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O termo está sempre em voga, mas ainda há pessoas que não sabem exatamente a importância de acabar com ele: foro privilegiado. Ele é, digamos, um mecanismo pelo qual se altera a competência penal sobre ações contra certas autoridades públicas. Tecnicamente, o nome correto é foro especial por prerrogativa de função. Na prática, uma ação penal contra uma autoridade pública – como os parlamentares, presidentes da república, juízes, etc…– é julgada por tribunais superiores, diferentemente de um cidadão comum, julgado pela justiça comum.

Mas isso não contraria o princípio da igualdade?

Claro! Não há como negar que o foro privilegiado quebra o princípio de que todos são iguais perante a lei. E que, portanto, estão submetidos a ela da mesma forma. Por que, então, foi criado o foro por prerrogativa de função? A justificativa é a necessidade de se proteger o exercício da função ou do mandato público (poupe-me!).  Como é de interesse público que ninguém seja perseguido pela justiça por estar em determinada função pública, então considera-se melhor que algumas autoridades sejam julgadas pelos órgãos superiores da justiça, tidos como mais independentes.

É importante ressaltar também que o foro protege a função, e não a pessoa. Justamente por essa lógica, qualquer autoridade pública deixa de ter direito a foro especial assim que deixa sua função pública (ex-deputados não possuem foro especial, por exemplo).

Quem tem direito ao foro privilegiado?

Veja quem são as autoridades públicas com foro privilegiado e como elas são julgadas quando necessário:

  • Governadores são julgados, em crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ);
  • Os prefeitos são julgados pelos Tribunais de Justiça estaduais;
  • E não são apenas políticos que possuem o foro privilegiado: membros dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e também embaixadores são julgados pelo STF;
  • Já o STJ julga desembargadores dos tribunais de justiça, membros de Tribunais de Contas estaduais e municipais, além de membros de Tribunais Regionais (TRF, TRT, TRE, etc);
  • Juízes Federais, do Trabalho, Juízes Militares e Procuradores da República são julgados pelos Tribunais Regionais Federais;
  • Membros do Ministério Público também possuem foro privilegiado.

Em maio de 2018, o Senado, por unanimidade, decidiu mudar a regra para foro privilegiado de deputados federais e senadores. A partir de então, esses parlamentares passaram a ter acesso ao foro apenas quando julgados por crimes que foram cometidos durante o mandato e/ou que possuam relação com o cargo. Os crimes já em processo dependem da decisão de cada Ministro, definindo se vão ou não para outra instância.

O foro privilegiado é exclusividade do Brasil?

Não, existem outros países que adotam sistemas parecidos, como Portugal, Espanha, Argentina e Colômbia. Mas é possível afirmar que em nenhum outro país essa prerrogativa é estendida a tantos indivíduos quanto no Brasil (ao menos se analisarmos a constituição de cada país). Segundo reportagem da revista Exame, até 2017 55 mil pessoas  possuíam foro privilegiado por aqui. O numero condiz com estudo da Consultoria Legislativa do Senado Federal, que em 2015 já havia apontado 54 mil autoridades possuindo a prerrogativa de foro naquele ano.

Como o foro privilegiado interfere nas investigações policiais?

Como casos de foro privilegiado são julgados diretamente em instâncias superiores, a investigação deve ser supervisionada pela Procuradoria-Geral da República. Ela, com base em dados levantados pela Polícia Federal, analisa os casos e decide apresentar uma denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal. Apresentada a denúncia, os ministros do STF decidem pela abertura de uma ação penal.

Há quem afirme que as ações de foro privilegiado sobrecarregam os tribunais superiores. Eles acabam por julgar desde fatos graves, como homicídios, até fatos banais. O STF, por sua vez, já é muito sobrecarregado: julga cerca de 100 mil casos ao ano. Para efeito de comparação, a Suprema Corte dos Estados Unidos, análoga ao STF, julga apenas 100 casos anualmente. O julgamento de crimes comuns de autoridades públicas no Brasil mistura-se a uma imensa pilha de processos que o STF precisa julgar. Ainda pior: os tribunais superiores não estão acostumados a realizar uma ação penal, inexistindo uma estrutura adequada na maior parte deles para receber esses casos.

É por esses e outros motivos que a gente pouco ouve sobre políticos condenados na justiça. Levantamento feito pela revista Exame em 2015 revelou que, de 500 parlamentares que foram alvo de investigação ou de ação penal no STF nos últimos 27 anos, apenas 16 foram condenados. Desses, 8 foram presos (apenas um esteve preso até 2016). Os demais ou recorreram, ou contaram com a prescrição para se livrar das ações penais.

Até junho de 2019, um levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo revelou que 1 em cada 3 parlamentares eleitos em 2018 era acusado de crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, assédio sexual e estelionato ou era réu em ações por improbidade administrativa com dano ao erário ou enriquecimento ilícito. Os dados mostram que são 160 deputados e 38 senadores.

O foro já havia voltado a chamar atenção em 2016 por conta do caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como ex-presidente, Lula não teria foro privilegiado, mas ele foi convidado a ser ministro-chefe da Casa Civil da presidente Dilma, no mês de março daquele ano. Nessa posição, Lula passaria a ter o foro especial. Mas com o afastamento da presidente por impeachment, Lula nunca chegou a tomar posse.

O fim do foro privilegiado?

Em dezembro de 2018 voltou a debate na Câmara dos Deputados a possibilidade de extinção do foro privilegiado. A PEC 333/2017 teve seu parecer aprovado em comissão e propõe que o foro seja extinto no caso de julgamentos por crimes comuns. Além disso, ficaria restrito aos Presidentes da República, da Câmara, do Senado Federal e do STF. Assim, perderiam direito ao foro os ministros de Estado, governadores, parlamentares e outras autoridades. O projeto está parado, mesmo depois de aprovado pelo Senado. Até março de 2021 ele estava passando por comissões no congresso -a Câmara o segura há mais de 1.300 dias. Nem é preciso dizer por quê.

 

(Fonte Bruno André Blume)