Imagem Nando Motta
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Não há, grosso modo, crime tão cruel e repugnante quanto o assassinato de uma criança. Contudo quando pais ou mães estão envolvidos, a repugnância é ainda maior porque é realmente difícil entender como alguém que gerou uma vida, pode matá-la sem qualquer ‘sentimento’.  O caso do menino Henry Borel, de apenas 4 anos, assassinado com violência ‘doméstica’, trouxe à memória outros casos semelhantes (como Isabela Nardoni e Bernardo Boldrini) já que sua mãe Monique Medeiros da Costa e Silva e seu padrasto, o vereador carioca Dr. Jairinho são os principais suspeitos.

Segundo laudo policial, Henry era agredido pelo político com chutes e pancadas na cabeça. Monique tinha conhecimento da violência, pelo menos, desde o dia 12 de fevereiro. A investigação aponta que o menino foi assassinado com emprego de tortura. Diante da incredulidade, naturalmente nos questionamos o que há por trás de tanta maldade, pois é difícil encontrar outro adjetivo.  Além da comoção e indignação, crimes como este, nos fazem refletir sobre a insanidade .

O professor e pesquisador ( IESP-UERJ) Gláucio Soares diz num artigo, com base no livro Child victims of homicide, de Alder e Polk (2001), que o infanticídio é prática antiga, mais do que documentada na Antiguidade na Grécia, em Roma, no Egito, em Israel, na China e em muitas outras civilizações. O infanticídio, particularmente o feminino, ainda é praticado extensamente na Índia. Das vítimas com menos de 10 anos, 91% são mortas pela mãe, pelo pai, madrasta ou padrasto, sendo que algumas pelo casal. Os autores do livro defendem que, para poder explicar esses crimes, é necessário começar separando os autores em dois grupos: familiares e não familiares. Uma segunda divisão separa autores homens de mulheres. A combinação das categorias indica dinâmicas muito diferentes, motivações diferentes, tipos diferentes. Os autores constatam e enfatizam que os infanticídios incluem tantas características, combinações e tipos diferentes que não há lugar para uma teoria unificadora.

Para o PhD, neurocientista e neuropsicólogo Fabiano de Abreu o caso pode estar relacionado a psicopatia, considerada um dos distúrbios mentais mais difíceis de diagnosticar e ser detectado. O psicopata pode parecer normal e até mesmo ser encantador, mas falta consciência e empatia.

Ele ressalta, porém, que nem todos os psicopatas são delinqüentes e vice e versa.  “Todo psicopata tem um narcisismo patológico, mas nem todo narcisista é psicopata. A estrutura mental da perversão juntamente com narcisismo típico da psicopatia acarreta em disfunções neuro-hormonais, que prejudicam na racionalidade”, frisa.

Este distúrbio é considerado muitas vezes como um objeto de fascínio popular e angústia clínica: a psicopatia adulta é amplamente impermeável ao tratamento, embora existam programas para tratar jovens insensíveis e sem emoção, na esperança de impedir que eles se transformem em psicopatas. “Os filtros com os quais enxerga a si mesmo e da imagem que projeta para os outros são pensados e executados como planos requintados em detalhes. No caso de uma mãe tornar-se cúmplice, esta submissão está vinculada ao poder de sedução, envolvimento e persuasão do parceiro psicopata”, explica Abreu.

Especialistas em comportamento, lembram do chamado efeito “Cinderela”, numa alusão a história clássica que enfatiza a má fama de madrastas  (ou padrastos).  O termo inclusive é bastante utilizado no meio jurídico e foi batizado pelos pesquisadores Martin Daly e Margo Wilson, que fizeram um amplo estudo sobre as taxas de homicídios por espancamento de menores de 5 anos pelos padrastos e pais biológicos no Canadá, usando dados de 1974 a 1990. Seus resultados mostraram não uma, mas duas relações: os que se casam formalmente matam menos do que os que simplesmente se juntam e os pais biológicos matam menos do que os padrastos. As diferenças que encontraram não são pequenas. A “formalidade” do casamento conta muito: entre os pais biológicos ela reduz a taxa de mortalidade por milhão de díades pai/filho(a) de 30,6 para 1,8 e entre os padrastos de 576,5 por 70,6. Vejam quanto essas duas variáveis, casar no papel e ser pai biológico reduzem o risco de homicídio da criança: de 576,5 num extremo para 1,8 no outro. O pior cenário para a criança é o da mãe solteira ou descasada que tem inúmeras relações informais com outros homens. Esse risco é ainda maior se a saúde da criança for pobre.

Narcisismo doentio

Apesar de ter mudado sua versão sobre o crime, paira sobre Monique Medeiros (mãe de Henry) a desconfiança em relação ao seu comportamento narcisista e permissivo. Chamou a atenção a vaidade dela, quando um dia após o enterro do menino, ela foi a um salão de beleza para fazer pé, mão e cabelo. Um cuidado tão grande com a aparência já tinha se manifestado quando, antes de ir depor pela primeira vez sobre a morte de Henry, ela mandou foto para a defesa ajudá-la na escolha da roupa. A primeira versão toda preta e, desaconselhada, trocou por um traje mais social e todo branco – visual que fez questão de eternizar em mais uma selfie, feita dentro da delegacia, com os pés sobre cadeiras, aparentemente relaxada e com um semblante de quase sorriso. Para psicólogos, são sinais de uma personalidade narcísica de natureza perversa, que pode ter sido potencializada com o início do relacionamento com Dr.Jairinho.

De acordo com a psicanalista Flavia Strauch, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, as preocupações com a beleza da professora mostram uma atitude totalmente deslocada da realidade. Para ela, após o caso ganhar proporção nacional, Monique deixou claro que havia uma grande preocupação em como apareceria nas fotos e filmagens da cobertura midiática, sem pensar no que este comportamento estaria passando ao público que assistia.

A neuropsicóloga Paula Dutra observa que as demonstrações de excessiva vaidade de Monique configuram um transtorno de personalidade de natureza perversa, pois não apresentam sinais de empatia ou comoção com a perda do filho de 4 anos. Segundo ela, pessoas com essa condição tem uma grave perturbação de caráter, em que não há vínculos verdadeiros, nem mesmo com os filhos, estabelecendo-se assim apenas relações em benefício próprio.  Segundo Paula, provavelmente Henry era um obstáculo naquele relacionamento doentio. Ela explica que após Monique engatar o namoro com o vereador houve um ganho de status que a envaideceu. A partir deste momento, elucida Paula, a pessoa nutre uma sensação de possuir mais valor, condição importante para um narcísico. Duas personalidades com o mesmo traço de perversidade, afirma Paula, não permitem a presença de uma terceira pessoa.

(Fontes G1, Click Guarulhos, Fabiano de Abreu e Glaucio Ary Dillon Soares)