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Em um planeta com 7,5 bilhões de pessoas parece natural pensar que filhos são uma etapa essencial a ser vivida. No entanto, existe, em alguns países, uma tendência de queda no número de nascimentos. Consequentemente, ocorre um aumento no número de pessoas que não querem ser pais. Assim como o envelhecimento populacional, fenômeno que ocorre principalmente nos países desenvolvidos. No Brasil, segundo dados do IBGE, a escolha de “não quero ser mãe” ocorre para cerca de 14% das brasileiras. E, 79% dos brasileiros não querem ter filhos nos próximos anos, o que evidencia, não só um adiamento momentâneo da maternidade na população, como, em alguns casos, uma escolha por não ter filhos.

Apesar dos dados apresentarem uma tendência de diminuição, mulheres que não querem ser mães ainda causam um certo estranhamento social. “Como assim você não quer ser mãe?”, “Por que você não quer ter filhos?”, “E se você se arrepender depois?” são algumas perguntas frequentes que as mulheres que disseram não à maternidade já ouviram ao longo de suas vidas.

O “não a maternidade” parece ser um caso de bastante curiosidade e desconfiança. Ao passo que as mulheres que optam em serem mães, dificilmente são questionadas com tais perguntas. Esse retrato evidencia o julgamento social que as não mães podem sofrer ao longo de suas vidas. E coloca em cheque alguns costumes e normas socialmente construídas que deveriam ser debatidas com empatia e respeito.

Afinal, por que ainda existe um estigma em torno de mulheres que não querem ser mães?

As razões dadas pelas mulheres variam e crianças são caras: um relatório de USDA de 2017 descobriu que os pais americanos gastam, em média, mais de 230 mil dólares com custos de filhos, do nascimento até os 17 anos de idade – não incluindo a faculdade. E eles também são ruins para o planeta: a ciência tem afirmado há muito tempo que ter um filho é praticamente a pior coisa que você pode fazer pelo meio ambiente (pesado né? ). Um estudo da Suécia descobriu que ter pelo menos um filho por família pode economizar cerca de 60 toneladas de emissões de carbono por ano.

O aumento do número de mulheres trabalhadoras – e provedoras – em todo o mundo também fez com que muitas ficassem relutantes em deixar empregos que dificilmente estarão lá quando retornarem. No entanto, muitas mulheres simplesmente não querem ter filhos por uma razão que outras pessoas possam ver como, digamos, menos prática. “Meus amigos me descreveriam como a pessoa mais adequada para a maternidade”, diz Marie Andersen, uma artista de 29 anos. “Não acho que ser mãe seja algo pesado e sou ótima em ser responsável. Minha mãe morreu quando eu era jovem, então cuidei dos meus irmãos e sempre dou uma mãe das minhas amigas. Mas faço tudo o que quero: transo com homens e mulheres e sou livre de muitas maneiras que considero importantes e essenciais para ser quem eu sou”.

No entanto, enquanto a mulher se sente empoderada em sua decisão e com sua vida, ela também não consegue evitar o sentimento de estar sendo julgada (o que provavelmente, acontece).

Mesmo quando cada vez mais mulheres estão optando por não ter filhos – e a ideia de que há diferentes maneiras de formar uma “família” tornou-se cada vez mais comum – ainda existe um estigma em torno de mulheres que não têm e talvez até nas que sentem o desejo materno. As mulheres que não fazem essa opção são, de alguma forma, “ameaçadoras”, como Andersen coloca. Elas desafiam as expectativas sobre o que as mulheres fazem ou “deveriam” querer. “Muitas pessoas pensam que as mulheres que não querem filhos não gostam de crianças, o que quase nunca é o caso”, diz a psicóloga Sarah Gundle. “Gostar de crianças ou não raramente é a razão pela qual atendo pacientes que decidiram não ter filhos. As mulheres hoje têm mais opções e para muitas, é uma escolha como qualquer outra”.

Mas a ideia de as mulheres terem filhos ainda está tão profundamente arraigada em nosso consciente coletivo, que aquelas que escolhem não tê-los frequentemente são vistas com uma certa suspeita e não passam pelo ‘crivo social’.

Ou pior: um estudo de 2017 publicado na revista Sex Roles descobriu que muitas pessoas consideram a decisão de abandonar a paternidade não apenas anormal, mas também moralmente errada. “Mulheres que optam por não ter filhos provocaram indignação moral – raiva, nojo, decepção – em relação a pessoas com filhos”, diz a autora do estudo, Leslie Ashburn-Nardo. “Elas também foram vistas como pessoas menos realizadas psicologicamente”. Em outras palavras, diz ela, a maioria de nós espera que pessoas que não têm filhos por opção vivam vidas “incompletas” e “infelizes”.

Em uma reportagem da revista online chinesa Sixth Tone, Fan Yiying escreve sobre o aberto desprezo chinês pelos casais que escolhem não ter filhos. Até mesmo a conselheira matrimonial citada na matéria “orienta seus clientes a ter filhos, chamando a parentalidade de ‘uma experiência de vida indispensável’ e argumentando que isso não deve impedir um trabalho e outras metas da vida”.

A ironia, como aponta Gundle, é que ter filhos não deixa as pessoas mais felizes. Um estudo de 2016 publicado no American Journal of Sociology analisou famílias em 22 países e descobriu que ter filhos torna as pessoas menos realizadas em comparação com as pessoas que não os têm, fenômeno que os pesquisadores apelidaram de “lacuna da felicidade dos pais”.

No entanto, segundo  Ashburn-Nardo, “como sociedade, temos a tendência de supor que ter filhos é mais do que a maioria das pessoas faz – é o que as pessoas devem fazer. Isso poderia ser eficaz para uma mulher sem filhos por opção afastar o preconceito”, continua. “Mas isso por si só não é muito justo – por exemplo, não costumamos perguntar aos pais por que eles escolheram ter filhos- então por que queremos questionar os motivos dos que não são pais?”.

Talvez seja porque alguns pais questionam suas próprias razões.

Gundle diz que existem muitos pacientes com sentimentos variados sobre filhos depois de já tê-los, muitas vezes em uma reação à pressão sobre as mulheres -e mães em particular – para serem perfeitas, assumir responsabilidades demais e sempre priorizar as crianças. “A ambivalência materna é comum, mas muito raramente falada por causa da vergonha relacionada a isso”, diz Gundle. “Mas a paixão atual por criar filhos”, com razão, “acaba sobrecarregando os pais num grau alarmante”.

 

(Fonte Gazeta, Vogue e Veja)