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Quando 2020 foi embora, achávamos que o Ano Novo seria diferente já com a expectativa das vacinas que chegavam, alimentando esperanças. Contudo, o que se viu foi um Brasil muito pior, tomado pela pandemia e pelo caos, com infindáveis mortes. A expressão ‘luto’ nunca foi vista e usada. O luto também foi pelo colapso na saúde e na economia, com a morte de milhares de empresas e empregos e volta da inflação, que só agravou a situação daqueles que já viviam na miséria. Foi também um ano de ‘luta’ para se manter em pé, para manter a saúde mental e a crença em dias melhores.

No entanto, tudo isso tem um ‘custo’ que ainda não foi avaliado, mas infelizmente o sentimento frequente de tristeza e depressão atingiu 40% dos adultos brasileiros, e a sensação de ansiedade e nervosismo foi reportada por mais de 50% deles este ano. Os dados foram revelados num estudo feito pelo Instituto de Comunicação e Informação Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas.

Até mesmo Bill Gates, 66, cofundador da Microsoft, afirmou que nenhum ano de sua vida havia sido mais “difícil” ou “incomum” do que 2021. Em seu blog, intitulado GatesNotes, o bilionário compartilhou um texto desabafando sobre suas lutas pessoais. Para ele, 2021 foi “um ano incrivelmente difícil para muitas pessoas, inclusive eu”. Gates conta que, apesar de preferir ter se concentrado em seu trabalho no ano passado, reconheceu a curiosidade que surgiu em torno de seu divórcio com Melinda Gates, anunciado em maio após 27 anos de casamento. Para ele, uma das maiores mudanças foi passar a ficar muito tempo sozinho, e ainda se descreveu como um “ninho vazio” após a partida de seus dois filhos mais novos. O bilionário da Microsoft afirma que 2021 foi um ano de “grandes transições”. E ele não está sozinho, como se nota.

Por conta da solidão e de todos efeitos da pandemia já citados, os casos de depressão e ansiedade cresceram mais de 25% no mundo em 2020 de acordo com um estudo publicado na revista científica The Lancet. Os dados deste ano não estão concluídos, mas este estudo é o primeiro a avaliar o impacto da pandemia nos problemas depressivos clínicos e na ansiedade, divididos por idade, sexo e localização em 204 países e territórios em 2020.

Os resultados mostram que, em 2020, a depressão aumentou 28%, enquanto a ansiedade cresceu 26%. “Isso ressalta a necessidade urgente de fortalecer os sistemas de saúde”, disse o autor principal do estudo, Damien Santomauro, do Centro de Pesquisa em Saúde Mental de Queensland, na Austrália. “Mesmo antes da pandemia, os sistemas de saúde mental da maioria dos países tinham poucos recursos e eram desorganizados. Responder a essa demanda extra será difícil, mas é impossível ignorá-la”, acrescentou.

As mulheres foram mais afetadas do que os homens, e os mais novos mais do que os idosos. “A pandemia de covid-19 exacerbou as muitas desigualdades e determinantes sociais da doença mental. Infelizmente, por muitas razões, as mulheres foram mais afetadas pelas consequências sociais e econômicas desta pandemia”, afirmou a coautora do estudo, Alize Ferrari.

“O fechamento de escolas e outras restrições importantes limitaram a capacidade dos jovens de aprender e interagir com seus colegas, o que combinado com o aumento do risco de desemprego teve um impacto na saúde mental dos mais novos”, acrescentou. Os resultados do estudo indicam, portanto, que os países mais afetados pela pandemia em 2020 são aqueles que sofreram um maior aumento na prevalência de problemas mentais. No entanto, os autores reconhecem que o estudo foi limitado pela falta de dados confiáveis de regiões significativas do mundo, particularmente aquelas onde se encontram países de baixa e média renda.

 

Solidão, a outra epidemia

O brasileiro é o povo que mais se sente solitário, de acordo com os resultados de uma pesquisa feita este ano em 28 países. Segundo o levantamento, 50% das mil pessoas entrevistadas no Brasil disseram sentir solidão “muitas vezes”, “frequentemente” ou “sempre”. O percentual é o maior entre todas as populações ouvidas pela pesquisa, feita pelo instituto Ipsos.

Entretanto, existente muito antes da pandemia, a “epidemia da solidão” não atinge só os idosos. É o que garante um estudo coordenado pelo escritor e jornalista Celso Grecco, os dados mais relevantes apontaram a população jovem, na faixa etária dos 18 aos 34 anos, no epicentro desta epidemia de solidão. Mas o que é solidão, afinal? É o mesmo que estar sozinho? Segundo Celso, o termo “epidemia da solidão” vem de um estudo na Inglaterra. Mas é um nome que já é usado nos EUA, na África do Sul. A palavra “solidão” surgiu por volta de 1800 e, desde então, inquietou pensadores como Alexis de Tocqueville (1805-1859) e Émile Durkheim (1858-1917).

Solidão não é um sentimento simples, mas um misto de sensações como angústia, dor, medo e tristeza, que foi mudando ao longo do tempo, com dimensões sociais e políticas. Hoje vivemos um paradoxo: nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão sozinhos.

A complexidade da solidão intriga cientistas do mundo todo. Ela é um mal universal, que não necessariamente diz respeito às pessoas que vivem sozinhas, mas às que estão isoladas socialmente. De acordo com Stephanie Cacioppo, diretora do Laboratório de Dinâmica Cerebral da Escola de Medicina Pritzker, da Universidade de Chicago (EUA), a solidão pode ser definida como “a discrepância entre o que você deseja dos seus relacionamentos e o que, de fato, você tem. Ela pode se manifestar em qualquer idade, mas é natural que tenha maior incidência entre pessoas a partir dos 60 anos de idade, uma vez que é nessa fase que normalmente começam a vivenciar a perda de entes queridos e amigos. Como fenômeno complexo que é, a solidão tem sido objeto de inúmeras pesquisas. Elas dão pistas para compreendermos de que forma ela atinge os indivíduos e, principalmente, quais são os caminhos possíveis para sua cura.

Um desses estudos foi conduzido pelo pesquisador Steve Cole, professor de medicina, psiquiatria e ciências bio-comportamentais da Faculdade de Medicina da UCLA, nos Estados Unidos, que decidiu estudar o tema do ponto de vista molecular, partindo de uma amostra de glóbulos brancos. Elas foram retiradas de homens e mulheres solitários e a conclusão de Cole foi surpreendente: os glóbulos estavam em estado de alerta máximo, respondendo da mesma forma que a uma célula com infecção bacteriana. Era como se estivessem sob ataque de uma doença, a ‘doença da solidão’. Tão importante quanto o estudo foi o retorno que ele trouxe após sua publicação, em 2007: o pesquisador passou a receber um enorme volume de e-mails, de pessoas agradecendo e compartilhando relatos e como as descobertas faziam sentido em suas vidas. “Então isso me levou a respeitar a solidão como um tópico. Mas também como um inimigo”, afirma Cole.

A solidão, diz Louise Hawkley, cientista sênior da Universidade de Chicago, “é uma experiência humana universal e, sendo os animais sociais que somos, deve haver implicações quando essas conexões sociais não são satisfeitas”. De acordo com ela, temos uma necessidade vital de aceitação, de sermos incorporados e conectados em uma rede social e quando isso não ocorre, existem consequências reais para nossa saúde mental e física. A necessidade de contato social aparece em todos os estudos, independentemente da linha seguida pelos especialistas e a ciência considera a solidão como um mal que afeta não apenas nossos cérebros, mas também nossos corpos.

Outra importante contribuição para essa discussão vem de Julianne Holt–Lunstad, professora de psicologia e neurociência da Universidade Brigham Young. Ela questiona se o que estamos vivenciando atualmente é a solidão propriamente dita ou se as pessoas estão se desconectando socialmente de várias formas, de maneira gradativa. Segundo ela, existem dados de declínio das conexões sociais: aumento no número de pessoas que vivem sozinhas – embora esse fator isoladamente não possa ser relacionado com a solidão – diminuição das taxas de casamento e do número de filhos. Todos esses fatores carregam um estigma de ‘fracasso social’, o que coloca esses indivíduos em risco. Julianne é o co-autora de um estudo de referência que analisou vários grupos de pessoas consideradas como desprovidas de conexão social suficiente e cruzou essas informações com seus históricos médicos. A conclusão é que, seja o indivíduo saudável ou não, aqueles que estão mais conectados socialmente, vivem mais.

Existem diversos dados que sugerem que se sentir sozinho não é um problema exclusivamente do indivíduo, mas é um efeito do mundo em que vivemos. Em torno de 94% dos representantes da geração Baby Boomers dizem que acreditam pertencer a um grupo de amigos, número que cai para 70% no caso da chamada Geração Z. É provável que a geração Millenial, intermediária entre elas, seja mais solitária que os Baby Boomers e a Geração Z ainda mais do que as duas anteriores. A qualidade das relações sociais também tem papel fundamental para evitar a solidão. Apenas 53% dos americanos relatam ter interações significativas com amigos e familiares, o que sugere que a solidão tem menos relação com o número de amigos que temos ou com a frequência com que saímos com eles e mais relação com a capacidade de nos conectarmos com as pessoas em um nível mais profundo.

 

EfeitosEm janeiro de 2018, o Reino Unido criou o Ministério da Solidão, pasta que trabalha criando estratégias para enfrentar o que a primeira-ministra britânica, Theresa May, descreve como “uma triste realidade da vida moderna, que atinge pessoas de todas as idades”. Na época, 9 milhões de britânicos se declaravam solitários, de uma população total de 65,6 milhões. Como consequências, o governo registrava efeitos como altos índices de internação, de mortalidade prematura e problemas associados à demência. A criação de um ministério para solucionar o problema, algo inédito no mundo, demonstra sua gravidade para a sociedade.

Outros países também enfrentam o mesmo desafio. Os impactos das pessoas que vivem em isolamento social nos Estados Unidos somam US$ 7 bilhões ao ano para o sistema de saúde americano, segundo estudo do Instituto de Políticas Públicas das Universidade de Stanford e Harvard. Isso ocorre principalmente por conta de internações de longa permanência nos hospitais. Nos indivíduos que padecem desse mal, os custos se materializam das mais diversas formas, com consequências negativas para corpos e mentes, encurtando vidas. A solidão é mortal: uma série de estudos revelou que ela aumenta as chances de doenças cardíacas, nos torna mais vulneráveis ao Alzheimer, pressão alta, suicídio e até mesmo aos resfriados comuns. Ainda segundo essas pesquisas, o sentimento de estar sozinho equivale a fumar 15 cigarros por dia e a solidão ainda é considerada mais nociva para a saúde que a obesidade.

Um número elevado de especialistas concentra atualmente suas pesquisas nos sentimentos da solidão: na experiência pessoal de rejeição, desconexão e de saudade. Eles estão convencidos de que a dor dessas pessoas é tão real quanto qualquer outra causada por uma lesão física, por exemplo. Nossa história evolutiva pode nos ensinar muito sobre isso: nossos ancestrais mais antigos tinham mais chance de sobrevivência em relação aos seus predadores quando estavam em grupos, de maneira que a solidão pode ter evoluído como um alerta de que algo não está certo, nos estressando até que voltemos à segurança do nosso grupo. No curto prazo isso pode ser benéfico – como a inflamação encontrada por Steve Cole nas células das pessoas solitárias – e pode ser traduzido como o sistema de defesa combatendo uma infecção ou reparando uma ferida. Mas, no longo prazo, pode ser mortal, tornando indivíduos mais vulneráveis a uma série de doenças.

 

Tratamento – Conseguir cessar o que os cientistas têm chamado de ‘duelo entre corpo e mente’ é uma das formas de reverter a trajetória da solidão. Explicando melhor: enquanto o corpo quer fazer novos amigos e se reconectar socialmente, o cérebro moderno e solitário, que está sob a influência da resposta inflamatória e elevados níveis de estresse, sente ameaça em qualquer interação, obrigando os indivíduos a se isolarem ainda mais. “Se você coloca alguém que está solitário em uma sala sozinho, todas as pessoas que chegam são percebidas como uma ameaça”, exemplifica Stephanie Cacioppo, diretora do Laboratório de Dinâmica Cerebral da Escola de Medicina Pritzker da Universidade de Chicago (EUA). Ela explica que as pessoas solitárias muitas vezes interpretam mal uma expressão facial ou um tom de voz – caracterizando a curiosidade como hostilidade, por exemplo – e desenvolvem uma realidade distorcida do mundo à sua volta. De acordo com Stephanie, enquanto nosso corpo tem um modo de autopreservação a longo prazo e quer abordar outras pessoas para sobreviver, o cérebro solitário tem um modo de autodefesa a curto prazo e vê, erroneamente, mais inimigos que amigos.

Como fenômeno que se manifesta de maneira diferente em cada indivíduo, o tratamento para aliviar ou extinguir a solidão pode exigir métodos diferentes. Os cientistas têm inclusive substituído o termo solidão por ‘conexão social’, evitando o estigma e o preconceito que recaem sobre ele. Julianne Holt-Lunstad afirma que um bom caminho seria considerar a saúde de nossas conexões sociais como tão importante como um estilo de vida saudável, dieta e exercícios físicos, por exemplo. A única certeza que se tem, é que o problema terá que ser resolvido juntos.

(Fontes Você S/A. Adriana Drulla e Mente Maravilhosa)