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A mitologia é um sistema de crenças composta por uma série de narrativas ou histórias que buscavam explicar tudo o que existia e era importante para a sociedade. Os mitos eram histórias que explicavam a existência de diversos fenômenos da natureza e ensinavam o comportamento humano. Essas narrativas e lendas compunham o imaginário coletivo. Muitos conceitos usados até hoje são legados dessa cultura riquíssima. Um exemplo, entre muitos, é o conceito denominado de Hýbris, que pode ser traduzido como “tudo o que passa da medida”, o excesso. Na Grécia antiga estava ligado ao desprezo pelo espaço alheio unido à falta de controle sobre os próprios impulsos. Era um sentimento violento inspirado pelas paixões exageradas. Era considerado uma doença pelo seu caráter irracional e desequilibrado. Os portadores da hýbris afrontavam os deuses e sofriam a punição dos mesmos, pois essa atitude era vista como petulância. Atualmente esse conceito pode ser interpretado como o orgulho exagerado, o excesso de confiança, a presunção e a arrogância.

A síndrome de Hýbris ou Húbres foi definida pelo médico inglês David Owen como um transtorno do tipo paranóide que parte da megalomania e termina em paranoia. Ela refere-se a pessoas que experimentam uma mudança de personalidade quando estão em posições de liderança. Pode ocorrer em vários campos de atuação como na medicina, nas áreas jurídicas, negócios e principalmente na política. Essa síndrome descreve como as pessoas quando estão no poder apresentam excesso de confiança, orgulho extremo e total desprezo pelos outros. O fenômeno acontece quando percebia-se que algo acontecia com a estabilidade mental de uma pessoa quando ela estava no poder. Owen descreveu o vínculo causal entre o poder e o comportamento anormal, chamando-o de “a intoxicação pelo poder”.

Isso o levou a pensar que existem pessoas com comportamentos honestos que, diante do acúmulo de poder ao longo dos anos, terminam corrompidas.  Esses traços de caráter acompanham um comportamento impulsivo e algumas vezes destrutivo. Não há evidências de uma mudança fisiológica nesses indivíduos. Esse transtorno de personalidade único desenvolve-se apenas depois que um líder detém o poder por um período de tempo, e se aplica apenas a quem não tem um diagnóstico ou histórico de doença psiquiátrica anterior, mas alguns traços de personalidade podem favorecer a conduta, como o transtorno de personalidade narcisista. A síndrome ainda não faz parte do DSM-5, que é o manual onde estão catalogados todos os transtornos mentais. Novas patologias surgem conforme a sociedade se modifica. Assim, pode ser que a síndrome de Hýbris esteja nas próximas edições.

O poder é uma droga intoxicante e nem todos os líderes têm o caráter necessário para combatê-la. A Síndrome de Hýbris se traduz em uma autoconfiança desmedida e os sintomas mais comuns são o isolamento e a incapacidade de escutar os próximos ou os especialistas. Ao deixar de ouvir tornam-se imprudentes, tomam decisões por sua conta e risco, mesmo que estas se revelem erradas, que não sirvam para nada, jamais reconhecerão seus equívocos e sempre acreditarão que são os donos da verdade.

Na mitologia, os deuses puniam severamente quem pretendesse se passar por eles. Na política enviavam para o ostracismo qualquer um que ousasse abusar do cargo. Infelizmente na realidade atual está difícil colocar limites nos líderes. Um bom líder precisa possuir um bom caráter, bom senso, decência e tratar o poder pelo que ele representa em determinado momento. É uma oportunidade privilegiada de influenciar e mudar acontecimentos relevantes para a sociedade como um todo. Por isso, em qualquer sociedade desenvolvida, o primeiro sinal de despotismo deve ser controlado com um sistema social e político que delimite o poder que recai sobre poucos ou uma única pessoa.

David Owen: médico e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros inglês.

DSMV: Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders)

 Hýbris ou Húbris: Nome que designa, em grego, toda espécie de desmedida, de exagero ou de excesso no comportamento de uma pessoa, como o orgulho.