
Pouca gente conhece nossos valores femininos

* Gesiel Júnior
A crônica histórica, em geral, vem sendo contada por homens sobre outros homens, o que muitas vezes relega a atuação da mulher a um papel coadjuvante nessa construção, apenas com pequenos destaques.
A realidade, entretanto, é outra e se torna importante resgatar a participação feminina na construção da história avareense, partindo da nativa e da desbravadora, passando pela escrava, senhora, proprietária, operária, nobre, anônima, professora, esposa, mãe, prostituta, boia-fria, fazendeira, terminando na mulher atual, emancipada e dona de seu destino.
Nas origens do Rio Novo, já no fim do regime imperial, o papel feminino era especialmente restrito ao ambiente familiar e doméstico. Isto porque o sistema patriarcal desenvolvido na colonização portuguesa restringiu as mulheres ao zelo da casa e à assistência moral da família.
A repressão à mulher consolidava-se com a subserviência com a qual tinham que tratar os homens, sob a alegação que eles lhe provinham o sustento. Por volta de 1860 a legislação até estendeu o direito ao ensino primário às mulheres, mas na prática elas continuavam excluídas.
Numa busca atenta em documentos históricos consegue-se detectar a influência de algumas mulheres. Daquelas que aceitaram enfrentar barreiras impostas pelo machismo, preconceito e hipocrisia predominantes na sociedade oitocentista.
Ainda que de maneira discreta, a pesquisa nos leva a reconhecer na espiral do tempo mulheres de fibra. Por quê? Porque na sua vivência corajosa elas não se curvaram e nem se entregaram. Ao contrário, buscaram seu espaço palmo a palmo, com suor e devoção para que na atualidade outras tantas pudessem romper os percalços e conquistar um lugar digno ao lado do homem.
Pioneirismo, bravura e força
Das nativas caiuás nada se conservou infelizmente. Das esposas dos sertanistas, dois nomes aparecem grafados na escritura de doação das terras do patrimônio: os de Gertrudes de Oliveira e de Gertrudes Maria da Luz, casadas, respectivamente, com o major Vitoriano de Souza Rocha e com o alferes Domiciano José de Sant’Ana, os principais fundadores.
Em 1869, no primeiro recenseamento feito nas redondezas do arraial, havia 2.042 moradores, dos quais 953 eram mulheres.
Nesse tempo a doceira Ana de Góis é citada por Jango Pires como a primeira a vender pães caseiros, pois na vila ainda não havia padaria.
O mesmo cronista registra a morte de Bárbara Fé do Nascimento, em 1879, mãe do major Francisco Theobaldo Pinto de Melo, o primeiro presidente da Câmara de Vereadores do Rio Novo. “Ela era política e de muito prestígio eleitoral, era mandona”, escreveu Jango referindo-se à líder do Partido Monarquista, os Cascudos.
Ao longo do século vinte e nos primeiros anos deste milênio houve, felizmente, a projeção de avareenses natas, sobretudo, nos campos da cultura.
Assim é justo e oportuno louvar as poetas Anita Ferreira De Maria e Léa Silva; as artistas plásticas Djanira da Motta e Silva, Estela Gambini, Nilva Calixto, Raquel Taraborelli e Rosane Gauss; as memorialistas Sophia Jobim e Flora Bocci; as cientistas Diva Diniz Corrêa, Christina Ramires Ferreira e Heloísa Rutigliano; as educadoras Marcelina Novaes, Nadir Kfouri, Laurinda Ramalho de Almeida, Leila Ignatius Grassi e Maria Aparecida Custódio, e as jornalistas Alda do Amaral Rocha e Jane Mary Guimarães Lutti, as quais ressoam suas vidas admiráveis na voz consonante da cantora e arte-educadora Lucila Novaes.
Mulheres… célebres ou não, todas avareenses maravilhosas!

*Pesquisador e cronista, Gesiel Júnior, 61, é autor de 54 livros sobre a história de Avaré e região.