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Apesar das leis, ser mulher no Brasil ainda é risco de vida e de ser estuprada. Embora as mortes violentas de forma geral tenham sido reduzidas no país, os estupros continuam batendo recorde: um caso a cada 7 minutos, segundo balanço da CNN.

Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados em julho e revelam que 2022 foi o ano com o maior número de registros de estupros e estupro de vulnerável da história, com 74.930 vítimas — um caso registrado a cada 7 minutos no país. A taxa cresceu 8,2% no comparativo com 2021 e chegou a 36,9 casos para cada 100 mil habitantes.

Os números, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, correspondem a uma fração da violência sexual contra mulheres, meninas, homens e meninos de todas as cidades, uma vez que se trata dos casos que foram notificados às autoridades.

Ao todo, 75,8% dos casos de estupro registrados em 2022 envolvem menores de 14 de idade, incapazes de consentir “fosse pela idade [menores de 14 anos], ou por qualquer outro motivo [deficiência, enfermidade, etc.]”, afirmam, no estudo, as pesquisadoras do Fórum Samira Bueno, Marina Bohnenberger e Juliana Martins.

A conhecida subnotificação dos casos de estupro, sobretudo os que atingem pessoas mais novas, é reconhecida pelos pesquisadores.  Mas a explosão no número de episódios é justificada, à luz de estudos sobre o tema, com o fato de que a pandemia de Covid-19 e o fechamento das escolas podem ter contribuído para que os abusos ocorressem em casa e só fossem revelados com a abertura dos espaços escolares, segundo especialistas.

A pesquisa revela que as crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual: 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e crianças com idade até 4 anos; 17,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos e 33,2% entre 10 e 13 anos. Ou seja, 61,4% tinham no máximo 13 anos. Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual eram menores de idade. Pela legislação brasileira, uma pessoa só passa a ser capaz de consentir a partir dos 14 anos.

De acordo com o anuário, no ano passado, 88,7% das vítimas eram do sexo feminino e 11,3%, do masculino; 56,8% eram pretas ou pardas (no ano anterior. eram 52,2%); 42,3%, brancas; 0,5%, indígenas; e 0,4%, amarelas. Entre as crianças e adolescentes com até 13 anos de idade vítimas de estupro no ano passado, os principais autores são familiares (64,4% dos casos) e 21,6% são conhecidos da vítima, mas sem relação de parentesco. Só 13,9% das ocorrências foram de autoria de pessoas desconhecidas.

Os números também contrariam o senso comum de que vias públicas seriam os espaços em que a violência sexual seria mais cometida. Em média, 68,3% dos casos somados de estupro e estupro de vulnerável ocorreram na residência da vítima. No caso dos estupros de vulnerável, o dado é ainda maior: 71,6% dos casos, sendo que, nos estupros, a média foi de 57,8%. Já 17,4% dos casos de estupro ocorrem em vias públicas, e 6,8% dos episódios com menores ocorrem nas ruas.

A maioria dos casos de violência sexual (53,3%) ocorre à noite ou na madrugada (entre 18h e 5h59). Quanto às ocorrências de estupro de vulnerável, que atingem principalmente crianças, a maioria (65,1%) foi ao longo do dia, entre 6h e 11h59, ou entre o meio-dia e as 17h59, período em que a mãe ou cuidadora em geral está fora.

“Embora não tenhamos pesquisas sobre o tema no Brasil, é comum ouvir relatos de profissionais de educação, ou mesmo de policiais, que indicam que foi o professor ou a professora que notou diferenças no comportamento da criança e primeiro soube do abuso. Assim, a escola tem papel fundamental para identificar episódios de violência, mas, principalmente, em fornecer o conhecimento necessário para que as crianças entendam sobre abuso sexual e sejam capazes de se proteger”, diz o anuário.

Ainda segundo o anuário, é comum a criança não ser capaz de reconhecer o abuso, seja por falta de conhecimento, seja por vínculo com o agressor. “É compreensível que a criança tenha algum sentimento de amor, ou mesmo lealdade, pelo agressor, já que em geral o abuso é praticado por pais, padrastos, avós e outros familiares. Além disso, o abusador tende a manipular a criança com ameaças ou subornos, o que garante o silêncio da vítima. O sentimento de culpa ou vergonha costuma estar presente na criança, que acaba não revelando nada a familiares.”

 

O maior da história

Segundo Juliana Brandão, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de casos de estupros é o maior desde que a instituição começou a acompanhar tais ocorrências, e é difícil atribuir o aumento a um único fator, principalmente porque é um crime extremamente complexo, que tem suas especificidades. “Neste caso, estamos falando de crianças com até 13 anos, consideradas vulneráveis. Esse aumento dos números é apenas o aumento das notificações, porque o crime de estupro por si só já é um crime que, pela natureza que carrega, já tem muita subnotificação. Quando estamos olhando para esse universo mais de crianças e adolescentes, é mais difícil ainda imaginar que crianças e adolescentes foram responsáveis por notificar a grande violência que sofreram”, afirmou.

Para Juliana, é possível que esse resultado seja fruto de um conjunto de fatores que pode ser explicado, em parte, pelo maior empoderamento das vítimas, mas não se pode esquecer de analisar que há pessoas que estão sendo os vetores dessa comunicação oficial para as autoridades, os adultos. “E são esses adultos que conseguiram, de alguma forma, funcionar fazendo essa mediação, ouvindo o relato das crianças e adolescentes e levando para a polícia para que o registro fosse efetivado”, acrescentou.

“Realmente houve uma explosão de casos e, quando olhamos os dados com desagregação, notamos que o que mais cresceu foi estupro de vulnerável, que em sua maioria atinge crianças. Uma das hipóteses que trabalhamos, a partir de estudos de outros países, é que o fechamento das escolas ampliou a vulnerabilidade de crianças tanto de violência sexual, abuso sexual, quanto maus-tratos”, afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Se você olhar os indicadores de violência contra crianças, todos crescem. Em 2020 e 2021, foram anos que tivemos muitas interrupções de dias do período letivo por conta das medidas de isolamento social e 2022 foi o momento da retomada da escola, que é o ambiente em que muitas vezes você identifica que a criança está sofrendo abuso”, continua.

Há um fator pouco lembrado: a falta de aplicabilidade das leis de forma mais rigorosa, rápida e pontual, responsabilidade do Judiciário.

 

Aumento de casos de feminicídios e violência doméstica

Os feminicídios também tiveram aumento de registros no Brasil: 6,1%, entre 2021 e 2022. Em 2021, foram 1.347 casos e, em 2022, subiu para 1.437. As tentativas de feminicídios tiveram um aumento de 16,9%. Os homicídios de mulheres também aumentaram 1,2% de um ano para o outro.  Entre os casos registrados de violência doméstica, o número saltou de 237.659, em 2021, para 245.713 em 2022. O estado do Amazonas teve a maior taxa de aumento, com 92%.

(Fontes Anuário Brasileiro de Segurança Pública, CNN, G1 e Agência Brasil)