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  • Mudanças na lei

A subordinação das mulheres vem de milênios e, momentaneamente, pode até parecer que os avanços são pequenos frente à trajetória histórica da humanidade. No entanto, reconhecê-los é fundamentalmente parte do processo de consolidação desses direitos e conquistas de outros.

  • Prática de qualquer modalidade esportiva

Desde 1937, mulheres eram proibidas de praticar atividades como lutas, futebol, polo e beisebol. As regras só mudaram em 1965.

  • Ensino básico

No Brasil, as mulheres só puderem passar a frequentar a escola básica a partir de 1927.

  • Ensino superior

Já as universidades só foram ocupadas pelo gênero feminino mais de 50 anos depois, em 1979.

  • Trabalho fora de casa

De acordo com o Código Civil de 1916, a mulher só poderia trabalhar fora de casa caso o marido lhe concedesse autorização. A situação só mudou em 1962 e especialmente graças às advogadas Romi Medeiros da Fonseca e Orminda Ribeiro Bastos, que escreveram o texto da lei que contribuiu para mudar as questões sobre a incapacidade jurídica da mulher casada.

  • Direitos trabalhistas

Logo após a inserção da mulher no mercado de trabalho – com a autorização de seu marido até 1962 –, os direitos trabalhistas não contemplavam suas condições especiais. Com a implementação e aperfeiçoamento da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), hoje a mulher tem direito a igualdade salarial, licença-maternidade e garantia de emprego durante a gestação.

  • Direito ao Voto

Um dos principais motivos da ebulição do feminismo foi o direito ao voto. No Brasil, ele foi autorizado em 1932. A principal referência desta luta é a bióloga Bertha Lutz, uma das fundadoras do Partido Republicano Feminino.

  • Direito de ser representante político

Em 1934, o Brasil teve sua primeira representante política do gênero feminino. Carlota Pereira de Queiroz foi eleita deputada. Em 2011, 77 anos depois, a primeira presidente é eleita.

  • Controle de fertilidade

Com o começo da comercialização da pílula anticoncepcional em 1961, a mulher finalmente pode ter controle sobre sua fertilidade. A mudança possibilitou que ela se relacionasse com mais parceiros, mantivesse relações sexuais antes do casamento e optasse por não ser mãe.

  • Direito à creche

Com a inserção da mulher no mercado de trabalho, as crianças precisavam de cuidadores externos. A Constituição de 1988 prevê assistência gratuita aos filhos e dependentes em creches e pré-escolas. Já empresas que empregam mais de 30 mulheres com mais de 16 anos devem fornecer berçário no ambiente de trabalho ou pagar auxílio-creche aos filhos dependentes.

  • Lei de combate à violência contra a mulher

Em 1985, foi criada a primeira Delegacia da Mulher. A aprovação da lei Maria da Penha em 2006 aumentou o rigor nas punições para a violência doméstica ou familiar.

 

  • Desobrigatoriedade da virgindade antes do casamento

Desde 1916, com a aprovação do Código Civil, a mulher que casasse sem ser virgem poderia ser devolvida pelo marido em até dez dias depois do casamento. Já se a família descobrisse que ela manteve relações sexuais antes do casamento, poderia ser deserdada. As regras mudaram apenas em 2003, com a nova redação do documento.

  • Divórcio

Apenas em 1988 um indivíduo passou a poder se divorciar e casar quantas vezes quiser. Até 1977, a separação ou o desquite só eram autorizados em casos de adultério, tentativa de morte, injúria grave ou abandono voluntário do lar.

  • Poder familiar conjunto

Até 2003, apenas o homem era o responsável pela família. Com a redação do novo Código Civil, o poder familiar passa a ser do marido e da esposa.

  • Diferentes composições familiares

Até 1988, a família era caraterizada pelo casamento entre um homem e uma mulher e seus filhos. Com a nova Constituição, ela deixa de ser aceita apenas pela união matrimonial e passa a abranger outros arranjos, como mães solteiras e uniões homoafetivas.

Mudanças culturais

Além da parte jurídica, as conquistas também permeiam a cultura e o comportamento. Neste aspecto, entre as conquistas mais importantes estão:

Direção –  Levou muito tempo entre a fabricação do carro e a possibilidade de a mulher dirigir. Mesmo com a ocupação desse espaço, ainda hoje há preconceitos com a prática e comumente ouve-se que “mulheres dirigem mal”.

Calças compridasApenas no final do século XIX, quando precisaram ir para as fábricas substituírem seus maridos que estavam em guerra, é que as mulheres passaram a usar calça. O artigo só virou “peça feminina” na década de 1970.

Passeios desacompanhadasÉ recente a possibilidade de a mulher sair desacompanhada de uma figura masculina sem ser julgada.

Envolvimento com vários parceirosAté pouco tempo atrás, a mulher tinha seu casamento arranjado pela família. A possibilidade de se envolver com mais de uma pessoa e escolher seu próprio pretendente tem menos de 150 anos.

 

De vítima à ré

Não faz muito tempo, dois casos de abusos sexual contra adolescentes – no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro – evidenciaram problemas no acolhimento de mulheres vítimas de violência sexual pelo Sistema Judiciário. Eles podem, além de afetar a dimensão das ocorrências, ainda contribuir para a perpetuação desses crimes.

Como as mulheres são acolhidas e ouvidas quando decidem fazer uma denúncia? Por que todos os dados existentes em relação a violência doméstica e estupro, por exemplo, são subnotificados? As mulheres, hoje, se sentem seguras para denunciar um crime desta origem?

O que os dois casos revelam é uma grave questão: o julgamento da conduta moral-sexual pelas quais as duas adolescentes foram submetidas. No caso do Rio de Janeiro, o delegado questionou se a vítima de estupro coletivo tinha o costume de fazer sexo grupal. Ele foi afastado da investigação. Já no Rio Grande do Sul, o promotor humilhou a adolescente vítima do próprio pai durante a audiência.

“Quando a gente fala de violência sexual contra adolescentes, falamos principalmente de mulheres. Os meninos geralmente só são vítimas na infância e, nessa idade, o atendimento é totalmente diferente”, coloca Ana Rita Souza Prata, coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo.

É por isso que, nestes casos, é possível traçar um paralelo com a forma como as mulheres são atendidas quando decidem denunciar um crime sexual. Além de o crime ser semelhante, a forma como uma adolescente e uma mulher adulta é acolhida também é. “Adolescente ou adulta, a sua moral é sempre colocada em xeque e a sua verdade é contestada a depender da forma como ela se porta ou se coloca naquele momento, se é digna ou não de confiança”, comenta a defensora.

E ainda mais grave é que este julgamento moral-sexual impacta não só no acolhimento da vítima como também no julgamento do caso. “Existe um estudo que analisou diversas decisões do tribunal relativas a crime de estupro. As pesquisadoras perceberam que todas as decisões levavam em consideração a conduta da mulher ou para considerar que era ela digna por ser de família e recatada ou o contrário, que seu depoimento não merecia confiança, porque supostamente seu comportamento sexual era considerado fora do padrão estabelecido. Isso não é achismo, a pesquisa deixa claro”, conta a advogada.

Como resultado, além de reforçar a ideia equivocada de que o comportamento de uma mulher interfere no seu merecimento ou não de respeito, este tipo de conduta ainda afasta as mulheres do Sistema Judiciário porque mostra que onde elas deveriam ser protegidas, na verdade, podem ser julgadas e descreditadas.

 

Por que as mulheres não denunciam a violência sexual e doméstica?

O Brasil tem, em média, 47 mil casos de estupro registrados por ano. Os números, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no entanto, são subnotificados em 90%. Estima-se, portanto, que o real seja a média de 470 mil, resultando em um estupro a cada minuto.

Para Ana Rita, é exatamente por muitas vezes ser responsabilizada pelo crime do qual foi vítima que as mulheres deixam de procurar delegacias e efetivar as denúncias. “O que se percebe é que uma vez acionando o sistema de justiça, a vítima passa a ser objeto dele e ninguém mais se questiona o que ela está sentindo ou o motivo de ter mudado sua versão, exatamente como aconteceu com a adolescente do Rio Grande do Sul, que só foi vista como um objeto de prova, trazendo prejuízo para o objetivo daquele processo que era condenar o autor dos fatos. Então, por que a violência sexual é um crime com subnotificação? Por que é isso o que acontece com quem denuncia”, explicita Ana Rita.

“Infelizmente é como se a mulher precisasse provar que não era merecedora daquela violência em vez do homem provar que não cometeu o crime. Fica parecendo que, a depender das características do caso, de alguma forma o crime seja justificável”, acrescenta a promotora de justiça Gabriela Mansur, coordenadora do Núcleo de Combate à Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo.

De acordo com a promotora, a grave consequência deste atendimento que gera na mulher receio e medo de procurar auxílio na justiça é o alto índice de feminicídio.

O Brasil ocupa a quinta posição no ranking dos países que mais têm homicídios femininos – são 13 casos por dia. “Na imensa maioria desses casos, o agressor é conhecido e antes houve estupro, ainda antes houve violência física, psicológica, moral. Se não mudarmos o comportamento da justiça, vamos continuar afastando essas mulheres e vamos cada vez mais perder vítimas”, alerta a promotora.

E como deveria ser o atendimento de vítimas de violência sexual e doméstica?

Sensibilização dos membros de todas as esferas e órgãos que atendem às vítimas, grupos de estudo e trabalho, campanhas de conscientização e investimentos das próprias instituições (delegacias, defensorias, tribunais de justiça, hospitais, Ministério Público) em seus profissionais estão entre as medidas que, para a promotora, são capazes de mudar o olhar para essa questão.

Um acolhimento respeitoso, sem questionamentos morais e de conduta ou descredito e que respeite a autonomia da mulher, para Ana Rita, é uma das saídas para incentivar mulheres a procurarem ajuda e, consequentemente, diminuir a incidência das violências. “É preciso ter consideração com aquilo que a pessoa está sentindo, entender qual é o objetivo dela naquele momento da denúncia, se é um pedido de socorro, se é o desejo de responsabilizar criminalmente o acusado ou apenas o direito a fazer um aborto. E qualquer um deles deve ser respeitado”, reforça.

No entanto, embora as mudanças estruturais sejam essenciais, é impossível dissociar o comportamento dos agentes dos valores culturais da sociedade. “Nossa sociedade ainda é marcada pelo machismo, pelo patriarcado, pelo racismo e pela cultura da violência contra a mulher e isso se reflete em qualquer lugar”, pontua Gabriela. A mudança, portanto, precisa ser ampla e atingir todas as esferas sociais.

Mas, mesmo reconhecendo os problemas existentes, a promotora reforça ser importante não desacreditar em órgãos postos para proteger o cidadão. “A adolescente foi tratada de forma indigna e hostil pelo promotor no Sul, que teria que zelar em todos os casos pela dignidade humana e impedir abusos de qualquer tipo. Mas, esse tipo de atitude não reflete a ação do Ministério Público. Eu mudei minha forma de atuação desde que ingressei, aprendi a criar empatia e me colocar no lugar da vítima. A maioria dos profissionais é extremamente comprometida. Estamos do lado da sociedade”, reforça Gabriela. Como se vê ainda há muito que lutar e conquistar, sendo encarado como feminismo ou não. Só não dá mais para silenciar.

(Fontes Agência Brasil, Wix, Nossa Causa, Portal Mulher  e Futura)