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Para responder a pergunta acima poderíamos resumir em algumas palavras: respeito, igualdade social e profissional e claro, fim da ‘oligarquia’ masculina. Enquanto mulheres continuarem a ser violentadas e assassinadas por questões machistas não adiantará propagar o empoderamento feminino; ainda será necessário lutar, denunciar e punir. Enquanto a mulher for julgada sozinha numa inquisição sobre o aborto e o homem simplesmente sumir de cena, é necessário lutar pela justiça. Não se trata de defender a prática abortiva como método contraceptivo, mas de não criminalizar apenas a mulher porque ela não engravida sozinha. Enquanto mulheres ainda tem medo de deixar seus maridos e companheiros agressores e até de enfrentar uma delegacia cheia de homens colocando em xeque suas argumentações, é preciso lutar e fazer valer a lei – doa a quem doer. Enquanto as mulheres mais bem preparadas ganharem menores salários embora ocupem os mesmos cargos de homens, é preciso lutar pela igualdade.

Sim, certamente você chamará isso de feminismo, mas sinceramente, se você for mulher dificilmente não será uma apesar do sentido amplo e interpretativo da palavra. Contudo, grosso modo o machismo mata a cada minuto. O feminismo não.

Apesar de quase meio século da criação do 8 de março não basta dedicar o “mês todo” a elas; é preciso usar a data de modo preciso para detectar o que falta conquistar de fato. Afinal, ser mulher é enfrentar um desafio diferente todos os dias. É superar barreiras, muitas vezes, invisíveis. Apesar de serem a maioria da população brasileira (51,8%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), elas ainda enfrentam cenários desiguais, seja na divisão das tarefas domésticas ou nos ganhos no mercado de trabalho. Muitas vezes, elas assumem tripla jornada. Saem para trabalhar, cuidam da casa, dos filhos. Em vários lares, elas são arrimo e sustentam sozinhas suas famílias. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), em 2018, 45% dos domicílios brasileiros eram comandados por mulheres.

Mas, apesar de liderarem casas e assumirem as contas, as mulheres ainda têm de lidar com a discriminação. Estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostra que 90% da população mundial ainda tem algum tipo de preconceito na questão da igualdade de gênero em áreas como política, economia, educação e violência doméstica.

Segundo o estudo, que analisou dados de 75 países, cerca de metade da população considera que os homens são melhores líderes políticos do que as mulheres, e mais de 40% acham que os homens são melhores diretores de empresas. Além disso, 28% dos consultados consideram justificado que um homem bata na sua esposa. Apesar da longa jornada enfrentada por elas ao longo da história, os números mostram que ainda há muito a caminhar.

Marco histórico – Considerado marco histórico na luta das mulheres por mais oportunidades e reconhecimento, o 8 de março foi instituído como Dia Internacional da Mulher, pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975. Muitos historiadores relacionam a data a um incêndio ocorrido, em 1911, em Nova York, no qual 125 mulheres morreram em uma fábrica têxtil. A partir daí, protestos sobre as más condições enfrentadas pelas mulheres trabalhadoras começaram a ganhar espaço. Para a juíza Martha Halfeld, primeira mulher a ocupar a presidência do Tribunal de Apelações da Organização das Nações Unidas, não há mais espaço para a ideia de “concessão masculina”. Tudo o que as mulheres conseguiram, ao longo da história, foi com base em muito trabalho, dedicação e suor. Na visão da juíza, o 8 de março deve ir muito além de flores ou presentes.

“Oferecer a rosa, pode ser visto como: eu te concedo uma assistência. Eu, homem, te concedo aquilo. Hoje, não existe mais espaço para eu concedo. Não, nós conquistamos. E nós conquistamos com muito trabalho um espaço de perfeita igualdade em termos intelectuais, pelo menos. Temos tanta capacidade intelectual quanto qualquer homem”, afirma Halfeld que permanece na presidência da Corte até janeiro de 2022 e segue na ONU até 2023. “Não conseguimos nem a metade do que gostaríamos. Tivemos algumas mudanças, mas não uma modificação radical. E surgem novas questões”, afirma Taciana Gouveia, coordenadora de projetos do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

Como exemplo, é possível citar os salários desiguais e a falta de preparo de muitas empresas, públicas ou privadas, para lidar com o impacto de situações como a maternidade e a amamentação na carreira das trabalhadoras. “A dinâmica do trabalho discrimina”, reforça Taciana.

Temas como a liberdade sexual também ainda merecem reflexão. Homens e mulheres têm a mesma liberdade sexual? “Desculpe, mas não têm”, opina a coordenadora de projetos. Ela cita como exemplo a forma diferente com que a grande parte das pessoas encara o namoro entre um homem mais velho e uma mulher mais nova e uma mulher mais velha com um homem mais novo.

 

Direito da mulher: o que ainda falta alcançar

O dia 8 de março é um marco na luta pelo direito das mulheres ao redor de todo o mundo. Embora muitas conquistas devam ser comemoradas, lá fora e aqui no Brasil ainda há um longo caminho a ser percorrido. Para entender exatamente o que já foi alcançado e o que ainda falta para uma sociedade igualitária e justa, preparamos uma lista que explica onde estamos e onde queremos chegar.

 

Quais são os avanços que ainda precisamos alcançar?

Mas, mesmo com direitos constitucionais garantidos e comportamentos “aceitos”, mulheres e homens infelizmente ainda não são tratados de maneira igual, tampouco respondem da mesma forma para as mesmas questões. Por isso, os avanços necessários atualmente são subjetivos e de mudança comportamental e cultural, e não apenas legal.

 

  • Fim da ideia de realização matrimonial

Com a ascensão no mercado de trabalho, muitas mulheres tiveram a oportunidade de perceber que o casamento não é a única trajetória da vida e, por isso, optam por não casar. Suas escolhas devem ser respeitadas sem julgamentos morais de realização.

 

  • Divisão igualitária de tarefas domésticas

À mulher ainda são destinadas as responsabilidades com o cuidado do lar. No entanto, se ela também trabalha fora, as tarefas deveriam ser divididas igualmente entre os moradores da casa, incluindo o companheiro.

 

  • Visibilidade do prazer

É muito comum que mulheres relatem o egoísmo de seus parceiros na cama, que priorizam apenas o seu prazer sexual. A mulher é indivíduo sexual, sente prazer e, portanto, em uma relação, deve ser alvo de preocupação e esforço do outro.

 

  • Divisão igualitária da responsabilidade com os filhos

Reunião escolar, visitas ao médico, atestados, cuidados de saúde, alimentação, higienização e educação são funções socialmente tidas como obrigação da mulher. Mas, o pai, como responsável pelo filho, deve ser cobrado igualmente pelo cumprimento das tarefas.

 

  • Fim do sexismo na infância

Não existe atividade ou brinquedo típico de menino ou menina. As crianças, quando são moldadas a este pensamento, além de serem podadas de imaginação, criatividade e diversão, crescem acreditando que o mundo é dividido “para homens” e “para mulheres”.

 

  • Discussão na escola

Para serem agentes de mudanças, as crianças devem aprender, desde pequenas, que o gênero feminino é oprimido. Para isso, a discussão deve ser obrigatoriedade no ensino básico. É importante que saibam dessas distinções para que possam, além de agir diferente, provocar mudanças efetivas, desde a composição familiar até a forma de lidar com o mercado de trabalho.

  • Igualdade salarial

Mesmo tendo esse direito garantido em lei, a mulher que exerce a mesma função de um homem, com as mesmas tarefas e responsabilidade, ganha 30% a menos. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) de 2007, a equiparação salarial no Brasil só deve ocorrer daqui a 87 anos.

  • Conscientização sobre a existência dos preconceitos

Os preconceitos de gênero, racial e de padrão de beleza existem e, para suprimi-los, é importante que eles deixem de ser taxados como “vitimismo”.

 

  • Desconstrução dos padrões de beleza

Diariamente mulheres têm sua autoestima afetada por não conseguir se enquadrar nos padrões de beleza, que muitas vezes são irreais e fruto da manipulação de imagens.

 

  • Fim da condenação moral pela conduta sexual

Ainda perpetua-se a ideia de que existe a mulher da rua, que serve para as relações sexuais, e a mulher de casa, que é casta e pura e serve para o casamento. O moralismo presente nessas afirmações reforça a noção de que o exercício da livre sexualidade feminina é um problema ou pecado.

 

  • Fim da maternidade compulsória

A cultura social determina que a mulher, em algum momento da vida, deve se tornar mãe. Muitas, no entanto, não sentem essa vontade e, por isso, são julgadas.

 

  • Educação sexual ampla e acessível

Embora nas grandes capitais e para mulheres com fácil acesso à informação possa parecer distante, a realidade é que muitas mulheres ainda não têm acesso a uma educação sexual de qualidade, que inclua informações sobre métodos contraceptivos seguros e planejamento familiar.

 

  • Fim do controle do Estado sobre a conduta sexual da mulher

Uma mulher deve ter autonomia para decidir quando quer colocar o DIU ou fazer uma laqueadura. No entanto, no SUS, para ter acesso aos dispositivos e tratamentos, ela deve passar por uma análise criteriosa que inclui número de filhos, condição socioeconômica e estado civil e que, portanto, exclui diversas mulheres.

 

  • Fim da violência obstétrica

Para muitas mulheres, o parto ainda é uma cena de horrores, cheia de desrespeito, hostilidade, ofensas e procedimentos invasivos e feitos sem a autorização da parturiente.

 

  • Respeito às escolhas individuais no parto

O Brasil, nas redes privadas, chega a alcançar o índice de mais de 80% dos nascimentos via cesárea, desrespeitando as indicações da OMS (Organização Mundial de Saúde), que recomenda 15%. A mulher que opta pelo parto normal enfrenta uma série de dificuldades para realizá-lo, desde o despreparo e persuasão dos médicos até o julgamento social.

 

  • Dignidade na realização do aborto previsto em lei

Mesmo em casos de risco de morte materna, anencefalia e estupro, a mulher encontra muita dificuldade e um ambiente muito hostil para dar continuidade ao aborto, que deve ser feito com segurança, respeito e sem julgamentos morais e religiosos.

 

  • Descriminalização do aborto

O aborto virou crime apenas em 1940, com a implementação do novo Código Penal. No entanto, mesmo sendo proibido, diariamente mulheres recorrem a abortos clandestinos. Aquelas que têm acesso a clínicas seguras saem ilesas. Já as que dependem de medidas arriscadas e baratas, correm risco de morte. A descriminalização vai ao encontro da necessidade de permitir que as mulheres façam escolhas sobre seu corpo e vida e a urgência de ampliar o debate acerca do planejamento familiar.

 

  • Cumprimento efetivo da Lei Maria da Penha

Embora a lei exista e Delegacias da Mulher estejam espalhadas por todo o país, a recepção e segurança da mulher agredida ou violentada ainda é precária e hostilizada.

 

  • Fim dos assédios na rua

Cantada é assédio e, ainda hoje, elas são naturalizadas.

 

  • Fim da culpabilização da vítima

Ao denunciar uma agressão, um assédio ou um estupro, a mulher é questionada sobre sua conduta quando, na verdade, todas as indagações e julgamentos deveriam ser destinadas ao agressor.

 

  • Respeito à capacidade intelectual

No mercado de trabalho e na universidade, a mulher ainda precisa lidar diariamente com questionamentos que colocam em cheque a sua capacidade, seja de ser promovida ou entrar em pós-graduações por seus próprios méritos.

 

Por que ainda é preciso lutar?

Foi somente quando as mulheres se juntaram e começaram a clamar por direitos que as mudanças aconteceram. Embora não seja possível cravar exatamente quando o feminismo nasceu, suas ideias, desde o iluminismo (movimento intelectual do século XVIII), disseminaram por todo o mundo e, em cada país, a reação e as conquistas se deram de uma forma.

Apesar disso, mesmo com avanços consolidados, a jornada para as mulheres não é fácil. Além da desigualdade com a qual elas são tratadas em inúmeros aspectos, desde a vida conjugal até a posição no mercado de trabalho, elas ainda são vítimas cotidianamente da violência – simbólica, física e sexual.

De acordo com pesquisa realizada pela Comission on the Status of Woman, entidade da ONU (Organização das Nações Unidas), uma em cada três mulheres do mundo já foi espancada ou violentada sexualmente. No Brasil, a cada 5 minutos uma mulher é agredida e, de acordo com relatório do Ministério da Justiça, 70% dos casos parte de conhecidos ou familiares, como pais, namorados e maridos. Por isso, é essencial relembrar os avanços alcançados para tomar conhecimento do caminho que ainda precisa ser percorrido.