, segundo informações da Organização Não Governamental (ONG) que atua em defesa dos direitos humanos no ambiente digital.

Os dados mostram que houve mais denúncias de racismo, LGBTfobia, xenofobia, neo-nazismo, misoginia e apologia a crimes contra a vida nos anos de 2020 e 2018, quando foram realizadas as últimas eleições municipais e presidenciais, em relação aos anos anteriores, como explica a diretora de projetos especiais da SaferNet Brasil, Juliana Cunha.

“Em ano de eleição a gente tem, sim, picos e uma maior denúncia relacionada com conteúdos de ódio, que são, por exemplo, racismo, xenofobia, misoginia, neo-nazismo – que teve um crescimento vertiginoso nos últimos anos. E a gente tem que estar atento a isso sim, porque o discurso de ódio pode ser usado como uma plataforma política para ganhar notoriedade, para gerar engajamento. É um tipo de conteúdo que pode engajar mais as pessoas, e a gente precisa educar todo mundo, conscientizar do que deve ser feito se você se depara com conteúdo que incite a violência contra determinados grupos e pessoas”.

Em 15 anos de atuação, a SaferNet Brasil já recebeu mais de 4 milhões de denúncias relacionadas a conteúdos que violam direitos fundamentais. Juliana Cunha destaca a importância da denúncia para combater o problema e destaca que já há avanços inclusive na elaboração de leis para proteger a vítima desses crimes.

O Brasil registrou 214 casos de violência política nos primeiros seis meses de 2022. O número é 32% maior que os 161 episódios registrados no primeiro semestre de 2020, último ano eleitoral. Só este ano 40 pessoas foram assassinadas. Estes crimes cresceram 335% no Brasil nos últimos três anos. Os dados são do Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, lançados dia 11 de julho. Apesar do crescimento no comparativo entre os semestres dos dois anos eleitorais, o último trimestre (entre abril e junho) de 2022 registrou queda de 10% no número de ocorrências no comparativo com os três primeiros meses deste ano.

Para professor de História Nilton Mullet Pereira, uma das asserções mais perigosas é “o mundo ficou chato”, que quer preservar o direito de se falar tudo, sem qualquer respeito pelo sofrimento alheio. “ Discurso de ódio não é opinião e não está salvaguardado no princípio da liberdade de expressão. Opinião não é conhecimento, muito menos uma obviedade incontestável, logo, não está livre da problematização e do questionamento.  ‘Quase mais nada se pode dizer’; ‘Isso é mimimi’ – eis enunciações através das quais o campo da disputa argumentativa e dos conflitos de ideias cede lugar ao império das obviedades e ao governo da opinião”, afirma, enfatizando : “ Ter opinião é algo importante, mas, tornar a opinião uma verdade absoluta construída por uma expressão lida em uma rede social, é se deixar abater pelo perigo da simplificação da vida e pelo perigo de se tornar passivo diante do sofrimento alheio.

 

Liberdade de expressão? 

Atualmente existe um grande debate acerca da linha tênue entre liberdade de expressão e discurso de ódio. O primeiro é fundamental para uma democracia existir, o outro, por sua vez, representa uma fala intolerante e sem empatia. Sendo assim, existe a necessidade de se compreender o que caracteriza um discurso de ódio e quão prejudicial ele pode ser para uma sociedade democrática.

 

O que é discurso de ódio?

Não existe uma única definição para discurso de ódio, entretanto, todas elas se assemelham. Segundo Samanta Ribeiro Meyer-Pflug, doutora em Direito, o discurso de ódio é a manifestação de “ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias”. Entretanto, podemos ver que nesta definição são abordados apenas os pontos de discriminação racial, social ou religiosa, sem considerar, por exemplo, gênero, orientação sexual, peso, algum tipo de deficiência, classe, dentre outros.

Já Daniel Sarmento, doutor em Direito Constitucional, afirma que discurso de ódio pode ser caracterizado por “manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos”. Sendo assim, com base nessas duas conceituações e no senso comum que existe sobre o termo, podemos chegar a conclusão que discurso de ódio é um conjunto de ações com teor intolerante direcionadas a grupos, na maioria das vezes, minorias sociais (mulheres, LGBTs, gordos(as), pessoas com deficiência, imigrantes, dentre outros).

O discurso de ódio é considerado um tipo de violência verbal, e a sua base é a não-aceitação das diferenças, ou seja, a intolerância. Entretanto, quando falamos de diferenças, o foco dessa prática se dá, em sua maioria, naquelas ligadas a aspectos de crença, origem, cor/etnia, gênero, identidade, orientação sexual etc.

 

Criminalização – Antes de tudo, ao falar sobre discurso de ódio, é necessário falar sobre direitos humanos. Segundo a Organização das Nações Unidas, direitos humanos são “direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”, incluindo “o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) também deve ser analisada nesse sentido. Em seu artigo II ela traz que “Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.

Perceba que nestas definições os direitos humanos são garantias de todos os indivíduos, independente de suas singularidades, certo? Isso, por sua vez, vai contra o discurso de ódio, que prega o preconceito contra seres humanos que fazem parte de alguma minoria social. Ou seja, o discurso de ódio fere as garantias e direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão.

No Brasil, o Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Segundo ele, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Ao definir que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, bem como que a lei punirá qualquer discriminação que atente aos direitos e liberdades fundamentais, a Constituição defende os direitos humanos e pune quem violá-los, ou seja, quem praticar discurso de ódio.

 

Discurso de ódio x liberdade de expressão

 

Como dito anteriormente, o discurso de ódio se configura como crime e atenta às garantias e direitos fundamentais de todo cidadão. Entretanto, o principal debate que surge ao falarmos dessa prática é a diferença entre discurso de ódio e liberdade de expressão. Isso porque, muitos alegam que a liberdade de expressão lhes dá direito de se expressarem da maneira que melhor lhe convém sobre todo e qualquer tema.

O direito à liberdade de expressão é garantido pelo inciso IX do Artigo 5º da Constituição, ou seja, uma garantia constitucional. Isso, por sua vez, não significa que ela seja uma garantia absoluta, afinal, ela também precisa respeitar outras garantias constitucionais, como o direito à intimidade, por exemplo.

Na prática isso significa que você tem a liberdade de expressar suas crenças e opiniões, desde que elas não firam outras leis e garantias. Ou seja, ter falas racistas, homofóbicas e similares, utilizando do argumento de liberdade de expressão, além de ser um ato nada empático e respeitoso, é configurado como crime, por ferir vários direitos fundamentais assegurados em nossa atual Constituição.

 

O debate deu lugar ao combate?

Foi na Grécia clássica que surgiu a política ocidental. Mais exatamente no século VI a. C., um período em que se abandona a mitologia e o simbolismo, e se passa a explicar racionalmente a sua existência. É nessa fase também que nasce a pólis grega, acontecimento decisivo que provocou grandes alterações na vida social e política dos homens. Surgiram as cidades-estados.

Porém, tornou-se fundamental a formação de uma base institucional sólida para uma nova Era. Essa solidez se refletiu nas reformas políticas iniciadas por Sólon, no século VI a. C., e levadas adiante por Clístenes, que introduziu as primeiras regras democráticas. Nesse contexto, a democracia (que significa poder do povo em grego) surge como uma possibilidade de se resolverem as diferenças por meio do entendimento mútuo e de leis que primassem pela isonomia entre todos e não mais pelos conflitos armados. A política substitui a guerra. Mas não dá para imaginar política sem debate. Contudo, há tempos os debates foram substituídos pelos embates.

E um dos exemplos mais marcantes é americano, berço da democracia moderna. No Brasil, desde 2013, ano em que o “gigante acordou” houve duas vertentes: uma saudável linha de manifestação contra a corrupção envolvendo quase todos os partidos com ênfase no PT, que estava na presidência  e outra, mais radical, que usava o discurso da primeira para emplacar o extremismo, no caso da direita, com  o atual presidente, Jair Bolsonaro. Ao longo da gestão, essa polarização foi crescendo alimentada pelo próprio presidente conhecido por espalhar fakes News (que são uma das armas do discurso do ódio).

Se o objetivo é distanciar os eleitores (as) da troca de argumentos políticos (sem os algoritmos das redes sociais ou o filtro da propaganda pura) somos um exemplo de êxito. Será que o eleitor(a) não trocaria os programas eleitorais por mais debates?

A ciência social ainda vai responder se a polarização anestesia a busca pelo consenso ou a falta de debates alimenta a polarização. Mas quem receberá um “presente de grego” (com todo respeito aos gregos) nessas eleições serão os (as) eleitores(as) que ficarão com menos respostas sobre os endereçamentos de propostas e soluções. Sobrarão de 2022 poucos debates e muitos embates.

 

Características

O discurso de ódio é considerado um tipo de violência verbal, e a sua base é a não-aceitação das diferenças, ou seja, a intolerância. Entretanto, quando falamos de diferenças, o foco dessa prática se dá, em sua maioria, naquelas ligadas a aspectos de crença, origem, cor/etnia, gênero, identidade, orientação sexual etc.

Não colocaremos aqui exemplos reais de discurso de ódio, mas imaginamos que, ao menos uma vez, você já tenha se deparado com este tipo de situação na internet. Não é raro vermos, por exemplo, comentários xenofóbicos com pessoas do nordeste do Brasil .

Outra situação que você infelizmente já deve ter presenciado é a de ataques à população LGBT+. Comentários invalidando a existência de pessoas trans e travestis, por exemplo, ainda são comuns, especialmente na internet. As mulheres também são o foco muitas vezes de discursos machistas e odiosos; em especial em situações de estupro, apesar de serem vítimas muitas vezes são tratadas como “responsáveis” pelos crimes.

Um exemplo claro de prática motivada por crime de ódio foi o regime nazista, que perdurou durante a Segunda Guerra Mundial e pregava, dentre outras ideologias, o antissemitismo (ódio e preconceito contra os judeus). Este é um exemplo mais duro — por se tratar de um regime totalitário —, mas que nos mostra que este discurso já pôde alcançar proporções inimagináveis, bem como perdas incontáveis.

Nos exemplos que citamos, o discurso de ódio se dá por conta dessas singularidades (origem e identidade de gênero/orientação sexual), como se estas rebaixassem o indivíduo e o tornassem menos ser humano do que alguém que não está em uma dessas “classificações”. Essa hierarquização de seres humanos, levando especialmente em consideração aspectos biológicos, é chamada de eugenia.

 

Discurso de ódio ou injúria preconceituosa

O discurso de ódio e a injúria preconceituosa são práticas movidas pela discriminação e preconceito. Apesar da semelhança, são fatos diferentes.

Segundo o Código Penal, a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. É o que conhecemos como um xingamento ou gesto racista contra uma pessoa específica, seja de forma pública ou em particular. O conteúdo dessa ofensa visa atacar apenas o ofendido, seja pela sua cor, etnia, religião, origem, idade, orientação religiosa ou deficiência.

O insulto deixa de ser uma injúria preconceituosa quando não se refere mais a apenas uma pessoa. No momento em que o agressor, publicamente, agride todo o grupo do qual a vítima faz parte, não é mais injúria. É discurso de ódio e pode caracterizar crime de racismo/preconceito no Brasil. Basta que o agressor faça uma manifestação pública de preconceito e discriminação, em espaços públicos ou redes sociais, contra um grupo vulnerável. Nesse caso poderá haver crime de racismo/preconceito3. É por isso que, quando, para ofender alguém, uma pessoa ofende todas as pessoas que têm característica de grupo minoritário, não é mais injúria. É um ataque à dignidade de todos daquela coletividade.

Os crimes de injúria preconceituosa e racismo como discurso de ódio praticados em razão de cor, religião ou orientação sexual (homofobia) são imprescritíveis. Ou seja, podem ser julgados a qualquer momento, não importa quanto tempo depois de cometidos. Uma diferença importante é que, em casos de crimes de racismo/preconceito decorrentes do discurso de ódio, não é necessária a manifestação expressa da vítima para que a conduta seja investigada. Já nos crimes de injúria, a vítima deve expressamente dizer que quer que o fato seja apurado.

 

De onde vem esse ódio?

Mas por que tanto ódio? Por que tanta violência nas redes sociais e na vida real também? Por que não conseguimos ouvir a opinião de quem pensa diferente de nós sem partir para agressão? Estamos mesmo usando bem a nossa liberdade de expressão ou apenas destilando ódio contra tudo e todos? É um sintoma de uma sociedade doente?

De fato, não há, do ponto de vista global, uma definição acordada de “discurso de ódio”. Aproveitando-se desse vácuo, há aquelas pessoas ou grupos, muitas vezes no poder, que tentam desacreditar seus críticos, acusando-os de forma oportunista. Há ainda aqueles que, interessados em fazer valer seus argumentos a qualquer custo, defendem a ideia de que a liberdade de expressão é absoluta mesmo quando viola outros direitos. Isso tudo, infelizmente, só serve para tumultuar o debate.

“Identificar a linha tênue que estabelece os limites entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio na internet é sempre controverso, mas necessário e cada vez mais urgente. De um lado, o princípio democrático da livre expressão exige das pessoas uma predisposição para dialogar com ideias que consideram ofensivas e até mesmo perturbadoras. De outro, é preciso identificar, coibir e punir delitos contra a honra, apologia ao crime e a prática discriminatória ou incitação a ela”, afirma Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, em um artigo para o EducaMídia.

“Acredito que a educação pode, sim, transformar as pessoas e torná-las mais humanas e empáticas. Até porque o que vemos exposto nas redes sociais não retrata o que a maioria de nós acredita ou pratica. A massa silenciosa ainda é maioria. O que não dá mais é continuarmos sendo dominados por uma minoria barulhenta e violenta que reduz o ambiente digital a uma verdadeira arena de rinha, calando as vozes divergentes e impondo a cultura da autocensura e do cancelamento.”, pondera.

 

O que a psicologia diz? – Em 1921, Freud escreveu a Psicologia das Massas e Análise do Eu. No livro, ele explica que a mentalidade das pessoas muda quando elas se veem fazendo parte de um grupo, em especial um grupo no qual há uma busca por aceitação. Sendo assim, quando em massa, o sujeito não responde mais a determinadas situações da mesma maneira como ele faria individualmente. De acordo com o psiquiatra Luiz Sperry, “é como se sua capacidade racional estivesse parcialmente anestesiada, e as emoções afloradas”.

O especialista compara o comportamento de massas no Facebook com uma torcida de futebol. “Assim como numa torcida organizada, vamos formando grupos com pessoas que têm alguma coisa a ver com a gente. Esses bandos virtuais ficam de certa forma latentes até que as emoções começam a fluir e, de forma contagiante, viralizam”, explica o psiquiatra. Além disso, segundo Freud, os movimentos de massa produzem uma espécie de hipnose nos sujeitos, hipnose essa que tem como pressuposto a substituição do superego (instância moral que controla os impulsos do indivíduo) pela figura do hipnotizador.

Para Michel Petrella, psicólogo de orientação psicanalítica, “nas redes sociais, todos esses fenômenos tomam uma magnitude gigantesca”. Ele entende que “os sujeitos cometem atrocidades em total esquecimento de si mesmos e dos valores éticos, como o respeito mínimo aos direitos humanos”. Petrella ressalta o “Efeito Lúcifer”, do psicólogo social estadunidense Philip Zimbardo. “Alguns tipos de transtornos de personalidade ou transtornos parafílicos podem gerar uma espécie de circuito de prazer compulsivo, onde o sujeito utiliza as redes sociais como forma de descarga de energia, ou, ainda, uma forma de realizar fantasias perversas, que não teriam coragem de realizar no mundo real”, explica.

No livro O Efeito Lúcifer, Zimbardo retrata um experimento conduzido em uma prisão nos Estados Unidos, em que o efeito transformou a potência humana de criação em uma potência destrutiva, e homens considerados “de bem” podem se tornar verdadeiros monstros, desde que o ambiente assim o favoreça. Para o psicólogo, “para que ocorra uma desindividuação, um distanciamento do próprio self em detrimento de uma ideologia, o sujeito precisa estar em anonimato. Um sujeito anônimo tem a falsa impressão de invisibilidade e pode se sentir seguro, motivado e onipotente”.

Mas Petrella reforça que “é importante separar as consequências do movimento de massa das pessoas que realmente possuem transtornos de personalidade ou parafílicos para que não haja uma total patologização do ódio na internet”. Afinal, tratar todas as pessoas que disseminam discursos de ódio nas redes sociais como doentes seria um equívoco.

 

Como reagir (e agir)?

Seja no Facebook, Instagram, fóruns, ou ainda em jogos online, a tela e o pseudoanonimato são fatores que distanciam os usuários na internet. Na prática, o mundo digital é repleto de ofensas, falas problemáticas e discurso de ódio. Diante de comportamentos preconceituosos, agressões e até mesmo a incitação ao suicídio, a lei pode parecer algo muito distante. No entanto, tudo que é crime no mundo real, também é crime no virtual.

Por outro lado, os procedimentos para acionar a polícia e a justiça ainda são muito desconhecidos pelos brasileiros. A advogada especializada em direito digital Kelli Angelini afirma que é preciso desconstruir a ideia geral de que o mundo online é uma “terra sem lei”.

“Muitas vezes, pelo fato de não estarem na frente de uma pessoa, internautas acham que podem fazer o que quiserem na internet sem se preocuparem com as possíveis consequências. Mas isso é um engano, ainda mais com as diversas ações judiciais que vêm ocorrendo nas últimas décadas”, explica.

Segundo Angelini, o primeiro passo é entender que tudo que se faz na internet realmente pode gerar consequências, tanto para adultos quanto para menores de idade. Em um escopo geral, qualquer comportamento que se enquadre como crime pode resultar em medidas socioeducativas, indenização e, eventualmente, até penas menores de reclusão.

“O que observamos na prática é que as pessoas agem irresponsavelmente na internet. Isso porque acham que não existem punições, desconhecem quais elas são, ou ainda porque acreditam estar protegidas por um perfil falso”, explica a advogada. No caso de discursos de ódio, ofensas geralmente direcionadas a minorias sociais, Angelini observou que a defesa da “liberdade de expressão” é algo muito comum para tentar justificar esses atos.

Cyberbullying, discursos de ódio, ameaças de morte e xingamentos na internet podem ser todos caracterizados na lei como crimes de calúnia, difamação, injúria, estímulo ao suicídio, racismo e muitos outros. Essas infrações são previstas na lei e, mesmo quando não há uma legislação específica para um comportamento, ele ainda pode ser enquadrado em várias outras que já existem.

Ela lembra que o cyberbullying não é efetivamente tipificado como crime no Brasil. No entanto, esse tipo de comportamento online ainda pode ser caracterizado como difamação, calúnia, racismo e muitos outros crimes. Portanto, a advogada acredita que existem leis suficientes no Brasil para combater discursos de ódio e outras falas problemáticas no mundo virtual.

“Há um desconhecimento muito grande por parte do brasileiro sobre as leis e sobre o que pode ser aplicado na internet… as pessoas geralmente não fazem nada justamente por desconhecer os caminhos para isso e os agressores se sentem livres para agir como querem por achar que não existe punição”, reforça.

Na prática, qualquer ato criminoso na internet pode e deve ser denunciado. A advogada acredita que acionar a justiça nesses casos ajuda a quebrar a ideia de que a internet é “terra de ninguém” e a conscientizar as pessoas de que seus atos online geram, de fato, punições.

A especialista orienta ainda que é muito importante que o primeiro passo seja o bloqueio do perfil agressor, seja em redes sociais ou jogos online, para cessar as ofensas. Além disso, é imprescindível denunciar o usuário aos moderadores da plataforma para tentar impedir que o mesmo volte a acontecer com outras pessoas.

Mas, e na justiça? Quais são os procedimentos? Na prática qualquer vítima de agressões na internet pode denunciar os atos e abrir um Boletim de Ocorrência. O Ministério Público, por exemplo, recebe denúncias de crimes contra a honra e discursos de ódio. Além disso, qualquer delegacia também pode abrir o BO.

Em ambos os casos, a denúncia pode ser realizada online pelo site do Ministério Público da sua região ou pela Delegacia Eletrônica. O Disque 100, do Governo Federal, também é uma alternativa para denunciar atos contra os direitos humanos por telefone. Presencialmente, a vítima pode ainda ir a qualquer delegacia física para abrir um BO. Claro, é muito importante coletar provas dos atos criminosos para entrar com uma ação na justiça. Em redes sociais, postagens e perfis podem ser apagados. Em jogos, os registros dos chats são ainda mais efêmeros, mas todas as plataformas têm um prazo determinado em lei para guardar dados. Depois desse período, as informações podem ser deletadas.

Caso as provas se percam, o processo será muito mais complicado. Teoricamente, é possível pedir os registros para a plataforma em questão, mas será uma ação ainda mais demorada e algo impossível de se realizar sem um advogado.

Após a denúncia, uma investigação deve se iniciar. Normalmente, a polícia é capaz de identificar o endereço IP e posteriormente a identidade do usuário, mesmo que a pessoa esteja usando uma conta falsa. Como a maioria dos agressores nem sequer pensa nas possíveis consequências de seus atos, ferramentas de ocultação e VPN, por exemplo, raramente são usadas, apenas em situações premeditadas.

No entanto, para buscar indenizações e realmente pressionar a justiça por uma punição ao agressor, a vítima também vai precisar de um advogado. Na maioria dos casos, esses comportamentos criminosos na internet podem resultar em indenizações à vítima.

As consequências podem vir em três esferas: cível, administrativa e criminal. Ou seja, as punições vão de indenizações e penas de prisão a impedimentos na emissão de documentos e eliminação de privilégios na justiça. Mas, por um post racista, por exemplo, um adulto pode sofrer, além das consequências penais, consequências na esfera cível. Ou seja, ele perderá sua condição de réu primário e qualquer infração posterior será mais séria aos olhos da justiça. Além disso, o infrator também terá uma ficha criminal, o que pode atrapalhar toda sua vida e dificultar, por exemplo, conseguir um emprego. Segundo Angelini, menores de idade também podem ser responsabilizados por seus atos, mas em proporções diferentes. No caso de pagamentos de indenizações, quem deve arcar com os valores são os pais. O adolescente, por exemplo, também está sujeito a aplicações de medidas socioeducativas.O agressor não é o único que pode ser responsabilizado. Escolas também estão sujeitas a sofrer medidas punitivas por permitir que cyberbullying, por exemplo, aconteça entre seus alunos.

Teoricamente, a mesma lógica é aplicada para plataformas digitais, como redes sociais, se for determinado que ela falhou com suas responsabilidades na moderação de conteúdo. As punições a instituições podem ser restrições, pagamentos de indenizações e outras.

 

(Fontes Bruno Ignacio, Tecnoblog, Mariana Mandelli,  Instituto Palavra Aberta, Educamídia, SaferNet Brasil, O Globo, Metro, CNN, GZH, Arthur Stabile, G1, Agencia brasil, Rodrigo Daniel Silva, Canaltech, TSE e Conjur)