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Há 22 meses ela tem sido companhia diária de todos nós e ao contrário do que pregam os negacionistas, ajudou sim a reduzir o contágio de coronavírus (se usada corretamente, claro). Agora, com muitos países e cidades suspendendo sua obrigatoriedade, ela pode ser esquecida numa gaveta, mas jamais da história. Estamos falando da máscara, algo que comumente usamos no Carnaval, mas que muita gente se recusou a usar na pandemia.

Contudo, ela é muito mais antiga do que imaginamos. Há pinturas renascentistas, entre os anos 1300 e 1600, que ilustram médicos utilizando máscaras especiais para lidar com a peste bubônica durante a pandemia que teria vitimado quase um terço da população da Europa. Na época, acreditava-se que as doenças se disseminavam por miasmas ou gases do solo, e não pelo contato com pessoas contaminadas.

As máscaras que pareciam um bico de pássaro eram uma forma de conter os cheiros do ambiente que estaria contaminado. Era comum que colocassem incenso na ponta do bico, porque os médicos entendiam que deviam se proteger contra o “odor da doença”.

Em 1897, foram criadas as primeiras máscaras cirúrgicas, que impedia médicos de tossir ou espirrar nas feridas dos pacientes. Já em 1910, quando uma nova peste bubônica acometeu a China, o médico Lien-Teh Wu criou uma máscara feita de gaze e algodão que poderia filtrar o ar respirado e impedir a disseminação de doenças. A máscara desenvolvida pelo médico deu resultados. Além de impedir a propagação da peste bubônica, se tornou símbolo da medicina moderna e foi muito utilizado pelos cidadãos comuns, nos anos seguintes, durante outra pandemia: a da gripe espanhola.

Em meados a Primeira e da Segunda Guerra Mundial, máscaras respiradoras foram desenvolvidas com fibra de vidro para ajudar na filtragem do ar e proteger trabalhadores em mineradoras. Sendo assim, os mineiros evitariam doenças pulmonares, embora as máscaras dificultassem a respiração dos operários nas minas.

 

Prazer, máscara –  Ela tem sido utilizada desde os tempos ancestrais sob as mais diversas formas, de diferentes materiais e com intuitos distintos. Atualmente é utilizada por todos nós, neste tempo de pandemia, como proteção sanitária. Após alguns meses de confinamento no início deste ano, a máscara tornou-se subitamente, nos países do Ocidente, num dos acessórios imprescindíveis e preventivos, para além do álcool-gel, protegendo-nos do mais recente coronavírus para que possamos regressar à normalidade, o melhor possível. A pandemia da Covid-19 fez do uso da máscara uma prática global.

Este novo meio de combate ao contágio tornou-se rapidamente, para além de um protetor sanitário, num acessório de moda. Muitos fizeram máscaras em tecido e de forma artesanal depois de terem consultado alguns dos vídeos disponibilizados na internet.

Desconhece-se a proveniência da palavra máscara. Alguns acreditam que seja originária do latim antigo (“masca” ou “mascus” que significa “espectro”), do árabe (“maskharah” sinónimo de “palhaço” e de “disfarce” e do verbo sakhira, “ao ridículo”), ou ainda do hebreu (“masecha” que quer dizer “ele zombou, ridicularizou”). Outra versão refere que a palavra portuguesa “máscara” veio da palavra italiana maschera (o che lê-se quê). Esta palavra expandiu-se por toda a Europa, incluiu-se em muitas línguas como por exemplo no inglês “mask”, ou no polaco “maska”.

O uso da máscara é uma das mais antigas práticas humanas, utilizada por inúmeras civilizações ao longo da História o que permitiu que fossem efetuadas experiências na imaginação humana. Considerada como um objeto sagrado, tinha funções distintas; cada máscara tinha um propósito diferente e na maioria das vezes era considerada como um símbolo para a organização social, a noção do bem e do mal e ainda da vida e da morte.

De acordo com a sua origem existem vários tipos de máscara e cada uma delas com uma funcionalidade própria, embora tenha sempre um caráter simbólico. A máscara representa sempre alguma coisa para alguém e pode ser melhor entendida pelos indivíduos que pertencem à mesma cultura.

Registos arqueológicos mostram a utilização de máscaras em pinturas rupestres, utilizadas talvez para que uma entidade superior intercedesse para que a prática da caça fosse de sucesso, mas também como ritos de passagem, rituais mágicos, comunicação com os deuses e antepassados, liberdade de expressão ou comportamentos de entretenimento. O uso das primeiras máscaras pelo homem primitivo terá ocorrido em 9.000 a.C.

Oriunda dos vários continentes desde a Ásia, África, Europa, América ou do Antigo Egito, a máscara esteve sempre presente nas várias culturas e exerceu diversos papéis ao longo da História e propiciou o futuro das sociedades levando-as a dissociar o bem do mal, o sagrado do profano, ou a vida e a morte. Eram ornamentadas com diversos materiais desde conchas, madeiras, metais, peles, tecido ou palha de milho. Na China, as máscaras eram utilizadas para afugentar os maus espíritos, enquanto que no Antigo Egito e na Grécia, as máscaras eram colocadas no rosto do falecido de modo a orientá-lo na passagem para a vida eterna. Eram construídas com tecido, gesso e logo de seguida eram pintadas. Para as pessoas mais importantes eram utilizados metais preciosos como o ouro e a prata. Na Grécia antiga surgiram as máscaras teatrais durante as festividades de Dionisio, deus do vinho e da fertilidade. Demonstravam uma expressão exagerada da natureza de cada personagem. Eram utilizadas em rituais de drama e projetadas num tamanho que permitisse ampliar a presença do ator assim como da sua voz através de um dispositivo como um “megafone”.

O teatro japonês No, um misto de canto, pantomima, música e poesia, é caraterizado por 125 variedades de máscaras, constituindo cinco tipos. Feitas em madeira, envernizadas, douradas e pintadas, de acordo com as caraterísticas das personagens, como a violência ou a honestidade.

Durante a Idade Média o uso da máscara passou a ser um objeto de caráter profano, só utilizada para homenagear outros deuses, estava ligada a manifestações populares fora do cristianismo, ressurgindo no final da Idade Média, principalmente em Itália, onde as máscaras de Veneza passaram a ser peças decorativas. Eram usadas pelos “Bobos da corte” e tornaram-se a principal fonte económica da região. Mais tarde, as máscaras transformaram-se em personagens da Commedia dell’arte, como Arlequim, Pulcinella, Pierrot e Colombina. Este teatro popular improvisado, era realizado nas praças públicas onde ridicularizavam os costumes dos nobres da época. Posteriormente, essas personagens inspiraram o Carnaval Veneziano que duraria até ao final do séc. XVIII. Com a queda da República de Veneza, a tradição caiu em desuso e acabou mesmo por desaparecer.

Várias criações artísticas sob diferentes formatos e funções, tiveram origem na máscara, como no cinema, no teatro, em rituais religiosos e em festas como o carnaval de Veneza (Itália), como a tragédia e a comédia que marcaram alguns pintores de renome, nos primeiros anos do século XX, como Pablo Picasso, George Braque, Henri Matisse ou André Derain, mas foi o teatro a arte que mais explorou a magia das máscaras. Ainda nos dias de hoje utilizamos máscaras em algumas festas como no Halloween e no Carnaval. No Brasil, os índios imploram aos deuses boas colheitas com enormes máscaras de palha. Também em Portugal, na região de Trás-os-Montes, o chocalheiro veste a máscara do diabo e faz o seu peditório porta a porta. O uso das máscaras está relacionado com a religiosidade e nos assuntos como a exploração dos mais pobres, representando os exploradores e os oprimidos.

Peça de Museu – Uma demonstração importante da criatividade da classe médica portuguesa foi a invenção da máscara profilática, criada pelo médico Afonso de Lemos em 1899, para os médicos e os enfermeiros usarem na observação e tratamento dos doentes durante a peste bubónica. Só em 1918, durante a epidemia de gripe, as máscaras faciais foram divulgadas e iniciadas a sua utilização.

Durante cerca de 50 anos os médicos lutaram contra o uso de máscaras. Em 1905, a médica Alice Hamilton publicou um artigo no Journal of American Medical Association, onde criticava a não utilização de máscaras pelos médicos durante as operações, mesmo nas escolas médicas mais desenvolvidas.

Também o médico britânico Berkeley Moynihan, num dos seus livros publicado em 1906, defendia o uso de máscaras faciais e condenava os médicos que trabalhavam sem máscaras. No seu livro dizia que “… a bactéria expelida da boca de uma pessoa é pior que o pior esgoto de Londres”.

O uso das máscaras faciais popularizou-se após uma praga terrível que ocorreu na Manchúria (norte da China), na primeira década do século XX. Teve uma taxa de mortalidade de 100% em 48 horas e causou 60.000 vítimas em quatro meses. Wu Lien-teh, médico chinês educado em Cambridge, foi chamado à região para analisar a situação, ordenando que todos os médicos, enfermeiros e até funcionários do cemitério usassem máscaras faciais, após a realização de uma autópsia, onde afirmou que a doença não era transmitida por pulgas, como se julgava, mas sim por via aérea.

A comunidade médica ridicularizou Wu (citado no começo da matéria) por esta iniciativa. Utilizando as máscaras cirúrgicas utilizadas na Europa, Wu melhorou-as ao adicionar mais camadas de material com filtro. As máscaras de Wu tornaram-se num símbolo de progresso científico sendo utilizadas por médicos, no exército e pela população em geral.

Quando em 1918 surgiu a erradamente dominada “gripe espanhola”, as máscaras de Wu ganharam uma enorme importância, ficaram mundialmente conhecidas e auxiliaram a que a epidemia não se alastrasse, apesar do número de vítimas ter sido elevadíssimo.

Durante a primeira metade do século XX foram desenvolvidos vários estilos de máscaras que por norma eram feitas de gaze de algodão com armação em metal. Na década de 60 as máscaras descartáveis tornaram-se muito populares. Em 1972, Peter Tsai inventou a máscara respiratória N95, duplicando a sua capacidade em 2018 e que tem sido uma das mais utilizadas até aos nossos dias. Presume-se que esta máscara seja inspirada numa outra inventada por Wu Lien-teh, que esteve muito perto de ganhar um Prémio Nobel.Face ao momento histórico atual, museus de todo o mundo iniciaram no início da pandemia o trabalho de “guardar o presente”, para que futuramente exposições mostrem a realidade a pessoas que não tenham vivido esta experiência.