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(atenção: a matéria abaixo foi publicada em novembro de 2021, mas vale a leitura!)

Em setembro de 2020, vários estudos previam o fim da pandemia da Covid-19 para o final de 2021 ou início de 2022. “A imunidade de grupo pode ser alcançada logo no segundo trimestre de 2021 se as vacinas forem altamente eficazes e se lançadas sem problemas; caso contrário, prevê-se que a pandemia só veja o seu fim em 2022 ou até depois disso”, dizia a conclusão de pesquisadores americanos. Mas será que essa previsão se concretizará? Ela pode ser antecipada ou será adiada? Estamos realmente no fim da pandemia ou estamos numa nova onda? É muito cedo para ‘liberar geral’? São muitas perguntas para poucas respostas tendo em vista que a ciência não é um oráculo mágico.

Mas vamos aos fatos. Segundo dados da OMS-Organização Mundial da Saúde, 42,6% da população mundial está totalmente vacinada – cerca de 3,32 bilhões dos 7,8 bilhões de habitantes do planeta. Mas em doses aplicadas o número de aproxima da população: foram 7,78 bilhões de doses até novembro do ano passado.

Embora a queda nos óbitos pela doença seja encarada com otimismo, especialistas entendem que ainda é cedo para decretar que o problema já passou e apontam os possíveis caminhos para o fim da crise sanitária.

Notícias de ‘mortes-zero’, enfermarias e UTIs vazias, queda nos casos tem sido recebidas com otimismo e comemoração no país, depois do colapso que vivemos no primeiro semestre do ano passado. Embora isso seja simbólico e reforce a queda contínua da pandemia no país durante os últimos meses, especialistas entendem que é preciso colocar o fato em perspectiva e ter em mente que ainda há um longo caminho a ser percorrido antes de decretar o fim da crise sanitária.

“E é preciso deixar claro que o fim da pandemia, quando realmente chegarmos lá, não significará o fim da covid”, frisa o professor Guilherme Werneck, do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), concorda. “Com base no que sabemos sobre outros tipos de coronavírus, é provável que o Sars-CoV-2 [o responsável pela pandemia atual] se atenue com o passar dos anos e se torne um causador de resfriado comum. Mas a atual reemergência de casos na Europa mostra que ainda estamos longe disso”, analisa. Já a médica Lucia Pellanda, professora de epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, destaca a importância da saúde coletiva e o caráter global do desafio que enfrentamos. “Como o próprio nome já diz, a pandemia é um problema mundial. E, enquanto a situação estiver ruim em alguma região, todos nós continuaremos sob risco.”

Mas como chegamos até aqui? E quais são as perspectivas mais otimistas e mais pessimistas para os próximos meses? Entenda a seguir como uma pandemia acaba — e o que pode acontecer na sequência dela.

Um cenário de alívio

Após um primeiro semestre muito duro, com centenas de milhares de casos e de mortes por covid-19, o Brasil estava numa situação bem mais tranquila desde o final de julho e o início de agosto.  No pior momento da crise sanitária, essa taxa chegou a atingir um pico de mais de 4 mil mortes diárias.

Segundo os especialistas, há três ingredientes que ajudam a explicar a melhora e a vacinação é o principal deles. “Não podemos nos esquecer também do enorme número de casos que tivemos, o que certamente contribuiu para criar uma imunidade, e a adesão às medidas não farmacológicas, especialmente o uso de máscaras”, observa Werneck.

O cenário mais ameno permitiu que muitas cidades brasileiras aliviassem as restrições, que mantinham espaços de convivência, como restaurantes, bares e shoppings, fechados ou com horários de funcionamento e taxa de ocupações bem reduzidas.  Alguns prefeitos e governadores foram além e chegaram até desobrigar mais recentemente o uso de máscaras em alguns locais abertos.

Os especialistas, no entanto, temem que essa onda de otimismo e relaxamento reverta a tendência positiva e desperdice todas as conquistas do momento. “Temos que ter cuidado para que a situação no Brasil não volte a piorar, como acontece agora na Europa, que está com uma nova subida nos casos e nas hospitalizações após fazer a reabertura”, aponta Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Europa voltou a ser o epicentro da pandemia, com uma piora considerável da situação no Reino Unido, na Alemanha, na Hungria, na Áustria e na Ucrânia. Durante uma coletiva de imprensa no início de novembro, Hans Kluge, diretor regional da OMS, disse que a situação representa uma “grave preocupação” e que a região está “num ponto crítico para a ressurgência pandêmica”.

A explicação para esse recrudescimento, segundo a avaliação do próprio representante da entidade, está no relaxamento das medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras e a prevenção de aglomerações, e a baixa taxa de vacinação em alguns países.

Não é possível afirmar que o mesmo cenário acontecerá no Brasil (até porque a campanha de imunização por aqui conta com uma maior participação popular), mas, até agora, a piora do cenário na Europa se repetiu alguns meses depois em nosso país. “É possível escaparmos disso, a depender do comportamento das pessoas e das políticas públicas. Precisamos continuar com a vacinação e seguir com as camadas de proteção, como o uso de máscaras e o cuidado com as aglomerações e com a circulação de ar pelos ambientes”, pondera Pellanda.

Como uma pandemia acaba?

Por algum tempo, aventou-se a possibilidade de que a imunidade coletiva (ou imunidade de rebanho) seria capaz de dar um fim à covid-19: conforme as pessoas ficassem doentes (ou, preferencialmente, fossem vacinadas) o vírus não encontraria mais hospedeiros e deixaria de circular.

Contudo, o surgimento de novas variantes, como a Alfa, a Beta, a Gama e a Delta, junto com o conhecimento de que a imunidade contra esse coronavírus não dura para sempre e varia muito de pessoa para pessoa, praticamente descartou essa ideia. Hoje há uma maior concordância entre os cientistas de que a pandemia de covid-19 se transformará aos poucos em uma endemia.

Isso significa que a doença continuará a ser frequente em uma (ou em várias) regiões do planeta, com um número de casos e de mortes esperados todos os anos. É isso o que ocorre com uma série de outras enfermidades, como a malária, a febre amarela ou a própria gripe.

“O desafio será estabelecer um patamar admissível de casos e óbitos, o que exigirá um consenso não apenas da comunidade científica, mas de toda a sociedade”, antevê Werneck. “E, para evitar que esses números voltem a subir novamente e tenhamos surtos ou epidemias no futuro, necessitamos de um sistema de vigilância muito forte, capaz de detectar aumentos repentinos e lançar mão de medidas preventivas. É o que acontece hoje com meningite e sarampo”, exemplifica o médico. “Estamos num período de instabilidade dos dados e não sabemos bem como será o futuro. Por isso, devemos desconfiar de qualquer pessoa que tenha muita certeza agora do que vai acontecer”, diz.

O que o passado pode ensinar?

Outro tipo de coronavírus, o OC43, que possivelmente causou uma epidemia (ou até uma pandemia) no final do século 19, é um exemplo do que pode ocorrer. “Você pode até nunca ter ouvido falar dele, mas provavelmente já foi infectado algumas vezes por esse vírus”, brinca o cientista Paulo Brandão.

“Após ter ‘pulado’ de bovinos para seres humanos, ele era agressivo. Mas, com o passar do tempo, foi atenuado por ciclos sucessivos de infecção na nossa espécie. Atualmente, o OC43 é um dos principais causadores do resfriado comum, quadro que é autolimitado e não costuma causar sintomas mais graves”, conta.

O virologista lembra que a “meta principal” de um vírus é se replicar, e não matar o seu hospedeiro. Portanto, um agente infeccioso que consegue criar essa “convivência pacífica” com o ser humano acaba atingindo seu objetivo com mais facilidade e permanece entre nós por um tempo prolongado.

Na contramão, um vírus muito agressivo, que mata rapidamente após a infecção, tem menos probabilidade de causar uma epidemia ou uma pandemia, já que a transmissão acaba prejudicada. É o que acontece, por exemplo, como o Mers-CoV, um outro tipo de coronavírus responsável pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio (ou Mers, na sigla em inglês): o índice de letalidade dele chega a 37%, mas os casos ficaram restritos a alguns países em 2011 e 2015.

“Vivemos um momento em que esse coronavírus está dando as primeiras voltas ao redor da Terra. Já foram duas e ele está na terceira, com o aumento recente da transmissão pela Europa”, explica Brandão.  “Por ora, não é possível afirmar categoricamente que o Sars-CoV-2 ficará mais ameno, a exemplo do OC43. Em termos evolutivos, essa é uma possibilidade que pode demorar alguns anos para acontecer”, continua.

Para ele não é hora de baixar a guarda. “Esse coronavírus não está atenuado e a relação não é amigável o suficiente a ponto de deixarmos que ele circule livremente pela nossa casa”, completa o pesquisador.

Nessa mesma linha de raciocínio, não está descartada também a possibilidade diametralmente oposta: o surgimento de variantes do coronavírus ainda mais agressivas e com capacidade de driblar a proteção das vacinas disponíveis.

“Essa é uma realidade matemática: quanto mais o vírus se replica, mais versões dele aparecem e, consequentemente, maior o risco de surgirem mutações preocupantes”, ratifica Brandão.

E isso só reforça a ideia de que o problema é global e deveria ser tratado como tal. “Em algumas nações mais pobres, a proporção de vacinados segue muito baixa. Isso abre o risco de bolsões de covid-19 que podem ‘exportar’ o vírus novamente para o resto do mundo”, alerta Pellanda.

“A pandemia reforçou a noção de que toda a saúde é coletiva e está conectada com as pessoas ao redor e ao planeta inteiro. Enquanto um ser humano estiver em perigo, todos estaremos”, completa a médica.

É justamente por isso que os especialistas batem tanto na tecla da vacinação e dos demais cuidados não farmacológicos (uso de máscaras, evitar aglomerações, cuidados com a ventilação…).

O mesmo raciocínio também se aplica à imunização: é provável que teremos a aplicação de novas doses de vacinas contra a covid-19 de tempos em tempos. O virologista lembra uma frase de Winston Churchill em 1942, em meio à Segunda Guerra Mundial, que para ele, cabe no momento: “Esse não é o fim. Não é sequer o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo”.

 

Começo do fim?

O sentimento de ‘fim da pandemia’ passou por diversos estágios. Inicialmente, sem conhecer a gravidade da situação, a maioria das pessoas achava que a situação seria transitória e facilmente controlada. Os meses seguintes, infelizmente, frustraram estas expectativas, o número de mortes cresceu de forma assombrosa, as restrições se tornaram mais rígidas.  Diante de tal cenário, a esperança se concentrou na produção e distribuição das vacinas. Agora, com esta etapa em andamento, o imaginário comum é que, em breve, com a imunidade adquirida pela vacina, o vírus um dia irá finalmente parar de circular, e a pandemia acabar, por assim dizer.

Bom, este também era o pensamento dos pesquisadores e, segundo eles imaginavam, ao atingir a meta de 60-70% de imunidade adquirida seja por vacina, seja por infecção prévia, a sociedade poderia voltar ao normal. Algumas razões têm feito os especialistas mudarem de ideia:

 A imunidade adquirida ajuda a bloquear a transmissão do vírus na medida em que impede que os vacinados não só não fiquem doentes, mas também não transmitam mais a doença, mesmo que infectados pelos vírus. Esta é uma questão que ainda não permanece clara, a respeito da vacinação em andamento ao redor do mundo. Se as vacinas não forem capazes de impedir transmissão, só poderemos garantir bloqueio de circulação do vírus quando todas as pessoas estiverem vacinadas.

  • As novas variantes podem mudar o rumo da vacinação. Os dados ainda não são suficientes para afirmar se indivíduos vacinados estão em susceptibilidade de contrair doença com a nova variante circulante. Na verdade, os especialistas já afirmam que “estamos em uma corrida contra as variantes”.
  • Indivíduos previamente infectados desenvolvem imunidade adquirida contra o vírus. A questão é que ainda não houve tempo e estudos suficientes para garantir por quanto tempo esta imunidade irá durar. Se a imunidade adquirida pela infecção durar pouco, o prazo para vacinação se torna ainda mais apertado, já que os indivíduos poderão se reinfectar e, com isso, a cadeia de transmissão se reinicia.

Diante das ponderações acima, o ponto principal para vencer a pandemia é conseguir retirar o vírus de circulação e, nesse sentido, as medidas não farmacológicas são importantíssimas. É o mais do mesmo: máscara, higiene, evitar aglomerações e tudo que já conhecemos.

 

Como as pandemias terminam

Grosso modo, de duas formas:

Fim médico: com vacinas e tratamentos eficazes, os números de casos de infecções, internações e mortes se reduzem a um nível controlado no qual a doença não mais representa um risco global.

Fim social: a população perde o medo da doença independente de sua evolução epidemiológica e retoma as atividades rotineiras, com o risco de ela ainda poder causar danos.

A primeira vista, ambos parecem ser reais atualmente, mas para o cientista político Gilberto Hochman, professor e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e autor de um artigo sobre o tema, o fim de uma pandemia é um processo com várias dimensões (médica, epidemiológica, social, política) que se conectam.

“Não vai ser só a ciência com seus dados que vai dizer: acabou. Não serão os políticos que, por leis e decretos, vão dizer que acabou. E a sociedade também não vai poder dizer ‘agora chega’, jogando tudo para o alto. Vai ser uma interação que tem a ver com essa dinâmica social e política”, afirma. Em artigo publicado no início de 2021 na Revista Brasileira de Sociologia, Hochman escreve que o fim de uma pandemia é fruto do entendimento entre “governos nacionais e subnacionais, organizações internacionais, cientistas, epidemiologistas, imunologistas, médicos e profissionais de saúde, imprensa e redes sociais, sociedades científicas, empresas e organizações da sociedade civil e pessoas afetadas direta ou indiretamente”.

Hochman lembra que uma forma de selar o fim de uma pandemia também está na aceitação da sociedade em conviver com ciclos epidêmicos, “eventualmente mais brandos ou controláveis, ou com a endemicidade da doença”.

Entre os epidemiologistas, já há um consenso de que o novo coronavírus não irá desaparecer, já que as variantes mais contagiosas, como a delta, tornaram impossível que a imunidade coletiva (obtida pela infecção natural ou pela vacinação) seja alcançada. A covid-19 deverá se tornar, segundo os especialistas, uma doença endêmica, ou seja, irá se reduzir a níveis muitos baixos de circulação, e seu comportamento se tornará previsível, como ocorre com a gripe comum, por exemplo.

No caso da gripe espanhola, que durou de 1918 a 1919 e matou algo entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente jovens e adultos de meia-idade, o vírus também não foi embora — o H1N1 moderno descende do vírus que causou aquela pandemia —, e não se chegou ao estágio de imunidade coletiva. No início de 1919, a incidência de casos simplesmente caiu, encerrando a pandemia.

O vírus responsável pela chamada gripe russa, de 1889, também não foi embora. Parte dos estudiosos acredita que ela também tenha sido causada por um coronavírus, o OC43. Ao longo de cinco aos, ele causou cerca de cinco ondas da doença, até se tornar mais brando — o OC43 ainda circula, mas raramente causa quadros graves.

Em algum ponto, os casos e mortes acabam caindo porque os vírus vão se tornando menos letais e o sistema imune vai aprendendo mais sobre eles, o que evita manifestações mais agudas da doença, como se houvesse uma trégua entre o vírus e o sistema imune.

Embora pandemias cheguem ao fim, novas explosões da doença podem voltar a acontecer. Em 2016, por exemplo, a OMS declarou o fim da epidemia de ebola na África Ocidental, iniciada em 2014, que resultou em 11.310 mortes. Desde então, novos surtos voltaram a ocorrer, o último deles declarado encerrado pela OMS em junho de 2021.

 

E a varíola, o que tem a ver com isso?

O único exemplo de doença humana que conseguiu ser erradicada em toda a história foi a varíola. O último caso foi registrado em 1977, mas seu desaparecimento só foi anunciado em maio de 1980 pela OMS. A erradicação ocorreu devido a uma conjunção de fatores: a vacina desenvolvida garantiu proteção por toda a vida; ao ser eliminada em humanos, a doença desapareceu, pois o vírus que causa a infecção não tinha outro hospedeiro animal e por causar erupções na pele, ele era facilmente detectável, o que permitia quarentenas e rastreamento de contatos.

No Brasil, a doença constava em registros históricos desde o século 16. Por incentivo da OMS e da Opas, braço da entidade nas Américas, o país criou em 1962 a Campanha Nacional Contra a Varíola. De 1962 a 1966, foram aplicadas 23,5 milhões de doses de vacina. Em 1966, o Brasil aderiu à Campanha de Erradicação da Varíola, da OMS. Em 1973, a Opas reconheceu que a varíola tinha sido eliminada no país, já que nenhum novo caso havia sido constatado desde 1971.

 

Quarta onda

Enquanto o poder público considera o coronavírus sob relativo controle no Brasil, em outros lugares do mundo uma quarta onda de infecções força países a retomar medidas rigorosas de isolamento social. E este avanço do vírus em outros países mantém aceso o alerta no Brasil.

É o caso da Áustria que, ao lado da Alemanha, vem notificando números recordes de novos casos. O governo austríaco decretou “lockdown” para pessoas não vacinadas e também para infectados. Apesar do nome, porém, na prática, quem negou tomar vacina contra a covid-19 só pode sair de casa para comprar insumos básicos em supermercados e farmácias, além de estar autorizado a exercícios ao ar livre.

No Brasil, por outro lado, governadores e prefeitos que tentam emplacar obrigatoriedade do chamado “passaporte da vacina” encontram resistência do governo federal. Por sua vez, após todo o descaso com a compra de vacinas e também com a gestão da crise, o governo agora anuncia a redução do intervalo entre a segunda dose e a dose de reforço para adultos a partir de 18 anos.

Hoje, o Brasil ainda tem mais de 30 milhões de pessoas que não retornaram sequer para a segunda dose. Este ponto deveria ser a atenção no momento, argumenta o cientista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda. “Cobertura ampla de segunda dose é mais importante do que garantir a terceira. Ou seja, busca ativa e passaporte vacinal teriam mais impacto na redução de hospitalizações e óbitos que a terceira dose entre 18 e 59 anos”, ressalta.

 

Fim do ano

O fim das medidas protetivas junto com a proximidade das festas de fim de ano também desperta críticas. A neurocientista e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mellanie Fontes-Dutra lembra que “tem uma galera bastante feliz, e é super positivo, mas temos que entender que (a pandemia) ainda não acabou”. “Só vamos poder ter a segurança de que comemoraremos um carnaval mais seguro se, além da ampliação da vacinação, também tivermos reflexos claros na redução da transmissão”, acrescenta.

Ela reforça a necessidade de manter a precaução para os próximos meses. “Isso, de forma alguma, é jogar um balde d’água na alegria das pessoas, pelo contrário. Usemos isso como estímulo para fazer um baita final de ano de conscientização. Cuidado nas festividades para entrarmos em 2022 com uma segurança ainda maior, um controle ainda maior”, completa.

 

Pandemia dos não vacinados

Em meio à quarta onda de covid-19 na Europa, analistas destacam cada vez mais os riscos gerados a si e ao outros por pessoas que não se vacinam — a ponto de um novo fenômeno se desvelar ao redor do mundo: a “pandemia dos não vacinados”.

A expressão descreve a piora de indicadores nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, onde a aplicação de duas doses empacou e não passa dos 70% da população. A situação mais crítica é em países do Leste Europeu, onde sequer 50% dos habitantes completaram o esquema vacinal.

De outro lado, nações com cobertura acima de 75%, como Portugal, Chile e Dinamarca, apresentam baixo índice de novas mortes, apesar de uma taxa de transmissão maior do que no Brasil — o que demonstra que a alta vacinação impede o aumento de casos graves, como mostram as estatísticas a seguir.

Analistas pontuam que a pandemia ainda não foi resolvida de vez porque muitas pessoas não se vacinaram, o que gera “bolsões” de alta transmissão da covid-19 e eleva o risco de surgirem novas variantes. Imunizantes reduzem — embora não impeçam — o contágio porque a pessoa vacinada carrega menor carga viral, transmite por menos tempo, e tosse e espirra menos. “A pandemia atualmente é de não vacinados. A doença mais grave e a morte acontecem em não vacinados. Pessoas não vacinadas mantêm a circulação do vírus entre elas e acabam prejudicando também os vacinados, que acabam se contaminando”, observa o médico Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Ao alertar sobre a “pandemia de não vacinados” na Europa, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destacou  que apenas 60% dos brasileiros estão com duas doses, índice semelhante ao de países na quarta onda, como Alemanha, Áustria, Holanda e Bélgica.

Imunizantes são benéficos inclusive para quem já teve coronavírus: estudos mostram que esse grupo, ao ser vacinado, tem defesas maiores do que quem não teve covid e se vacinou. E, para quem tem covid longa, quando a doença provoca sintomas por meses, as vacinas têm apresentado redução dos transtornos.

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, professor da Universidade de São Paulo (USP) lembra que estudos sugerem que, depois de seis meses, a imunidade gerada tanto pela vacina quanto pela infecção natural começa a cair — por isso, a importância da vacinação e da dose de reforço, sobretudo antes do Carnaval, quando será completado um ano do ápice da epidemia brasileira.

“Com a movimentação que temos agora, não acredito em nova onda (no Brasil) porque está difícil de a Delta encontrar novos suscetíveis. Mas, se tivermos o Carnaval, teremos um desastre. Tudo que fazemos agora tem certo controle de quem pode ir e vir, porque precisa estar vacinado ou com PCR. Mas um evento de massa sem controle tem grande probabilidade de encontro com quem não tem nenhuma proteção”, enfatiza Vecina Neto.

A Fiocruz destaca que o alerta da epidemia de não vacinados na Europa aponta que, para evitar o avanço descontrolado do vírus, é preciso elevar a cobertura de duas doses, manter o uso de máscaras em ambientes fechados, exigir passaporte vacinal e distanciamento em locais de interação.

Estudos mostram que os não vacinados têm um risco 16 vezes maior de ir para UTI ou morrer da doença e que cerca de 11% das mortes ocorrem em pessoas totalmente vacinadas, com idade média de 82 anos.

Um levantamento recente da Secretaria de Saúde do Distrito Federal mostrou que 92,2% dos 10.969 óbitos de Covid-19 registrados no DF são de pessoas que não haviam completado o esquema vacinal contra a doença. Outro levantamento feito por meio da plataforma de monitoramento Info Tracker, desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), mostrou que, atualmente, as mortes por Covid-19 no Brasil envolvem majoritariamente pessoas não vacinadas.

Esses dados confirmam que a vacinação contra a Covid-19, seja com o imunizante que estiver disponível, contribui radicalmente para reduzir o número de casos graves, internações e mortes causadas pela doença, mas não protegem contra infecção e não impedem que o vírus seja transmitido. Ou seja, enquanto o vírus continuar circulando livremente como acontece hoje no país, as pessoas vão continuar ficando doentes e nem todos vão resistir à infecção – mesmo estando vacinados.

“A grande preocupação no momento é atingir o máximo possível de imunização da população e com a maior velocidade possível. Esse é o objetivo atual. Com isso, você garante frear a pandemia”, explica a diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Butantan, Ana Marisa Chudzinski.

O estudo de eficiência Projeto S, por meio do qual o Butantan vacinou a população adulta da cidade de Serrana, no interior paulista, constatou que a imunização causou uma redução de 80% no número de casos sintomáticos de Covid-19, de 86% nas internações e de 95% nos óbitos. A pesquisa clínica também mostrou que a vacinação da população leva à imunização inclusive de quem não tomou a vacina, pois a pandemia foi controlada com 75% da população imunizada.

Para completar, são raros os casos de pessoas que realmente não podem ser vacinadas; pessoas que apresentam quadros de alergia grave aos componentes da vacina, como hidróxido de alumínio,  hidrogenofosfato dissódico, di-hidrogenofosfato de sódio e do hidróxido de sódio, cloreto de magnésio hexaidratado, polissorbato 80 e edetato dissódico di-hidratado. No restante, as vacinas aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) são consideradas seguras. Isso porque, nenhuma delas trabalha com vírus enfraquecido em sua composição. Então, o que há na verdade é falta de cidadania e empatia mesmo. Esse grupo, geralmente, fica de fora das campanhas de vacinação, pois é comum serem usadas o vírus e bactérias enfraquecidas em sua composição, como no caso da vacina contra a febre amarela ou a do H1N1. Porém, como a vacina da Covid-19 usa o vírus vivo atenuado ou um Sars-CoV 2 “morto as pessoas imunossuprimidas poderão se vacinar e, mesmo que haja alguma reação, essa deve ser mais leve que a enfermidade.

E em meio a essa pandemia de ‘desempatia’ haverá ainda muita discussão em torno da obrigatoriedade ou não de passaporte vacinal, demissão de funcionários não vacinados entre outras polêmicas (boa parte já abordada no início da edição tamanha importância do tema). Na prática, o fim da pandemia depende – como sempre – da atitude de cada um.