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A pandemia foi um divisor de águas em vários aspectos inclusive profissional. Foi com ela que descobrimos o quanto o home office pode ser vantajoso para ambas as partes, melhorando a qualidade de vida. Contudo, foi nesse período que um movimento ressurgiu: o do antitrabalho, resultado da insatisfação de trabalhadores com a relação de emprego. Afinal, qual é o sentido, a finalidade de trabalhar?

Segundo uma reportagem da BBC, dados de 2021 do Bureau of Labor Statistics mostraram que, somente no mês de agosto, 4,3 milhões de americanos pediram demissão de seu trabalho sem ter outras perspectivas, por conta da desilusão com o trabalho e a sobrecarga por salários baixos, que acarretam cada vez mais casos de burnout.

Esse fenômeno, que também tem sido chamado de “Grande Demissão” ou “Grande Resignação”, prega uma maior consciência sobre os propósitos do trabalho que a maioria de nós executa. Um dos lemas de quem defende essa ideia é  “desemprego para todos, não apenas para os ricos” — o que revela uma noção de que os mais pobres costumam trabalhar para sustentar riquezas das quais eles não usufruem. O movimento busca apoio em teóricos anarquistas como Paul Lafargue e Bob Black, e critica sobretudo as sobrecargas necessárias para subir na carreira — uma máxima do mundo capitalista, baseado na ideia de meritocracia.

Vale lembrar que a ideia do movimento antitrabalho não é que o trabalho deixe de existir, mas sim que ele seja repensado e reorganizado. Quem apoia o movimento acredita que a maior parte das pessoas trabalha muito mais que o necessário e nunca colhe os frutos do que faz — que, quase sempre, serve apenas para gerar um excesso de bens desnecessários e fazer os ricos lucrarem ainda mais.

A discussão sobre o excesso de trabalho não é nova, mas ela se intensificou ainda mais com a pandemia. O aumento do trabalho remoto mostrou que muitas vezes é possível fazer a mesma coisa em menos tempo, o que torna questionável a lógica trabalhista avaliada pelas horas passadas dentro de uma firma. Algumas empresas, inclusive no Brasil, estão propondo o uso de novos métodos e novas métricas para lidar com isso. Uma agência de comunicação brasileira chamada Shoot, por exemplo, está testando uma redução na carga horária de seus funcionários para 4 dias na semana e 6 horas diárias.

“Percebemos nos últimos dois anos que todo mundo estava muito cansado, mesmo com uma carga horária considerada normal. Os funcionários chegavam sempre exaustos na segunda-feira, mesmo após o fim de semana, e começamos a nos questionar como poderíamos mudar isso”, disse o sócio Luciano Braga.

O fato é que este fenômeno chama a atenção para a necessidade de se discutir a qualidade dos ambientes de trabalho e do tempo despendido nas empresas. O que se evidencia é que muitas pessoas estão aguentando situações péssimas por conta dos salários. A professora Kate Bronfenbrenner, que leciona educação trabalhista na Universidade Cornell, explica melhor. “Os trabalhadores vinham mantendo um limite espantoso de tolerância a abusos praticados pelos empregadores contra eles. Mas, quando esse abuso avançou ao ponto de arriscar suas vidas, esse limite foi ultrapassado”, pontuou para a BBC.

Os “antitrabalho” não são um grupo político e, na verdade, nem sequer são um grupo como tal. Ao contrário, é um grupo espontâneo que encontrou um ponto em comum: a rejeição aos compromissos que um trabalho típico implica e das hierarquias trabalhistas. Embora os “antitrabalho” não tenham feito uma declaração de princípios como tal, com base em suas declarações e ações, pode-se dizer que seus princípios são os seguintes:

 

  • Não fazer mais do que o necessário. Eles não concordam com a ideia de que você deve sempre dar mais de si mesmo, mesmo que isso signifique estender sua jornada de trabalho ou sacrificar um valioso tempo de vida.
  • Não aceitam as jornadas de trabalho de oito horas. Eles se opõem a que uma pessoa tenha que cumprir um cronograma rigoroso e permanecer em seu trabalho, mesmo que tenha terminado suas tarefas diárias.
  • Trabalhar é importante. Os “antitrabalho” não são contra o trabalho, mas contra fazê-lo em condições limitantes e exclusivamente para favorecer grupos poderosos.
  • Equilíbrio. Eles acham que deve haver um equilíbrio entre o tempo para o trabalho e o tempo para a vida pessoal. Os trabalhos extenuantes não são um caminho para o sucesso, mas contribuem para o empobrecimento da existência.

 

Demissão como protesto

Os “antitrabalho” já passaram das palavras aos atos. Muitos deles estão por trás do fenômeno conhecido como “a grande demissão” nos Estados Unidos e em outros países. Em suma, a crise levou muitos deles a tomar a decisão de deixar seus empregos.

Existe até uma pesquisa realizada pela FlexJobs em setembro de 2021. Os resultados indicam que apenas 2% queriam voltar ao trabalho normal, após a crise de 2020. 58% consideraram a possibilidade de deixar o emprego em curto prazo. 65% queriam continuar trabalhando remotamente, daqui para frente.

Os “antitrabalho” realizaram ações como o boicote à famosa Black Friday: eles sabem que trabalho excessivo e consumo excessivo andam de mãos dadas. Eles também enviaram centenas de currículos falsos à Kellogg’s para impedir que a empresa substituísse um grupo de trabalhadores em greve.

Após o ano de 2020, dificilmente o mundo voltará a ser o mesmo. A crise produziu mudanças nos hábitos da maioria, mas também na nossa forma de ver o mundo. Os “antitrabalho” são uma expressão desta nova realidade que aos poucos vai tomando forma e que coloca em dúvida o sistema vigente.

A crise levou a demissões em massa nos Estados Unidos e em outros países, nas mãos dos “antitrabalho”. Pessoas que questionam o modo de vida baseado numa dedicação obsessiva às atividades laborais, apostando num protagonismo maior para as outras dimensões da existência.

 

(Fontes CNN Brasil, A mente é maravilhosa, Maura Martins, BBC, Tcherneva, P. R. (2020). En favor del trabajo garantizado. Lola books)