Uma em cada quatro mulheres foi vítima. Em Avaré pelo menos um caso de violência por dia foi registrado

 

Uma em cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência na pandemia no Brasil, apontou pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em junho do ano passado. Isso significa que cerca de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. A porcentagem representa estabilidade em relação à última pesquisa, de 2019, quando 27,4% afirmaram ter sofrido alguma agressão.

De acordo com o levantamento, nesse período de isolamento, caiu a violência na rua e aumentaram as agressões dentro de casa. Samira Bueno, diretora do Fórum, afirma que as formas de violência são muitas vezes invisíveis. Tem a ofensa verbal, o insulto, a humilhação ou um empurrão. A pesquisadora diz que houve uma mudança em relação às pesquisas anteriores. Sete em cada dez agressores eram pessoas conhecidas como padrasto, ex ou atual companheiro, pai, mãe, irmão, irmã, e outras pessoas do convívio familiar. As mais impactadas pela violência são as mulheres negras e jovens.

A pesquisa aponta ainda dois dados que chamam a atenção. O primeiro é que a mudança da rotina em função da pandemia também refletiu nos números. Além de passar mais tempo em casa, as mulheres passaram mais momentos de estresse. O segundo é que as mulheres que tiveram a renda reduzida ou perderam o emprego foram mais agredidas. Samira Bueno diz ainda que 45% delas não denunciaram nem procuraram alguém para desabafar e optaram pelo silêncio.

Outro levantamento feito pelo DataSenado concluiu que a maioria das mulheres brasileiras (86%) percebeu um aumento na violência cometida contra pessoas do sexo feminino durante o último ano. Para 71% das entrevistadas, o Brasil é um país muito machista. Segundo a pesquisa, 68% das brasileiras conhecem uma ou mais mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, enquanto 27% declaram já ter sofrido algum tipo de agressão por um homem.

De acordo com a pesquisa, 18% das mulheres agredidas por homens convivem com o agressor. Para 75% das entrevistadas, o medo leva a mulher a não denunciar. O estudo demonstra, no entanto, que 100% das vítimas agredidas por namorados e 79% das agredidas por maridos terminaram a relação.

Os números refletem uma realidade preocupante; uma realidade que também está próxima. A pedido do in Foco, a Delegacia Seccional de Polícia de Avaré (que abrange 17 cidades) e engloba todas as delegacias especializadas, fez um levantamento dos índices de violência contra a mulher nos últimos 5 anos. A pesquisa mostrou que em comparação com 2020, houve um aumento de 120% em casos de feminicídio incluindo as tentativas. No ano em que surgiu a pandemia foram 3 tentativas e 2 mortes; já 2021 fechou com 3 mortes e 8 tentativas de homicídio.

Entretanto, estes números não incluem outros crimes como agressão, ameaça, perturbação do sossego e crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), entre outros delitos.  Foram registrados ano passado em Avaré 368 crimes que se enquadram na lista citada – ou seja, mais de um caso de violência por dia!

Na região, foram 948, totalizando 1.316 casos diferentes de violência contra as mulheres. “A maioria dos 1316 crimes contra a mulher registrados em Avaré e região estão inseridos no contexto da Lei Maria da Penha. Mas pode haver (em menor número) crimes cujas vítimas são mulheres, mas sem conotação de violência doméstica (caso de um homicídio em Fartura)”, diz Cristiano Ferreira Martins, assessor de Comunicação da Polícia Civil.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2013 o Brasil já ocupava o 5º lugar, num ranking de 83 países onde mais se matam mulheres. São 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, em que quase 30% dos crimes ocorrem nos domicílios. Além disso, uma pesquisa do DataSenado (2013) revelou que 1 em cada 5 brasileiras assumiu que já foi vítima de violência doméstica e familiar provocada por um homem. Os resultados da Fundação Perseu Abramo, com base em estudo realizado em 2010, também reforçam esses dados – para se ter uma ideia, a cada 2 minutos 5 mulheres são violentamente agredidas. Outra confirmação da frequência da violência de gênero é o ciclo que se estabelece e é constantemente repetido: aumento da tensão, ato de violência e lua de mel. Nessas três fases, a mulher sofre vários tipos de violência (física, moral, psicológica, sexual e patrimonial), que podem ser praticadas de maneira isolada ou não.

O Instituto Maria da Penha orienta as mulheres a denunciar as agressões, procurando em primeiro lugar, um Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRM) em sua cidade. Lá elas podem buscar orientações para entender melhor a situação pela qual estão passando, obter informações sobre a Lei Maria da Penha e de como romper o ciclo da violência. Dessa forma, as mulheres vão se empoderar e decidir o melhor momento de fazer a denúncia.

Nos locais em que não existe esse equipamento, é possível acionar o Ligue 180, um serviço disponibilizado pelo Governo Federal, que funciona 24 horas por dia durante todos os dias da semana. “Existe um serviço nacional, que é o Disque 100, cuja base de controle fica em Brasília. Esse é mais voltado para violação de direitos humanos. A gente recebe muita denúncia de violência contra a mulher por meio dele. Já foram instaurados vários inquéritos por meio de denúncias recebidas pelo Disque 100”, afirma Cristiano. “O controle é rigoroso. Tudo é feito por meio de um sistema. Aqui na Seccional temos um escrivão que recepciona essas denúncias e as encaminha para as unidades respectivas, seja em Avaré (no caso a DDM) ou na região (compreende 16 municípios). Esse policial não tem contato com as vítimas. Os atendentes (a maioria mulheres) ficam em Brasília e a denúncia chega pra nós através do sistema; daí encaminhamos para a DDM, se for em Avaré, ou para as Delegacias das cidades da Região”, explica.

A violência e o ciclo dela

De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.  Apesar de a violência doméstica ter várias faces e especificidades, a psicóloga norte-americana Lenore Walker identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido.

FASE 1 – AUMENTO DA TENSÃO

Nesse primeiro momento, o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos. A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas. Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2.

FASE 2 – ATO DE VIOLÊNCIA

Esta fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial. Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação. Aqui, ela sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor. Nesse momento, ela também pode tomar decisões − as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento do agressor.

FASE 3 – ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO

Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”. Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor. Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.

 

FORMAS DE VIOLÊNCIA

Violência física: É aquela entendida como qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal da mulher. É praticada com uso de força física do agressor/agressora, que machuca a vítima de várias maneiras ou ainda com o uso de armas, exemplos: Bater, chutar, queimar, cortar e mutilar.

Violência psicológica: Qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher, nesse tipo de violência é muito comum a mulher ser proibida de trabalhar, estudar, sair de casa, ou viajar, falar com amigos ou parentes; exemplos: ameaças, humilhações, chantagens, críticas, isolamento dos amigos e da família.

Violência sexual: A violência sexual é qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada; quando a mulher é obrigada a se prostituir, a fazer aborto, a usar anticoncepcionais contra a sua vontade ou quando a mesma sofre assédio sexual, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade.

 Violência patrimonial: Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos pertencentes à mulher, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

 Violência moral: Entende-se por violência moral qualquer conduta que importe em calúnia, quando o agressor/agressora afirma falsamente que aquela praticou crime que ela não cometeu; difamação; quando o agressor atribui à mulher fatos que maculem a sua reputação, ou injúria, ofende a dignidade da mulher. (Exemplos: Dar opinião contra a reputação moral, críticas mentirosas e xingamentos). Obs: Esse tipo de violência pode ocorrer também pela internet.

(Fontes Agência Senado, Datafolha, Instituto Maria da Penha e Não se Cale)